segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Oportunidade perdida – Editorial – Folha de S. Paulo

Uma nítida vantagem de João Doria Jr. (PSDB) na disputa pela Prefeitura de São Paulo não constituiria surpresa, dada a última pesquisa Datafolha antes da votação.

Sua vitória já no primeiro turno representa, contudo, um acontecimento inédito na história das eleições paulistanas —e verdadeiro feito para alguém que, no início da campanha, era desconhecido da grande maioria da população.

Esta circunstância favoreceu, ironicamente, o tucano. O descrédito dos políticos tradicionais, fenômeno que se constata no mundo todo, inspirou a estratégia de propaganda adotada por João Doria.

Nenhuma proposta ou lema do candidato foi tão repetida quanto a que associava sua imagem a um gestor, e não a um político. Embora Doria de fato nunca tenha concorrido a algum posto eletivo, há algo de duplamente enganoso nisso.

Em primeiro lugar, nenhum prefeito, governador ou presidente será simplesmente um técnico, um administrador ou um executivo. Por mais desejável que seja o compromisso com a eficiência e a economia de recursos, decisões políticas e orientações ideológicas são inerentes à gestão da coisa pública.

Acrescente-se que, apesar de relativamente nova no cenário político —e mesmo junto às bases de seu partido—, a figura de João Doria não pode ser considerada estranha aos gabinetes burocráticos e aos círculos restritos do poder.

Foi secretário municipal do Turismo na administração Covas (PSDB) e presidente da Embratur no governo Sarney (PMDB).

Além disso, fez-se candidato nesta eleição graças a um decidido apoio do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), a quem já devia, como noticiado, consideráveis favores no âmbito de suas atividades privadas.

Para Alckmin, de resto, esta vitória no primeiro turno significa expressivo trunfo com vistas à sucessão presidencial em 2018.

Mais do que uma plataforma antipolítica, João Doria encarnou, com inegável talento pessoal de comunicador, todo o movimento de rejeição ao estatismo que se associa aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, assim como a saturação geral com o petismo.

Esse sentimento difuso no país, e especialmente forte entre os paulistanos, determinou a vitória de um candidato cujas propostas, a rigor, foram muito pouco questionadas.

Dessa perspectiva, há que se lamentar a não ocorrência do segundo turno —Doria alcançou 53% dos votos válidos. Teria sido possível um debate autenticamente político sobre a cidade, para além dos impulsos do protesto, dos automatismos epidérmicos e dos encantamentos da propaganda.

A oportunidade se perdeu.

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