- O Estado de S. Paulo
A reforma trabalhista aprovada há uma semana na Câmara consagrou, como se viu, o princípio de que os acordos coletivos entre trabalhadores e empregadores devem prevalecer sobre a letra da lei.
Quem ouve isso pensa imediatamente nas relações trabalhistas nas grandes empresas: Petrobrás, Usiminas, Ford, etc. Mas como ficam os casos que envolvem pequenos negócios: a padaria da esquina, a papelaria do bairro e o que rola entre patrão e empregado doméstico?
Vamos por partes. Os acordos fechados entre trabalhadores e empregadores terão valor de lei, bastando para isso que constem nos contratos. Esse é o modelo que funciona em grande número de países como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Uma vez aprovado também no Senado e sancionado pelo presidente da República, deve reduzir a insegurança jurídica que tanto emperra as relações trabalhistas aqui no Brasil.
A valorização das negociações coletivas não deveria causar estranheza. A Constituição já prevê, entre os direitos dos trabalhadores, o reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos (art. 7.º).
Ao contrário do dito por aí, o projeto de lei manteve intocados direitos básicos, que não poderão mudar por acordos coletivos. Entre eles estão o seguro-desemprego, o FGTS, recolhimento da contribuição previdenciária, licença-maternidade de 120 dias e repouso semanal remunerado. Por convenção ou acordo coletivo, os trabalhadores poderão negociar plano de cargos e salários, remuneração por produtividade, banco de horas anual e jornada de trabalho.
Mas o cobertor curto pode deixar os pés descobertos. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, e o diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, criticam o projeto de lei quando define que passe a prevalecer o acordo individual entre patrão e empregado. Para eles, nesses casos, o trabalhador fica vulnerável, fator de aumento dos litígios trabalhistas, na medida em que o sindicato fica de fora da negociação. Por isso, entendem que esse princípio não deveria ser aprovado.
Advogado trabalhista e sócio do escritório Batalha Advogados, Marcos Almiro concorda em que a novidade pode aumentar os litígios, uma vez que caberá à Justiça dizer se um acordo contém ou não irregularidades. Mas ele lembra que a lei só permitirá negociar individualmente pontos específicos como parcelamento de férias, intervalo de almoço e trabalho em dias de feriados.
Um dos elaboradores do projeto que passou na Câmara, o juiz federal do Tribunal Regional do Trabalho Marlos Melek, pontua que a prevalência do negociado sobre o legislado não significa a adoção do vale-tudo. “Tratamos apenas de desenhar o que vale e o que não vale.”
Ainda assim, dentro do desenho do que vale ou não vale, Melek admite que um grupo continuará à margem da eventual nova lei: o dos empregados domésticos. “A Constituição não prevê os trabalhadores domésticos como categoria econômica e não há negociação coletiva, porque, embora haja sindicatos de trabalhadores domésticos, não há sindicatos patronais correspondentes”, observa ele.
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