sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Fed proclama o fim da era do relaxamento monetário – Editorial | Valor Econômico

Dez anos depois da maior crise financeira em quase um século, o Federal Reserve americano anunciou anteontem, oficialmente, o início da desmontagem do apoio monetário montado para evitar a depressão que rondou o mundo em 2008. Em breve, o Banco Central Europeu, em um estágio mais atrasado que o americano, deixará de injetar liquidez no mercado com a compra de títulos. Com o pânico global, e uma recessão da qual o mundo se livrou apenas recentemente, os principais BCs do mundo - Fed, BCE, Banco do Japão, Banco da Inglaterra e da Suíça - acumularam ativos da ordem de US$ 15 trilhões para manter a economia global à tona. Essa era de liquidez sem limites dos mercados financeiros globais só começa a se encerrar agora - lentamente.

Os efeitos da crise ainda estão presentes. Há países cujo PIB não retornaram ainda ao nível que tinham em 2008 (Portugal, Espanha e Grécia). Com exceção dos EUA, Alemanha e Japão, o desemprego nos países desenvolvidos é bem mais alto do que antes e, no caso da Europa, mantém-se na casa dos dois dígitos. O crescimento dos países mais ricos do mundo (exceto EUA) está abaixo do seu potencial que, com a crise, foi ele mesmo rebaixado.

As novas fórmulas do laboratório monetário impediram que a crise de 2008 se transformasse em uma espetacular depressão. Enfrentar o corte abrupto de solvência e liquidez despejando toneladas de dinheiro foi a estratégia deslanchada por Ben Bernanke, um expert na grande recessão de 1929, ao leme do Fed. A fartura de crédito barato que antecedeu a crise e aboliu qualquer preocupação com a segurança - e com a honestidade - por parte das instituições financeiras foi combatida com trilhões de dólares para manter os canais dos empréstimos abertos, derrubando seu custo a zero ou menos, e evitando a deflação.

O mundo nunca tinha visto nada parecido com o "quantitative easing" e seus efeitos. Em junho de 2016, havia US$ 14 trilhões em títulos com juros negativos circulando por aí - os investidores, em vez de receberem rendimentos, pagavam para garantir a segurança de seu capital.

Pelo tamanho do estrago causado pela irresponsabilidade e fraudes das instituições financeiras, o castigo saiu barato. Nos EUA, elas pagaram US$ 150 bilhões em multas e indenizações a clientes espoliados (FT). Mas nenhum dos CEOs e altos executivos das grandes instituições de Wall Street foram condenados. Escaparam da cadeia e seguiram embolsando bônus milionários.

Os bancos foram obrigados a se capitalizar adequadamente e estão hoje mais preparados para novos períodos de instabilidade do que antes. Mas há forte movimento nos EUA para desvencilhá-los aos poucos dos limites colocados exatamente para corrigir o desastre causado após um período de desregulamentação desenfreada. Contam para isso com o apoio do presidente Donald Trump. Há o risco de arbitragem regulatória: os EUA podem se desgarrar do figurino global desenhado em Genebra.

Ao contrário do coro apavorado dos economistas ortodoxos, o mar de dinheiro nas principais praças financeiras fracassou em atingir um dos objetivos principais - produzir inflação. Ela continua intrigantemente baixa, mesmo nos EUA, que vivem em pleno emprego, e o próprio Fed diz que as causas do fenômeno são ainda desconhecidas. Ainda assim, o Fed reiterou sua crença de que ela reaparecerá e decidiu já em outubro diminuir seu balanço em rações mensais iniciais de US$ 10 bilhões, crescentes trimestralmente, até chegar a US$ 50 bilhões, que serão mantidos até que o Fed julgue apropriado.

Os mercados, por seu lado, acreditam que se a inflação reluta em subir, os juros continuarão baixos por muito mais tempo, o que os tem empurrado cada vez mais longe da linha da prudência em busca de ativos de risco de maior retorno. Entre eles, os dos países emergentes, que usufruíram da liquidez internacional sem precedentes para se endividar mais, e com rapidez. Dinheiro barato infla bolhas e a queda dos spreads de títulos corporativos e os recordes sucessivos das bolsas são sinais de alerta para o risco de uma reversão abrupta do cenário que poderia vir, por exemplo, de um erro na calibragem dos juros pelo Fed ou BCE.

O despertar da inflação seria o sinal de que o mundo como os economistas o conheceram ainda funciona após a crise. Mas ela reluta em subir - ou pode fazê-lo, de repente, e rapidamente. Ninguém sabe.

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