Foram três meses para esquecer. Imerso em polêmicas desnecessárias, o governo Bolsonaro ficou a dever neste início até para quem acreditava nele. Se na política a confusão está armada, na economia o cenário é preocupante
Rudolfo Lago e Wilson Lima / Revista IstoÉ
Um jantar na segunda-feira 1 que reuniu em São Paulo alguns dos principais empresários do País para conversar sobre os primeiros cem dias do governo Jair Bolsonaro acabou resultando em um grande debate sobre o nada. De acordo com alguns dos comensais, revelou-se ali a imensa frustração do setor produtivo brasileiro com o que até agora fez o capitão reformado. A expectativa inicial de que Bolsonaro imprimiria mudanças importantes para dar fim à era do PT no poder, fortemente marcada pela corrupção, murchou quase que inteiramente.
Os empresários enxergam agora um presidente que parece demonstrar despreparo para o exercício do cargo. Até, talvez, com limitações intelectuais para compreender seu papel, posando para fotos oficiais de chinelos e camiseta pirata de time de futebol. Cercado de alguns ministros que beiram o folclórico e que protagonizam brigas tolas e desnecessárias com os chefes dos demais poderes, especialmente do Legislativo. Além disso, se envolve em debates diversionistas e constrangedores pelas redes sociais, postando vídeos pornográficos ou mesmo questionando se o nazismo foi um movimento de esquerda ou de direita. Enquanto isso, muito pouco ou nada se enxerga de concreto. Fora as polêmicas desnecessárias, Bolsonaro não parece ter muito a apresentar passados três meses de governo.
De 35 metas prometidas, ISTOÉ apurou que a maior parte delas não foi implementada ou está em estudos. Algumas, como o pagamento de 13º salário para beneficiários do Bolsa-Família, poderão vir a ser anunciadas até quinta-feira. O fato, porém, é que tenha ou não algo concreto para apresentar, essa está longe de ser a percepção da sociedade e do meio econômico. O setor produtivo, como ficou evidenciado no jantar da segunda-feira, já revê para baixo todas as metas que projetava para 2019.
Uma retomada do crescimento do País já está adiada para 2020. Isso se o governo conseguir aprovar a reforma da Previdência, algo que já começa a ser posto em dúvida. A taxa de ociosidade média das empresas, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas, é de altíssimos 26%. No ano passado, era de 23%, já muito elevada – um sinal da falta de confiança do empresariado em fazer novos investimentos e colocar a pleno suas linhas de produção. O Índice de Confiança na Economia está abaixo de 100 em todos os setores – comércio, indústria, serviços, consumidor e construção.
Para a sociedade, o resultado disso é recessão e desemprego. Na semana passada, 15 mil pessoas aglomeravam-se em São Paulo em um evento batizado de Mutirão do Emprego. Aceitaram ficar cerca de 14 horas na fila em busca de uma oportunidade. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego atingiu 12,9%. É o dobro da registrada no final de 2014, quando começaram a acender os sinais amarelos da recessão. São nada menos que 13 milhões de brasileiros desempregados. E, em vez de se preocupar com os números, Jair Bolsonaro reage dizendo que o método de aferição do IBGE é que está errado. Lentes cor de rosa mascaram a visão, mas não ajudam a resolver o problema.
Dados coletados pelo próprio Banco Central mostram o viés de pessimismo da economia. As projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) vêm sendo periodicamente surradas pelo Relatório Focus, pesquisa que o BC faz junto a uma centena de instituições financeiras. As estimativas já caíram cinco vezes. No último relatório, divulgado na segunda-feira 1, a projeção de crescimento do PIB baixou de 2% para 1,9%. É a primeira vez que aparece abaixo de 2%.
No relatório anterior, a previsão era de 2,5%. De acordo com o economista Marcel Balessiano, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), esses números, caso não se revertam, farão com que o País chegue a 2020 com o pior crescimento em um período de dez anos dos últimos 120 anos. Baterá a década de 1980, chamada de década perdida. Segundo Balessiano, para que isso não aconteça, o Brasil precisaria crescer 5,7% este ano e outros 5,7% em 2020. E é altamente improvável que isso aconteça.
No bolso dos brasileiros, aumenta a inflação. Ainda que baixa se comparada aos padrões dos tempos de hiperinflação, o índice IPC-S subiu de 0,35% em fevereiro para 0,65% em março. A expectativa de inflação para o ano de 2019 cresceu de 3,87 para 3,89%. São números que produzem um clima de desalento. Não por acaso, murcha também a popularidade do presidente, que, segundo pesquisas do Ibope, caiu 15 pontos percentuais desde janeiro. Quando o governo começou, 49% dos brasileiros tinham uma avaliação positiva do país presidido por Bolsonaro. Esse percentual caiu 10 pontos em fevereiro: foi para 39%. Em março, registrou-se 34%. A maior debandada partiu das classes C,D e E, que não vêem melhoras nos serviços públicos, no social e no emprego.
O pior é que a imagem negativa projeta-se para o Congresso. A aprovação da reforma da Previdência é o principal item da pauta de realizações que Bolsonaro pretende entregar. É ela que pode garantir o retorno de um ambiente de otimismo ao setor produtivo, trazer economia aos cofres públicos e fazer o País respirar novos ares. Mas as recentes brigas de Bolsonaro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fizeram azedar o clima também no Legislativo. É o que revela uma pesquisa feita pela Arko Advice, empresa de análise e consultoria. Obtida por ISTOÉ, o levantamento revela dados preocupantes.
De acordo com as aferições, 33,95% dos deputados consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo. Em fevereiro, esse percentual era de 22,95%. Os partidos declaradamente de oposição somam 27% da Câmara. Ou seja, há gente na base do governo que considera o governo muito ruim. Impressionante é o percentual daqueles que julgam que a relação entre o governo e o Congresso é ruim ou péssima: nada menos que 60,55% – em fevereiro, o percentual era de 17,4%. “Ninguém pode negar que o governo se envolveu em polêmicas desnecessárias e, de fato, apresentou muito pouco”, avalia o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice. Daí, o cenário de desesperança. Até agora, são cem dias a serem esquecidos.
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