- Valor Econômico
Ruas e internet esvaziam o centro e radicalizam PSDB
Nilson Leitão, Izalci Lucas, Rogério Marinho, João Doria. No Congresso Nacional e no Executivo, o perfil do PSDB alterou-se de forma dramática desde 2014. O radicalismo ganhou espaço dentro do partido, tanto no discurso quanto nas atitudes, e a imagem do tucano em cima do muro, tão incrustada nos anos 90, deixou de fazer sentido.
O PSDB desceu do muro e do lado direito, já na reta final da campanha eleitoral daquele ano. Houve tempo em que o partido tracionava o antipetismo. Seus caciques forjados na centro-esquerda, na intelectualidade paulista, nas melhores tradições políticas mineiras, eram o único repositório da esperança de se barrar os vermelhos. Com o advento das ruas tomadas, seja do modo literal ou o das infovias digitais, a lógica inverteu-se. É o PSDB que tenta pegar carona na cauda do cometa.
Para um observador crítico dos tucanos, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, ligado ao PT, o PSDB já havia deixado o campo de centro-esquerda ainda no governo Fernando Henrique, mas começou em 2014 a abandonar o próprio centro. Para Janine, o centro político no Brasil está desvastado e tucanos como Franco Montoro, Mário Covas e Ruth Cardoso morreram sem deixar sucessores.
A angústia tucana tornou-se mais aguda no processo que completa um ano neste outono, o da agonia e morte do governo Dilma Rousseff. Foi com extrema desconfiança que movimentos como o Vem pra Rua, Brasil Livre e outros receberam a adesão tucana à tese do impeachment. Nas entrelinhas de suas falas, expoentes das mobilizações de rua insinuavam que o PSDB fazia parte do problema, e não da solução da crise política.
João Doria teve a felicidade de se projetar como candidato a prefeito de São Paulo neste ambiente em que, de certo modo, o partido retomou um dos mantras de sua fundação: na história oficial tucana, a sigla nasceu "longe das benesses oficiais e perto do pulsar das ruas". Encarnou a antipolítica, a visão do eleitor como um consumidor e do administrador público como um gerente, a pouca disposição de estabelecer consensos.
Como disse em entrevista ao repórter Fernando Taquari, o ex-governador paulista Alberto Goldman, isso é o oposto de tudo que o PSDB pregou ao longo de sua história, mas é esta negação que é demandada atualmente pelo eleitor que o partido disputa.
No campo de batalha das redes sociais, são hordas de bárbaros, de todas as tendências, que lutam por territórios. O espaço da diplomacia e da política parlamentar, em que a elite tucana trafegava, não está servindo para pautar 2018. O PT não formulou seu plano B. Marina Silva antecipou esta tendência, mas dentro de uma moderação que se encontra sem lugar hoje, como mostra o crescimento de Jair Bolsonaro. O PSDB luta para se adaptar.
Para apresentar os três deputados citados no início da coluna: Nilson Leitão, o autor da proposta de regressão das leis trabalhistas no campo, conforme relataram os repórteres Raphael Di Cunto e Cristiano Zaia, é o que se poderia chamar de militante partidário orgânico. O ex-prefeito de Sinop (MT) jamais teve outro partido. Entrou na eleição de 2010 raspando na trave, em uma recontagem de votos, com 70 mil sufrágios. Reelegeu-se com o apoio de 127 mil eleitores e tornou-se referência.
Izalci Lucas era o presidente do PR no Distrito Federal até se desentender com Valdemar Costa Neto e se tornar o presidente do PSDB em Brasília. Ganhou destaque nesta legislatura por ser um dos autores do projeto "Escola sem Partido", que essencialmente estabelece a vigilância sobre os conceitos de moral e de educação cívica que são transmitidos nas salas de aula.
Outro autor de projeto da "Escola sem Partido" é o deputado Rogério Marinho, que chegou a prever em sua proposta pena de cadeia para quem faz doutrinação ideológica. Marinho é o tucano que recolheu uma reforma em que o governo propôs mudar 13 artigos da CLT e apresentou em seu parecer uma revolução no setor, com a revisão de 117 itens.
Impeachment
Na mesma época em que Michel Temer fez a sua famosa de declaração de que era necessário encontrar alguém que "unificasse o país", no início de agosto de 2015, transitava em Brasília uma articulação para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornasse o ministro da Casa Civil de Dilma. Para Janine Ribeiro, que naquele já distante 2015 era ministro da Educação, este teria sido um movimento que salvaria o governo da ex-presidente.
O ex-ministro não tem certeza se outro movimento em curso na mesma ocasião, o de colocar Temer no Ministério da Justiça, ora ocupado por José Eduardo Cardozo, surtiria o mesmo efeito.
Para tentar compreender o impeachment de Dilma, é importante tomar nota da cronologia. Em julho, houve a Operação Politeia, que atingiu o presidente da Câmara. Eduardo Cunha anunciou o rompimento com o governo. Temer saiu no mês seguinte da articulação política de Dilma e em setembro Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal apresentaram a representação que daria engate ao processo de afastamento.
Não faltaram tentativas de se deter a derrocada, tanto com correção de rumos na área econômica, quanto de alterações na coordenação política. A resiliência de Dilma em sustentar suas convicções inviabilizou tudo. Mas não há como se ignorar o papel central de Eduardo Cunha no processo. "Em que momento e com que ações teria sido possível barrá-lo? Não sei. Só me parece que essa luta fratricida PT-PSDB levou a um final, ainda provisório, que não é bom para nenhum dos dois, menos ainda para o Brasil", opinou Janine Ribeiro.
A história contrafactual é um exercício duvidoso, mas pode-se arriscar que Lula ministro poderia ter inviabilizado o impeachment no Congresso, mas jamais garantiria a estabilidade política e econômica inexistente no governo Dilma. A ex-presidente não sofreu apenas as consequências de seus próprios erros e pecados. Ela respondeu por uma herança que colocava a operação de dinheiro irregular dentro do Ministério da Fazenda. Pactuar com Cunha e repor a economia nos eixos seria insuficiente para estancar a sangria.
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