- O Globo
Um dos grandes desafios neste momento de reformas é como atualizar as leis do trabalho no campo. O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), me garantiu que, ao contrário do que foi publicado, no projeto dele não há a possibilidade de descontar do salário do trabalhador o que é gasto pelo empregador com moradia e alimentação. Curioso, porque é exatamente isso que está escrito no projeto.
O artigo 16 diz que “só poderão ser descontados do empregador rural as seguintes parcelas, calculadas sobre o salário mínimo: até o limite de 20% pela ocupação da morada; até o limite de 25% pelo fornecimento de alimentação sadia e farta, atendidos os preços vigentes na região”.
Se uma lei diz que “só pode ser descontado”, é que, sim, pode ser descontado. Há apenas esse limite de 45%. O texto estabelece que os descontos só podem ser acima disso se houver “autorização legal ou decisão judiciária”.
O deputado conta que os críticos do projeto estão todos errados. Para provar o que disse, me mandou um release no formato “Perguntas e Respostas” sobre a proposta. Nesse texto didático há a pergunta: “O projeto prevê que moradia e alimentação poderão fazer parte do salário do trabalhador?” E responde que no parágrafo 4º do artigo 16 está escrito que: “a cessão pelo empregador, de moradia e de sua infraestrutura básica, assim como bens destinados à subsistência e de sua família não integram o salário do trabalhador”. Realmente este parágrafo está lá, porém no artigo está escrito o que registrei acima, que dá ao empregador o direito de descontar as “parcelas” de alimentação e de moradia.
Do jeito que está redigido, o artigo 16 é uma contradição em termos. Pode ser descontado até 45% do que o trabalhador tem a receber mas não integra o salário. “Ou seja, o salário continua existindo”, diz o texto explicativo do deputado. Evidentemente que algo confuso assim abre uma possibilidade enorme de abuso no setor rural, e agora legalizado. O deputado acha que a imprensa o interpretou mal, mas no mínimo uma nova redação precisa ser dada a esse parágrafo, se for mesmo esse o caminho pelo qual o Brasil vai regular as relações de trabalho na área rural, em empreendimentos que ficam muitas vezes longe dos centros urbanos e dos olhos de fiscais e dos brasileiros em geral.
No seu “Perguntas e Respostas”, há o seguinte: “o projeto prevê a exclusão da Consolidação das Leis do Trabalho para o trabalhador rural?”. E ele responde: “Não”. Mas no texto está escrito no parágrafo 1º do artigo 1º que: “nas relações de trabalho rural não se aplica subsidiariamente a Consolidação das Leis do Trabalho”. Fica parecendo que o autor do “Perguntas e Respostas” leu outro projeto.
A Norma Reguladora 31 é outro alvo dos legisladores ruralistas. Certa vez, em 2010, a então presidente da CNA Kátia Abreu concedeu entrevista criticando duramente a NR-31 alegando que não dava para cumprir 252 regras do Ministério do Trabalho. Na época, fui conferir esse detalhismo regulatório. E constatei normas que nem deveriam ter sido escritas de tão óbvias: é obrigatório oferecer água potável ao trabalhador, é preciso haver água para lavar as mãos antes das refeições se o trabalhador manipulou agrotóxico, os alojamentos têm que ser divididos por sexo, alojamentos de famílias não podem ser coletivos, trabalhador não pode pagar pelo equipamento de trabalho, se o trabalhador sofrer acidente, tem que receber primeiros socorros.
A NR-31 foi escrita por uma comissão tripartite, da qual a CNA participou, depois de quatro anos de discussão. Se tais obviedades foram escritas é porque havia quem não as cumprisse.
Segundo o deputado é preciso “acabar com o paternalismo em relação ao trabalhador rural”. De acordo. É preciso haver relações de trabalho respeitosas, nada de paternalismo. O agronegócio é uma das grandes forças da economia brasileira. É fácil entender que o trabalho rural tem várias diferenças em relação ao exercício de profissões urbanas. O desafio é fazer mudanças e adequações que comportem essas diferenças, sem que isso signifique abandonar o esforço pelo trabalho decente.
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