O crédito bancário teve em agosto o seu pior desempenho desde a edição do Plano Real. Embora os indicadores antecedentes apontem uma possível estabilização desse mercado no próximo trimestre e especialistas acreditem em uma retomada em 2017, o próprio Banco Central admite que esse não será um fator que vá liderar a recuperação da economia.
Nos dados acumulado em 12 meses até agosto, o estoque de empréstimos do sistema financeiro apresentou uma retração de 0,6%. Responsável por compilar e divulgar estatísticas do setor, o BC reduziu a sua projeção para a evolução desse agregado no ano, de expansão de 1% para queda de 2%.
Essa retração nominal marca o fim do superciclo de crédito da última década e meia, que duplicou o volume de empréstimos bancários na economia, para 51% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse período caracterizou-se pela ampliação das possibilidades de financiamento a grandes empresas, fortalecimento dos sistemas de financiamentos imobiliário e de veículos e inclusão de segmentos da mercado que sofriam restrição de crédito, como famílias de menor renda e microempresas.
A derrocada foi motivada pela desorganização macroeconômica do país. A leniência com a inflação e o aumento da taxa de desemprego, por exemplo, corroeram a massa real de rendimentos e turvaram o horizonte de planejamento de empresas e famílias. Os déficits fiscais muito elevados deslocaram a oferta de empréstimos do setor privado para o governo.
A rigor, o ciclo de crédito deveria ter terminado em 2011, quando os bancos privados se retraíram em função de uma crise de inadimplência. Seria o momento adequado para depurar eventuais excessos e retomar logo adiante, em bases mais sólidas. Mas a opção de política econômica foi seguir com o crédito em marcha forçada, puxado pelos bancos públicos, que receberam uma injeção hoje estimada em de R$ 566 bilhões em recursos subsidiados. Nesse ano, segundo o BC, os bancos públicos terão a primeira retração de sua carteira, de 1%, a pior desde 2001.
Depois da queda, há alguns sinais encorajadores no horizonte. A Pesquisa de Condições de Crédito do BC, divulgada na semana passada, mostra que os bancos têm expectativa de um possível início de estabilização no quarto trimestre deste ano.
Segundo esse levantamento, a oferta de crédito a empresas e famílias continuaria se contraindo, mas em um ritmo menos intenso. No caso do crédito imobiliário, os bancos preveem ampliar a oferta de recursos. Do lado da demanda, os bancos ainda veem queda no apetite por empréstimos de grandes empresas e para consumo, mas em um ritmo também menor. A procura de financiamentos imobiliários e de micro, pequenas e médias empresas, no entanto, tenderia a crescer em um ritmo moderado.
Analistas e gestores de bancos ouvidos pelo Valor preveem uma alta nominal de 8% no crédito no ano que vem que, se confirmada, seria maior do que a inflação prevista para o ano, de 5,1%. Muitas dessas apostas são sustentadas pela perspectiva de leve retomada da atividade econômica em 2017, de 1,3%, depois de uma retração do PIB acumulada em perto de 7% desde 2015.
Ainda há, porém, um alto grau de incerteza. A margem de endividamento das famílias deverá seguir comprometida por um bom tempo, já que as taxas de desemprego só devem ceder quando for esgotada a capacidade ociosa da economia. Mesmo com o ajuste fiscal em curso, a perspectiva é de um déficit nominal de cerca de 9% do PIB em 2017, o que significa que o setor público seguirá competindo com o setor privado pelos financiamentos disponíveis.
Apesar dos avanços dos últimos anos, o volume de crédito da economia ainda é pequeno quando comparado com economias avançadas, especialmente nos financiamentos imobiliários. Um novo ciclo sustentado de crédito dependeria de fortalecer o horizonte de planejamento para famílias e empresas.
O primeiro passo é a efetiva implementação das medidas de ajuste fiscal. O ciclo passado de crédito ganhou impulso com reformas microeconômicas que fortaleceram garantias e reduziram a insegurança jurídica. Neste momento, será necessário também delimitar bem o papel dos bancos públicos, aprofundar o mercado de capitais e incentivar uma maior competição no sistema bancário.
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