- O Globo
O Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, divulgará uma nota oficial em que, sem criticar diretamente o general Hamilton Martins Mourão, definirá que o Exército não pode ser fator de instabilidade no país. Ao contrário, seu papel é o de buscar a estabilidade, baseado na legitimidade de suas ações dentro da legalidade.
O general Mourão, que defendeu a intervenção militar caso as crises por que o país passa não sejam resolvidas pelos poderes constitucionais — Legislativo, Executivo e Judiciário —, não será admoestado publicamente, mas será convocado para uma conversa com o general Villas Bôas, o único que pode falar em nome do Alto Comando. Essa decisão foi necessária depois que o próprio Comandante do Exército, em entrevista a Pedro Bial, classificou Mourão de “uma figura fantástica, um grande soldado, um gaúchão”, parecendo concordar com as suas ideias.
A impressão que passou para a opinião pública foi a de que jogava em conjunto com o general Mourão, deixando o ministro da Defesa, Raul Jungman (PPS), isolado na busca de uma demonstração de que a quebra de hierarquia não seria tolerada.
A nota oficial do general Villas Bôas colocará o Exército na defesa da democracia e esclarecerá que não existe possibilidade de uma intervenção militar fora das normas constitucionais, isto é, somente se convocado por um dos três poderes nos casos especificados na lei.
É esse exatamente o teor da nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ligada ao Ministério Público Federal, que ressalta que “não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das Forças Armadas, em situação externa ou interna, independentemente de sua gravidade. (...) As Forças Armadas são integral e plenamente subordinadas ao poder civil e (…) seu emprego depende sempre de decisão do presidente da República”, acrescenta a procuradoria.
Tem razões estratégicas a decisão de não punir novamente o general Mourão, que no governo Dilma foi punido com a transferência do Comando Militar do Sul para a Secretaria da Fazenda do Ministério do Exército, onde está até hoje, por ter feito declarações contra o governo e permitido uma manifestação a favor do torturador Brilhante Ustra. O general Mourão, hoje considerado a maior liderança no Alto Comando após Villas Bôas, iniciou sua carreira como oficial de inteligência do SNI, está a seis meses de ir para a reserva e é candidato à presidência do Clube Militar, o que denota sua intenção de permanecer em função proeminente que lhe permita manter sua atuação política.
Seu pronunciamento de agora encontra pela frente um governo frágil e atolado em denúncias, escândalos diários alcançando praticamente, e em graus variáveis, todas as instituições. No mesmo momento, as Forças Armadas se encontram com problemas de baixos salários, com pesados cortes em projetos a elas caros, como o programa nuclear. Embora este seja um problema comum à maior parte das instituições do país, nesse contexto, punir Mourão, que denuncia a desordem rasgando a disciplina, seria transformá-lo em herói, amplificando extraordinariamente a crise com adesão ampla da reserva e de parte de militares mesmo na ativa, agravando pesadamente a enorme crise que se desenrola nos bastidores durante esse período todo.
O Ministro da Defesa, Raul Jungman, manteve-se em silêncio, mas em permanente contato com o general Villas Bôas, articulando todos os passos e sempre com a preocupação de dar uma satisfação à sociedade, de não permitir que o imenso potencial de crise se tornasse crise real, resguardando a liderança do Comandante do Exército e a coesão do Alto Comando.
Todas essas explicações, dadas em conversas informais e pedidos de não identificação de fonte, demonstram a verdadeira gravidade da crise que estamos vivendo nos bastidores das Forças Armadas, um retrocesso institucional agravado pela crise política e econômica que o país atravessa.
O combate à corrupção destampou uma realidade repugnante que domina os poderes da República, ao mesmo tempo em que revela que, embora funcionem aos trancos e barrancos, as instituições não têm remédios eficazes para curar os males que se entranharam no organismo da democracia brasileira. Ou têm soluções lentas para a urgência pedida pela realidade em frangalhos.
A tal ponto que uma candidatura como a de Jair Bolsonaro tem tido uma receptividade inimaginável e palavras como as de Mourão parecem, a alguns setores, trazer soluções, quando na verdade trazem mais crises. Especialmente se não são repelidas. A impossibilidade de punir o general mostra que, com o agravamento da crise e o crescente envolvimento de seus principais nomes, inclusive o do próprio presidente Temer, o governo está esgotando sua legitimidade para mediar confrontos.
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