- Folha de S. Paulo
O que esperar de quem só é relator do caso JBS porque se fraudou o princípio do juiz natural?
Mais grave do que um Ministério Público Federal que adere a práticas criminosas sob o pretexto de combater o crime, é um Supremo Tribunal Federal que cobre com a toga a sua própria covardia. Os doutores se esmeram na servidão voluntária. A instância máxima do Judiciário, em parceria com o MPF, está criando a jurisprudência da ingovernabilidade.
A defesa do presidente Michel Temer enviou dois pleitos à Corte: a suspensão da tramitação da nova denúncia enquanto não se conhece a extensão dos crimes cometidos pelo MPF e a devolução à PGR da peça acusatória. Edson Fachin, numa bizarrice, declarou prejudicado o segundo, atrelando-o ao primeiro. O que esperar de quem só é relator do caso JBS porque se fraudou o princípio do juiz natural? Ou me digam o que tal caso tem a ver com Petrobras. Janot, o acusador, escolheu o juiz. E o STF agasalhou a fraude, coonestada, de saída, por Cármen Lúcia. Jurisprudência da ingovernabilidade.
As duas questões são, a seu modo, inéditas. Duas denúncias, enlaçadas num único inquérito, têm origem em procedimentos fraudulentos. Se o juízo de admissibilidade, a ser feito pelo STF, tem de ser precedido de uma autorização da Câmara, que fique patente: não era isso que estava sendo questionado no tribunal. O que se pedia é que não tivesse curso uma ação enquanto não se esclarecessem as circunstâncias dos crimes cometidos. Não se instavam os doutores a fazer juízo de mérito. Mas eles fingiram que sim. Jurisprudência da ingovernabilidade.
Grave ao extremo foi aceitar – com a notável exceção de Gilmar Mendes nos dois casos: coragem não se empresta, não se compra, não se vende; ou se tem ou não se tem – o procedimento de Fachin, que resolveu jogar no mesmo balaio o pedido de devolução da denúncia à PGR. Devolver por quê? Porque agride o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição. Boa parte do que vai na segunda pantomima de Rodrigo Janot contra Temer apela a eventos, reais ou imaginários, que antecedem o mandato do presidente. Não se estava a cobrar dos ministros que avaliassem, fora de hora, o mérito da parte legal, e mínima, da peça acusatória. Mas se escolheu a jurisprudência da ingovernabilidade.
O que se apontava é um vício de origem. Se não é o STF a ter jurisdição sobre o tema, quem a terá? Como ignorar uma evidência exposta por Mendes? Reproduzo: "Se o procurador-geral da República acredita que a denúncia é minimamente viável, deveria tê-la formulado com conteúdo que possa ser recebido. Se não, não deveria ter formulado denúncia alguma." Mas aí, ministro, como ficaria a jurisprudência da ingovernabilidade?
Nas denúncias por crime de responsabilidade, o ato inaugural da admissão ou da rejeição sem apelo é do presidente da Câmara. No caso de crime comum, inexiste esse arbítrio. Chegando a peça à Câmara, ele não tem querer: envia-a à CCJ. Esta votará um relatório. Se dois terços do plenário se posicionassem contra o presidente (não vai acontecer), o caso seguiria para juízo de admissibilidade do STF. A maioria simples da Corte poderia votar a favor da abertura do processo, e Temer teria de ser afastado até o julgamento, num prazo máximo de 180 dias. Se condenado, a deposição. Vocês têm alguma dúvida de que é isso o que faria a jurisprudência da ingovernabilidade?
Entenderam? O STF decidiu que uma denúncia que fere a Constituição pode depor um presidente da República. Decidiu que não tem autoridade para impedir o trâmite de um ato que esmaga a sua própria autoridade. Decidiu, em suma, dar um autogolpe. Não para assumir o poder, mas para se pôr de rastros. Essa é a jurisprudência da irresponsabilidade.
Uma nota sobre reforma política. Escrevi aqui, no dia 1º, que a dita-cuja caminhava para o buraco e que a culpa não cabia à esquerda desta vez, mas à direita xucra. E o que é que deu? Voto proporcional, sem grana para a campanha. Marcola na cabeça! Citei então Mário Faustino. Eis um país que não morre de "mala sorte, mas de amor pela morte".
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