A reforma da economia
Teorias são focos de discussões acaloradas entre economistas. Ajustes finos a modelos são os caminhos de pesquisadores para os novos tempos
Por Diego Viana | Valor Econômico /Eu & Fim de Semana
SÃO PAULO - A famosa reprimenda da rainha Elizabeth II a economistas ingleses, em 2008, por não terem antevisto a chegada de uma crise financeira e econômica tão profunda como a iniciada naquele ano pode ser considerada um marco da tendência de se pôr em dúvida a capacidade da profissão para formular e executar políticas públicas. Diretores de bancos centrais, ministros da Fazenda e secretários do Tesouro mundo afora pareciam não saber como lidar com instabilidades financeiras, déficits e recessões.
Mas não só a capacidade administrativa da economia foi questionada. Suas bases teóricas também entraram debaixo da lupa. Se os economistas não conseguiram prever a chegada da crise, suas ferramentas provavelmente eram incapazes de enxergar sua aproximação. Não só a crise não foi prevista, como também a teoria indicava que ela não poderia acontecer. Em resposta, a partir de 2008, alguns dos mais célebres pesquisadores da macroeconomia, numa série de artigos, livros, palestras e congressos, passaram a advogar que era preciso repensar os modelos macroeconômicos.
Desde então, a macroeconomia busca se adaptar às realidades que não conseguia enxergar antes de 2008. Ainda não está claro como serão os modelos-padrão quando esse processo estiver completo, porque os pesquisadores estão tomando dois caminhos distintos. O primeiro é o dos ajustes finos aos modelos, que tentam incluir a instabilidade financeira e o comportamento nem sempre racional dos agentes econômicos; o segundo é a recuperação de autores que, ao longo do último século, tinham ficado à margem, enquanto alertavam para a imperfeição de uma teoria que celebrava a capacidade desses mesmos agentes de evitar uma nova depressão.
"A situação das economias ricas mudou muito de 20 anos para cá", diz ao ValorOlivier Blanchard, professor emérito do MIT e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). O economista francês, autor de manuais de macroeconomia amplamente usados nos cursos de graduação e pós-graduação, cita as principais transformações.
A primeira é a redução constante na "taxa neutra de juros", que sustenta a demanda e mantém a produção no topo de seu potencial. "Essa queda tem duas consequências fundamentais. Dado que as taxas de juros nominais não podem ser negativas, e como a inflação está baixa, o repertório da política monetária está dramaticamente limitado", afirma. "O Banco Central pode descobrir que é impossível reduzir a taxa de juros o suficiente para atingir o pleno emprego."
A segunda consequência é que, como o custo da dívida se tornou muito baixo, a necessidade e a aplicação da política fiscal aumenta. "Também aprendemos com a crise dos subprimes que o sistema financeiro pode explodir mesmo nas economias mais avançadas. Pode haver pânico generalizado, e mesmo os menores choques de oferta podem causar efeitos fortes. Isso é algo que os mercados emergentes sempre souberam", diz o economista. "Tudo isso significa que temos de repensar muito a macroeconomia. Nesse contexto, algumas das ideias que pareciam erradas ou exóticas nos últimos 20 anos estão atraindo novos olhares. É o caso de [Hyman] Minsky."
Economista americano que dedicou grande parte de sua vida a estudar a instabilidade dos mercados financeiros, Minsky é um dos nomes que foram levados à cena da discussão macroeconômica na década pós-"crash", depois de muitos anos circulando apenas nos bastidores. Outras figuras recuperadas nos últimos anos são Susan Strange e Abba Lerner.
Na contramão da tradição econômica, Minsky (1919-1996) enfatizava não as trocas de equivalentes, como nos mercados do dia a dia, mas as operações financeiras. Uma economia moderna não se entende como uma grande feira em que vendedores e compradores precisam de crédito para se financiar, mas como um sistema de financiamento que busca se materializar em transações da economia real. Muitos economistas descrevem a crise financeira de 2007-2008 como um "momento Minsky": o instante em que os preços dos ativos desabam subitamente, após um período prolongado de estabilidade que incentiva os agentes do mercado a tomar riscos irresponsáveis. No interior do ciclo do capital financeiro, esta é a "hipótese da instabilidade financeira", associada ao economista americano.
Susan Strange (1923-1998) era uma economista britânica com especialização em política internacional e uma extensa carreira como jornalista financeira. Já em 1986, ela comparava o capitalismo mundial a um cassino, descolado da economia real e inclinado à instabilidade. Em livros como "Casino Capitalism" (Capitalismo de Cassino, 1986), "States and Markets" (Estados e Mercados, 1988) e "The Retreat of the State" (O Recuo do Estado, 1996), ela previu a perda de poder dos governos na determinação da política econômica e a ascensão do populismo nacionalista como resposta.
Abba Lerner (1903-1982) contribuiu com diversas áreas da economia, de teoremas microeconômicos ao comércio internacional. Inglês de origem russa, foi proponente do socialismo de mercado, aprofundou-se na teoria neoclássica e foi um dos primeiros a reconhecer a importância da Teoria Geral de Keynes. Sua teoria da "finança funcional" foi resgatada depois da crise, graças à afirmação de que a oferta de moeda deve ser administrada pelo Estado para impedir tanto a inflação quanto a recessão.
Quem se beneficiou do maior ganho de repercussão foi a escola conhecida como Modern Money Theory (MMT, às vezes grafada Modern Monetary Theory), ou "teoria monetária moderna". Bastante marginal no mundo universitário até a década passada, a teoria virou o centro de uma polêmica que envolve economistas de todas as cepas, de Paul Krugman até o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell. "O interesse pela nossa teoria cresceu muito logo em seguida ao 'crash', pela simples razão de que não só tínhamos avisado que viria uma crise, desde o fim dos anos 1990, como também identificamos os processos que levariam a ela", afirma Larry Randall Wray, professor do instituto Levy. "Mais recentemente, voltaram a falar de nós graças ao Green New Deal e a constatação de que o problema não está na capacidade de pagar por ele."
O Green New Deal promete ser o tema mais controverso nas prévias das eleições presidenciais americanas do ano que vem. Trata-se da principal bandeira levantada pelo grupo de deputados jovens democratas eleitos no ano passado, encabeçados por Alexandria Ocasio-Cortez, nova-iorquina de 29 anos cujo domínio da linguagem de redes sociais rivaliza com o do presidente Donald Trump. A ideia é, grosso modo, uma reedição ecológica do programa de investimentos de Franklin Roosevelt nos anos 30. Além de descarbonizar a economia, o projeto pretende expandir a cobertura da saúde pública e facilitar o acesso ao ensino superior.
O projeto, que já foi rejeitado em sua primeira tentativa de passar no Senado no mês passado, suscita críticas pesadas dos adversários republicanos - e muitos democratas -, cuja principal ressalva recai justamente sobre os custos, difíceis de estimar e considerados financeiramente irresponsáveis. Um centro de estudos conservador chegou a estimar em US$ 93 trilhões o custo total do projeto, mas esse número não foi corroborado por nenhuma outra instituição.
A resposta dos proponentes do Green New Deal às acusações de irresponsabilidade financeira tomam dois caminhos. O primeiro é afirmar que o custo de combater a mudança climática é menor do que os prejuízos que ela causa. O segundo é macroeconômico e recorre às teorias do MMT. Apoiando-se nas ideias de Larry Randall Wray, Pavlina Tcherneva e Stephanie Kelton, Alexandria Ocasio-Cortez argumenta que o governo americano é perfeitamente capaz de financiar os investimentos do programa, assim como financia seus gastos militares com os "déficits gêmeos", fiscal e comercial.
"Ocasio-Cortez é quem melhor expressa nossas ideias na política. Um governo soberano com sua própria moeda não pode ficar sem recursos, então não faz sentido falar nos custos", afirma Wray. "Um aumento de impostos só seria necessário se começasse a aparecer inflação. Não são e nem podem ser impostos a pagar por um Green New Deal. Para que ele aconteça, basta colocá-lo no orçamento. O que pode atrapalhar a sua implementação é a falta de recursos reais, não financeiros."
Apesar das ocasionais menções simpáticas que recebe de alguns economistas, a teoria é alvo de ataques virulentos. Sua principal objeção à visão hegemônica é a ideia de que o uso dos recursos no limite de seu potencial causa a inflação, e não a quantidade de moeda circulando. Se os recursos estiverem subutilizados, não pode haver inflação. Ao mesmo tempo, um governo que emite a própria moeda não corre risco de falência. Juntando os dois argumentos, o que resulta é que os impostos não existem para financiar o governo, mas para desaquecer a economia e evitar a inflação.
Os adversários da MMT, do keynesiano Paul Krugman ao mais ortodoxo Jerome Powell, traduzem essa ideia com a frase "os déficits não importam" e acusam os proponentes da teoria de promoverem a inflação. Krugman, depois de reconhecer que tem alguns pontos de concordância com seus adversários da MMT, acusou-os de mudar de argumento a cada etapa da discussão, tornando a teoria incoerente. Para Powell, "a ideia de que os déficits não importam para países que tomam empréstimos na própria moeda parece simplesmente errada".
No mês passado, a universidade Chicago Booth chegou a fazer uma enquete entre economistas renomados da academia americana, perguntando se concordavam com as frases "países que tomam empréstimos na própria moeda não devem se importar com déficits públicos porque sempre podem emitir para se financiar" e "esses países podem financiar tanto gasto público real quanto quiserem apenas emitindo". Todos os consultados discordaram, muitos com veemência.
"Nenhum economista associado à MMT concordaria com essas frases", responde Wray, com irritação. "Tanto na esquerda quanto na direita, os críticos jamais foram honestos. Criam espantalhos para nos atacar. Sempre foi assim." Para o economista, as críticas mais recentes têm o objetivo de atingir Alexandria Ocasio-Cortez indiretamente.
Segundo Olivier Blanchard, a MMT tem "alguns acertos e alguns erros". "Um acerto é sua ênfase, entre outras coisas, no papel que a política fiscal pode exercer na manutenção da oferta em seu potencial. Um de seus erros é sugerir que déficits pesados podem ser monetizados sem consequências para a inflação. Na verdade, só um déficit pequeno pode ser financiado pela emissão de moeda. Um déficit grande conduz certamente à inflação alta ou mesmo à hiperinflacão."
O ex-economista-chefe do FMI faz parte do grupo que busca adaptar os modelos macroeconômicos sem virá-los de cabeça para baixo ou abandoná-los em nome de teorias heterodoxas. Desde 2010, publicou vários artigos que discutiam a utilidade e a eficácia de alguns dos mais tradicionais instrumentos da macroeconomia, das antigas curva de Phillips e modelo IS/LM ao conceito de expectativas racionais, passando pelos modelos DSGE (dinâmicos estocásticos de equilíbrio geral), as fundações microeconômicas e o papel das finanças e da moeda.
"Há enormes discussões acontecendo sobre modelagem, principalmente como modelar evoluções macroeconômicas e a necessidade de escolher entre ter fundamentos teóricos mais claros e conseguir encaixar o modelo com os dados. Ainda há muito a debater, mas minha opinião pessoal é que precisamos trabalhar com um conjunto de modelos, dos mais teóricos aos mais empíricos, dependendo da tarefa que temos que enfrentar", diz.
"As expectativas racionais foram um grande passo adiante, mas agora estamos cada vez mais na era pós-expectativas racionais. Ou seja, estamos tentando conservar as consequências desse pensamento voltado para o futuro e, ao mesmo tempo, levar em conta algumas das limitações que as pessoas e as firmas enfrentam quando pensam no futuro", afirma Blanchard. "O mesmo vale para a hipótese dos mercados eficientes. Foi um grande avanço, mas também estamos examinando cada vez mais o que acontece quando essa hipótese falha. Isso é um progresso."
No ano passado, um volume inteiramente dedicado às transformações da macroeconomia foi publicado pela revista "Oxford Review of Economic Policy", com participação de Blanchard, além de Joseph Stiglitz, Simon Wren-Lewis e outros. Os editores foram David Vines e Samuel Wills, criadores do projeto Rebuilding Macroeconomic Theory (Reconstruir a Teoria Macroeconômica), que consultou dezenas de economistas sobre as principais tarefas da disciplina hoje em dia.
"Com a grande crise financeira, não sabemos mais claramente como deve ser a macroeconomia ou o que ensinar para a próxima geração de estudantes. Estamos procurando por uma resposta construtiva para a crise como a que Keynes trouxe nos anos 1930", diz Vines. Segundo os editores, uma reforma do modo de pensar a macroeconomia é necessária porque os principais modelos foram incapazes de explicar a crise ou dar ideias sobre como reagir a ela. Esse fracasso gerou uma série de perguntas: "que novas ideias são necessárias? O que deve ser jogado fora? Que cara vai ter o novo modelo-padrão? Haverá uma revolução paradigmática?".
Já em 2010, o economista Ricardo Caballero, do MIT, escrevia que os macroeconomistas estavam encantados demais com a lógica interna de seus modelos, a ponto de "confundir a precisão com que [esses modelos] descrevem seu próprio mundo com uma precisão na descrição do mundo real". Caballero se refere aos modelos DSGE, amplamente usados, inclusive por bancos centrais, quando estimam o desempenho da economia para definir a taxa básica de juros.
Em 2016, a então presidente do Federal Reserve, Janet Yellen, listou algumas mudanças que a crise tinha provocado na macroeconomia, durante uma conferência em Boston dedicada a entender por que a recuperação da atividade era lenta. Para ela, o "crash" mostrou que alterações na demanda agregada podem ter efeitos duradouros na oferta; até então, pensava-se que a demanda afetava só o curto prazo. Yellen afirmou também que modelos com agentes representativos se tornaram obsoletos, porque os indivíduos são heterogêneos demais.
A terceira mudança está no cerne das maiores controvérsias dos últimos anos: a interação entre os mercados financeiros e a economia real. "Ainda temos muito a aprender sobre como as mudanças em padrões de subscrição e outros determinantes da oferta de crédito interagem com os juros e afetam coisas como gastos de consumidores, demanda e preço da moradia, investimentos das empresas e aberturas de novos negócios", disse. Em seguida, Yellen reconheceu que a macroeconomia não consegue determinar com clareza como se forma a inflação e sugeriu a necessidade de pesquisar melhor o papel do setor externo.
No entanto, segundo a economista Deirdre McCloskey, da Universidade de Illinois em Chicago, as discussões sobre uma reforma da macroeconomia são muito exageradas. "O público e a imprensa acham que é urgente reformar a economia profundamente, mas acho que entenderam errado: as questões científicas não mudaram", afirma. O que move os clamores por transformações na macroeconomia não são os modelos, mas os resultados da atividade econômica no mundo real.
Trata-se de preocupações com desigualdade, baixos salários e instabilidade financeira, não com a lógica dos modelos. Ainda assim, há problemas no estado da arte econômico, reconhece Deirdre McCloskey, autora de algumas das principais obras sobre metodologia da economia. Assim como ocorreu nos anos 30 e 70, há necessidade de adaptar os modelos às novas condições que se apresentam. É uma questão de aperfeiçoamento, em vez de revolução.
Mas, a se confirmar uma nova virada no pensamento macroeconômico, esta seria a terceira revolução paradigmática na teoria, e a terceira que resulta de uma crise profunda ou prolongada. A Grande Depressão deixou como legado, além do New Deal de Franklin Roosevelt (1882-1945) e da ascensão do totalitarismo na Europa Central, a obra magna de John Maynard Keynes (1883-1946), a "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda". Em sua versão formalizada por John Hicks (1904-1989), o keynesianismo se tornou o padrão para pensar o funcionamento das economias industriais modernas. Um símbolo dessa era é o modelo IS/LM, que buscava sintetizar o lado real e o lado financeiro da economia. Em 1971, o presidente americano Richard Nixon (1913-1994) teria afirmado que "somos todos keynesianos agora".
A estagflação da década de 70 causou rachaduras no edifício keynesiano, dando gás aos teóricos mais ortodoxos que sempre o criticaram. Foi o período que consagrou nomes como Milton Friedman (1912-2006), cujo monetarismo preconizava um ritmo estável para o crescimento da oferta de moeda. Em seguida, Robert Lucas criticou os modelos mais usados na época por tentarem prever o futuro com base em comportamentos históricos. Sua solução foi introduzir as "expectativas racionais" na macroeconomia, abrindo o caminho para a busca de fundamentos microeconômicos que sustentassem os modelos da economia como um todo.
Os anos anteriores ao "crash", desde 1985, ficaram conhecidos como "grande moderação". Foi um tempo de ciclos econômicos mais amenos e curtos. A bonança foi atribuída a fatores como a independência de bancos centrais e um melhor conhecimento de como a economia reage a estímulos e choques. Foi uma era de tamanho otimismo, que muitos economistas consideraram que os grandes ciclos de expansão e crises alternadas tinham ficado para trás.
Para Vines, a mudança paradigmática do keynesianismo e a dos neoclássicos são de natureza distinta. Ao escrever a Teoria Geral, Keynes teve de unificar e modificar profundamente os modelos de equilíbrio parcial herdados de Alfred Marshall (1842-1924), em que os mercados de trabalho, bens e moeda não se comunicavam. Assim, Keynes promoveu tanto uma mudança de conteúdo quanto uma mudança de método, o que constitui uma transformação paradigmática. "Por 25 anos, depois da Segunda Guerra Mundial [1939-1945], esse paradigma foi usado para guiar as políticas macroeconômicas. Os resultados foram bons: o período ficou conhecido como 'Era de Ouro do capitalismo'", afirma.
Como nessa época as políticas públicas eram consideradas um meio para atingir estabilidade e equilíbrio, houve uma rápida expansão de estudos empíricos da economia, "o que levou à criação dos primeiros modelos macroeconômicos da economia como um todo; esses modelos foram usados para dar apoio empírico ao processo de elaboração de políticas macroeconômicas", diz Vines.
Wray considera que o período pós-crise promove uma volta a ideias keynesianas, mas atualizadas; e quem realiza essa atualização é a própria MMT. "O que fizemos foi completar a revolução de Keynes. Acrescentamos um pouco de análise institucional, mas nunca rejeitamos as ideias de nossos ancestrais. Temos orgulho da tradição", afirma. Por isso, o economista lamenta que os demais herdeiros de Keynes rejeitem suas ideias. "Adoraríamos ser recebidos de volta entre os pós-keynesianos, mas não creio que vá acontecer. Muitos se tornaram muito neoliberais. Estão preocupados demais com a inflação e a depreciação do câmbio. Ainda vivem nos anos 1960", diz.
Vines se refere à transição do keynesianismo ao novo consenso ortodoxo, na década de 70, como um processo "um tanto mais complicado" do que a mudança de paradigma anterior. "Quando veio a inflação, os economistas não podiam mais propor políticas usando o modelo IS/LM de preço fixo. Mas, em comparação com os anos 1930, a resposta não foi uma transformação paradigmática clara."
Foi esse período que dividiu os economistas americanos em "de água doce" e "de água salgada", referindo-se, respectivamente, às universidades situadas próximas aos Grandes Lagos, como Chicago, e as universidades próximas ao mar, como Stanford. Esses últimos pretendiam aperfeiçoar os modelos keynesianos. Já os economistas da "água doce" acreditavam que as teorias de Keynes haviam sido inteiramente desacreditadas pela inflação e a recessão de meados da década de 70. Buscaram, então, novos fundamentos microeconômicos para os modelos e recuperaram a ideia de que os mercados tendem a operar no equilíbrio.
Críticos aos modelos macroeconômicos muitas vezes apontam para uma negligência em relação ao dinheiro. "Na tradição neoclássica, a moeda é um fato periférico, um acréscimo secundário à utilidade, com a finalidade exclusiva de tornar as transações mais fáceis", afirma o economista francês André Orléan, autor de obras como "A Violência da Moeda" (com Michel Aglietta) e "L'Empire de la Valeur" (O Império do Valor).
Os modelos DGSE, por exemplo, são baseados no modelo padrão de equilíbrio geral, desenvolvido na década de 50 por Kenneth Arrow (1921-2017) e Gérard Debreu (1921-2004). Esses modelos, por sua vez, têm origem nas ideias de Léon Walras (1834-1910), em meados do século XIX. A característica comum a esses modelos é que ou o dinheiro está ausente - os preços sendo comparações de valores das mercadorias - ou ele é tratado como apenas mais uma mercadoria.
Blanchard contesta que a moeda seja ignorada pela economia, mas tampouco lhe atribui um lugar tão central quanto deseja Orléan. "A economia não ignora o dinheiro. Em todos os modelos usados por pesquisadores e bancos centrais, o dinheiro está presente e as pessoas podem escolher entre dinheiro e outros ativos", afirma. "É verdade que, até a crise, a política monetária tinha se afastado do foco nos agregados monetários para olhar primeiro as taxas de juros e as regras dessas taxas. E, na verdade, esse foi um movimento correto. Mas a crise, ainda mais depois do uso do afrouxamento monetário, nos forçou a pensar de novo sobre o tamanho e a natureza dos balanços dos bancos centrais."
Em boa parte, a controvérsia é mais uma etapa na história de divisões mais antigas do que a própria economia. O caso da base monetária é ilustrativo. Já nos séculos XVII e XVIII era possível encontrar em John Law (1671-1729), Benjamin Franklin (1706-1790) e outros o argumento de que criar mais dinheiro ajuda a combater a fraqueza da produção. Já seus rivais Richard Cantillon (1680-1734) e David Hume (1711-1776) alertavam para os riscos do excesso de moeda, que leva ao sobreaquecimento à inflação. Em conclusão do projeto de reconstrução da macroeconomia, Vines e Wills também remetem ao século XVII, mas referindo-se às guerras de religião na Europa. Para eles, assim como naquele período, o que falta é aceitar o pluralismo. "Assim como foi depois da Reforma Protestante [1517], talvez não haja mais uma única igreja verdadeira. É tempo de deixar as guerras religiosas para trás."
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