sábado, 6 de abril de 2019

Militares tentam mudar estilo Bolsonaro

Por Monica Gugliano | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

"A gente chega e diz: 'Pô, Mourão, falou demais! (...)'. Ele reconhece, e acabou. (...) O mesmo acontece quando um de nós escorrega", diz Heleno

BRASÍLIA - Quando a troca de farpas entre os presidentes da República, Jair Bolsonaro (PSL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), ameaçou a reforma da Previdência antes mesmo de começar sua tramitação, o estado de alerta no núcleo de militares reformados que trabalha no Palácio do Planalto subiu de patamar. Não foi a primeira vez. A diferença agora é que os assessores que convivem diariamente com o presidente não têm mais dúvidas de que Bolsonaro tem causado danos a si e ao governo com seu hábito de atuar fazendo "guerrilhas". Para eles, a maneira "intempestiva" de agir, que teria origem em seu temperamento e em sua formação política, virou fonte de preocupação e de problemas cotidianos, o que põe em risco o projeto de desenvolvimento do país e a retomada do crescimento.

Os militares dizem ser essencial o presidente desistir da "prática que se mostrou exitosa na campanha eleitoral", considerando que o governo já completará cem dias na quarta-feira. O chefe da nação, ponderam, deveria promover a conciliação e a tolerância. Mas Bolsonaro mantém em pleno funcionamento sua fábrica de produzir polêmicas em série. Fontes do Planalto afirmam que o presidente não se abalou nem com o último levantamento do Ibope, divulgado no dia 20, registrando uma queda de 15 pontos em sua aprovação. Como ele demonstra desconfiança sobre a veracidade das pesquisas de opinião, segue a estratégia de agradar sua base de eleitores fiéis, que sustentam sua penetração popular.

Com a leitura de que o cenário é nebuloso, o grupo de assessores da Presidência teve muitas conversas com Bolsonaro nos últimos dias. Todos tentaram alertá-lo sobre o impacto de seu método mercurial. Dentro dos limites da hierarquia, em encontros individuais ou com vários presentes, recomendaram que o presidente mudasse seu estilo. Nessas reuniões, o presidente mostrou-se maleável e receptivo, mas voltou atrás. "Quando isso acontece, o estrago já foi feito", diz um desses assessores. Sua expectativa, entretanto, é que a última investida do núcleo militar surta efeito no gerenciamento do humor presidencial.

As ações em grupo dos militares reformados que estão na "cozinha do Planalto", definição usada para identificar os assessores mais próximos ao presidente da República, vêm sendo uma das mais fortes marcas desses cem dias de governo. Há pouco mais de uma semana, depois de dois meses de comentários do escritor Olavo de Carvalho contra esse núcleo no Twitter, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, respondeu. General de Divisão reformado, gaúcho, nascido em Rio Grande, de 67 anos, Santos Cruz comandou 12 mil homens no Haiti e outros 23 mil no Congo, em missões de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo", o ministro qualificou Carvalho de "desequilibrado". Espécie de guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho é um dos responsáveis, por exemplo, pelas nomeações de dois ministros: Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Vélez Rodríguez (Educação), ambos da ala "ideológica" do governo.

Os colegas do núcleo militar no Planalto dizem que Santos Cruz não "atirou em Carvalho para matar". Teria sido "um disparo de aviso", desses que os soldados dão aos inimigos para lembrar que o território está protegido e tem dono. Não teria agido em defesa própria, mas da corporação que ele representa e do grupo que reúne outros três graduados militares na "cozinha do Planalto", além do vice-presidente da República, o general de Exército na reserva Hamilton Mourão, a quem Carvalho chamara de "idiota". No começo desta semana, Carvalho deu a tréplica: "Ele [Santos Cruz] simplesmente não presta".

A estratégia dos militares da "cozinha do Planalto" não se explica nas ciências políticas. Admiradores das histórias da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) vão encontrar suas táticas de ação no livro "Band of Brothers", escrito por Stephen E. Ambrose (1936-2002) e adaptado para uma série de TV, com produção de Tom Hanks e Steven Spielberg.

Ambrose descreve a trajetória da companhia E (Easy Company) do 2º Batalhão do 506 Regimento de Infantaria Paraquedista, que participou da invasão dos aliados à Normandia no Dia D, em 1944, data que deu início à derrocada do nazismo. As tropas precisavam vencer a guerra, mas, acima de tudo, deviam proteção ao companheiro de trincheira que lutava ao lado. Os senhores grisalhos que despacham no Palácio do Planalto se tratam como uma irmandade.

"Há 40 anos nos conhecemos e não fomos criados em ambientes de fofocas. Nossas divergências são tratadas numa discussão. Cada um diz o que pensa - e acabou. Não existem disputas ou briguinhas por picuinhas", diz Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Todos eles entraram adolescentes na Escola Militar das Agulhas Negras, como cadetes. Saíram aspirantes a oficial, dando início a uma longa carreira até chegarem a generais. Os mais velhos foram instrutores dos mais novos. Há rivalidades e divergências, mas, se entrarem em guerra contra terceiros, vão se proteger e se defender. Foi o que fez Santos Cruz no episódio com Carvalho.

A defesa de Mourão feita pelo ministro não significa unanimidade a respeito da personalidade pró-ativa e loquaz do vice-presidente. Suas declarações corriqueiras muitas vezes também são fonte de problemas. Principalmente quando ele manifesta opiniões opostas às do presidente. "Aí, a gente chega e diz: 'Pô, Mourão, falou demais! Para com isso'. Ele reconhece, e acabou. É uma questão entre nós. O mesmo acontece quando um de nós escorrega", diz Heleno.

Diante dos atritos promovidos pelo presidente, Mourão, alinhado com o seu grupo militar no Planalto, tem dado outra dimensão ao cargo de vice-presidente. Na semana passada, por exemplo, atuou para mitigar os efeitos colaterais da fricção entre Bolsonaro e Maia, que se refletiu numa movimentação negativa nos mercados. Em um evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, Mourão reafirmou os compromissos do governo com a retomada do crescimento e a estabilidade. Sua mensagem foi clara: o presidente e seus auxiliares farão de tudo para aprovar a reforma da Previdência e tentar tirar a palidez econômica do país. Naquele momento, ele não pretendia explicar o que acontecia no Palácio do Planalto.

Sua participação foi preparada em detalhes com o auxílio de outro general de Exército reformado, Gabriel Esper. Além de assessor de Paulo Skaf, presidente da Fiesp, Esper é amigo de Heleno, de quem foi colega de turma. Mourão fez uma palestra e à noite participou de um jantar com um grupo menor de empresários na casa de Skaf. "Temos que ver o governo como um filme, e não como uma fotografia. O ministro Paulo Guedes [Economia] e o presidente sabem que estão na direção certa e vão se manter nesse rumo", diz José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast).

Outros empresários também saíram do jantar com Mourão e de encontros com Bolsonaro e Guedes, em Brasília, mais tranquilos. Um deles, que prefere não se identificar, chegou a dizer que a crise, vista de São Paulo, parecia mais ameaçadora do que constatou na capital federal. "Fui achando que a coisa tinha desandado, mas não. Ainda estou confiante."

Enquanto Mourão e Guedes atuaram junto ao público externo, o quarto general do grupo, o ministro da Secretaria Geral, Floriano Peixoto, tentava organizar a casa com a participação de Heleno e Santos Cruz. Ele substituiu Gustavo Bebianno, que foi demitido do cargo em fevereiro. Trata-se do oitavo militar na Esplanada. Ao todo, 36% dos ministros são das Forças Armadas.

Mais antigo na carreira e, embora rejeite a qualificação, mais influente assessor de Bolsonaro, Heleno é praticamente uma unanimidade entre seus pares. Aos 72 anos, casado, pai de dois filhos e avô de três netos, fez uma trajetória brilhante e chegou a general de Exército, segundo seus colegas, consagrado por sua visão estratégica e sua capacidade de comando.

Formou-se em primeiro lugar nas academias que frequentou, um mérito que, segundo ele, nunca teria sido alcançado não fosse sua mãe, dona Edina. Ela não admitia a hipótese de o filho único ser o segundo ou terceiro da turma. Na montagem inicial do governo, Heleno, que se dedica compulsivamente ao trabalho, seria o ministro da Defesa. Pouco antes da posse, Bolsonaro preferiu que ele ficasse no Palácio do Planalto e o nomeou chefe do GSI.

Na função que inclui a responsabilidade pela segurança do presidente, é difícil encontrar Heleno, no Brasil ou no exterior, longe do chefe. Na garagem do Palácio do Planalto, de segunda a sexta-feira, às 8h, como manda o protocolo, Heleno, o porta-voz da Presidência, Otávio Santana do Rêgo Barros, o chefe do cerimonial, Carlos Alberto Franco França e dois assessores do gabinete presidencial que acompanham Bolsonaro há tempos, também remanescentes de organizações militares, recebem o presidente.

A reunião das 9h, uma tradição que remonta ao tempo dos presidentes militares, agora começa às 8h, com um relato do noticiário e uma descrição da agenda do dia. Cabe ao general Rêgo Barros, de 59 anos, um dos mais jovens e ainda na ativa, descrever o que foi escrito e publicado nas últimas horas. Normalmente, o presidente não gosta do que ouve e lê na mídia. Prefere a "comunicação direta" das redes sociais e das "lives" que faz semanalmente. Assim como alguns dos mais próximos da Presidência, Bolsonaro considera que a mídia faz oposição ao seu governo e que os jornalistas, em maioria, são ideologicamente de esquerda.

A comunicação social continua sendo um dos pontos mais sensíveis da atual gestão. Antes de Rêgo Barros assumir o cargo, não havia um profissional para falar oficialmente em nome do governo. Ao mesmo tempo, não havia coordenação para a comunicação de assessores e ministros. A avaliação é que Rêgo Barros, um general com personalidade de "monge budista", atenuou um pouco essa tensão. Ele chegou com a benção do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, com quem trabalhara chefiando o Centro de Comunicação Social do Exército (CCComsex). Contou também com o aval de Heleno, a quem Villas Bôas passou a assessorar. Aos 67 anos, VB, como é conhecido, é visto como um dos mais influentes líderes da Força nas últimas décadas.

"Nos próximos dias vamos anunciar o plano de comunicação do governo", diz Santos Cruz. Desde antes da posse, ele e sua equipe se debruçam sobre os contratos de publicidade, tentam administrar a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e respondem pelo Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). "Dizem que o governo tem poucas realizações para mostrar neste curto período. Como poucas?", pergunta. Cita como exemplos de trabalhos do Executivo os projetos da reforma da Previdência e da Segurança, este capitaneado por Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública. "Não são pouca coisa", afirma Santos Cruz.

Ao comparar duas de suas missões mais conhecidas, a de ministro e a de comandante de tropas no Congo, diz que cada lugar tem suas peculiaridades. Admite, porém, que em um confronto aberto há uma vantagem: "Quase sempre se sabe de onde vem os disparos. No governo, nem sempre".

Às terças-feiras, os 22 integrantes do primeiro escalão se reúnem com Bolsonaro. Quase sempre um deles faz uma palestra sobre um tema específico. Depois das explanações, podem ser feitas perguntas inscritas previamente com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM). Responsável pela máquina administrativa do governo e pela coordenação política, Onyx, que preferiu não conceder entrevista ao Valor, viu seu poder ser fatiado pelos militares.

Com uma coordenação política falha e com o projeto de agradar a seus eleitores, Bolsonaro passou a atacar os parlamentares, fazendo uma distinção entre "velha política" e "nova política". Em seu discurso, a "velha política" é apresentada como uma usina de mazelas. Já a "nova política" é um poço de virtudes. "Falta clareza institucional ao papel do presidente da República", diz Carlos Melo, cientista político e professor do Insper.

Sua análise é similar à de assessores presidenciais ouvidos pelo Valor. "Bolsonaro ignora o papel de arbitragem, de ser o último a falar e de aglutinar." O resultado, diz Melo, é uma falta de clareza na sociedade e no Congresso Nacional sobre o que pensa e deseja o presidente. "Ele cria uma tensão improdutiva e desnecessária, perde o foco do que é importante. A política é a arte de agregar, não de dividir", afirma o cientista político.

O confronto entre grupos nitidamente definidos é permanente no governo. Há a turma dos "ideológicos", formada por Ernesto Araújo, Damares Alves (ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) e Vélez Rodríguez. A eles se juntam os filhos do presidente, em especial o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ). Eles têm uma trincheira própria e, com apoio de Olavo de Carvalho, enfrentam os militares e respondem por muitas das controvérsias do Planalto.

"Eles são do grupo obscurantismo ostentação", diz o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), referindo-se à agenda conservadora que eles pregam.

O processo de desgaste de Vélez Rodríguez à frente do Ministério da Educação ganhou força após Bolsonaro admitir que as coisas "não estão dando certo" no MEC. Para dar um rumo à pasta, o presidente nomeou o tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira como secretário-executivo da pasta. Fontes do Planalto dizem que, apesar de ser o segundo na hierarquia, ele deve ser o responsável pelo funcionamento da engrenagem, de fato.

Com a indicação de Machado Vieira, Bolsonaro repetiu, em outros moldes, a fórmula que usa no governo. Também patrocinado por Carvalho e endossado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, Ernesto Araújo, num primeiro momento, causou boa impressão em diferentes setores do governo. À medida que Araújo explicitava suas ideias, porém, passou a deixar o núcleo militar preocupado. Com o aval do presidente, a área também passou a ser supervisionada por eles.

Nesta semana, projetos da área da política externa ajudaram a engrossar o caldo do último embate entre o núcleo militar, olavistas e filhos do presidente. O Valorapurou que Bolsonaro já havia sido convencido de que, em sua visita a oficial a Israel, deveria abandonar a proposta de mudar a embaixada do Brasil, no país, de Tel Aviv para Jerusalém.

A polêmica mudança é considerada improdutiva pela diplomacia brasileira. A visão de muitos no Itamaraty é a de que ela serviria para agradar ao eleitorado bolsonarista evangélico e para ajudar politicamente o premiê Binyamin Netanyahu, que disputa uma difícil reeleição marcada para terça-feira. Na véspera do desembarque de Bolsonaro, chegou-se a uma solução, anunciada no voo: a embaixada do Brasil ficaria onde está, mas o governo abriria um escritório de negócios em Jerusalém. Ninguém gostou. Netanyahu esperava a mudança, e a Autoridade Palestina condenou "nos termos mais fortes" a decisão brasileira. O desagrado, temem alguns militares e parte da equipe econômica, logo se refletirá nas exportações de carne que têm no mercado árabe o maior comprador.

Na avaliação de Matias Spektor, vice-diretor e pesquisador da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, a política externa de Bolsonaro funciona mais ou menos como outras áreas em que há compromissos que dividem os atores. "Bolsonaro se elegeu prometendo uma guinada radical e muito ambiciosa na política externa. Embora possa haver algum exagero, é o que ele está fazendo", diz Spektor.

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