Por Paulo Celso Pereira / O Globo
Autor de ‘Como as democracias morrem’ lança
seu novo livro, ‘Como salvar a democracia’, e defende que a reação brasileira a
Bolsonaro foi melhor que a americana a Trump
Steven Levitsky consagrou-se internacionalmente ao lado de Daniel Ziblatt, ambos professores da Universidade de Harvard, ao publicarem “Como as democracias morrem” na esteira da crise política provocada por Donald Trump. Agora, cinco anos depois e com o republicano fora da presidência, eles retomam a parceria no livro “Como salvar a democracia”, que será lançado no Brasil nas próximas semanas pela editora Zahar. Nele, fazem uma análise dos renovados riscos democráticos para os Estados Unidos — onde a obra recebeu o título “Tirania da minoria”, em tradução livre — e para o mundo. Levitsky, que concentra sua pesquisa também na América Latina, falou ao GLOBO.
O senhor afirma em seu novo livro que a crise
democrática brasileira dá sinais de estar sendo superada. Por quê?
Os brasileiros responderam à sua crise
democrática melhor que os americanos. Particularmente a direita brasileira teve
uma resposta mais saudável à crise democrática do (ex-presidentre) Jair
Bolsonaro do que a direita americana. Todas as principais
figuras da direita brasileira aceitaram o resultado na noite da eleição e foram
muito rápidas e duras ao denunciar a violência cometida no 8 de Janeiro, muitos
inclusive apoiaram a investigação parlamentar sobre o que ocorreu — que é muito
diferente do que os republicanos fizeram nos EUA. E, claro, a decisão judicial
de impedir que Bolsonaro dispute a próxima eleição é controversa, mas a maioria
dos políticos de direita aceitou e a considerou legítima.
Bolsonaro foi contido?
É muito cedo para dizer que Bolsonaro está
acabado politicamente, mas ele tem sido marginalizado de uma forma que Trump
não tem sido. Ele lidera a disputa pelas primárias republicanas, será o
escolhido e tem boa chance de voltar à Presidência. E está nesta posição porque
os líderes republicanos permitiram. Seria tolo da minha parte dizer que a crise
brasileira está completamente superada, há muitos problemas para resolver. Mas
a elite política brasileira respondeu à ameaça de Bolsonaro de uma forma muito
mais efetiva do que a americana a Trump.
Por que o senhor qualifica a decisão judicial
contra Bolsonaro como “controversa”?
Há um grande debate nos EUA sobre em que
medida o Estado deve ter o poder de banir candidaturas a cargos importantes. Em
muitos países da América Latina e da Europa, o Estado tem esse poder, e é
aceito que um político abertamente autoritário ou condenado por um crime
relevante seja banido. Os EUA não têm essa tradição. Somos muito liberais e
tendemos a deixar o “mercado” decidir. Se alguém é criminoso, deixe ele
concorrer e os eleitores decidirem. Então, quando vejo uma decisão como a
tomada no Brasil, parece muito grande para mim. Falo que é “controversa” porque
a Justiça tomou a decisão de forma muito rápida, baseada numa infração menor de
Bolsonaro. Parece certo que ele efetivamente cometeu crimes muito piores e que
validariam uma decisão de bani-lo. Se ele tentou, como tem sido dito, convencer
os militares a dar um golpe para reverter a eleição, ele deve ser banido das
eleições por toda a vida. Mas essa não é a razão pela qual ele foi condenado.
Acredito que teria sido melhor e mais legítimo para a Justiça excluí-lo por uma
ação mais abertamente autoritária, um crime mais flagrante.
O senhor aborda no livro o conceito de
“democracia militante”, que vem sendo usado aqui, e afirma que trata-se de uma
estratégia que traz riscos. Quais?
Em teoria, a ideia de que forças
antidemocráticas podem e devem ser removidas pelo Estado é bastante
interessante. O problema é que, na prática, como vimos ao longo de toda
história moderna da América Latina, partidos e candidatos são excluídos mais
por questões políticas do que as estritamente legais. A democracia Argentina
foi destruída quando se decidiu banir o peronismo. Você não pode banir o maior
partido de um país e esperar ter uma democracia estável. Algo parecido
aconteceu no Peru. Para cada caso na América Latina em que a exclusão de um
partido ou político ajudou a proteger a democracia, há ao menos dez em que isso
subverteu ou minou a democracia. A decisão de excluir Lula em
2018 teve grandes consequências. Não estou opinando se era a decisão correta ou
não, mas ela teve enormes implicações para a democracia. Essa é uma ferramenta
muito poderosa que pode realmente atingir a natureza das eleições e das
democracias. Ela deve ser implementada com muita parcimônia, muita cautela e de
forma politicamente neutra, o que é difícil.
O senhor acredita que a ampliação de
políticas para os menos favorecidos também está relacionado ao aumento do
extremismo político?
Se olharmos a história das democracias em
todo o mundo, os passos dados para maior inclusão sempre encontraram
resistência e levaram a alguma reação, nem sempre autoritária. A reação pode
ser forte ou modesta, mas é inevitável que quando você amplia direitos e
desafia hierarquias estabelecidas há muito tempo haja resistência.
Em seu livro anterior, o senhor afirmava que
programas sociais mais universais podem ser melhores para evitar o extremismo.
Por quê?
Nos EUA, a maioria das políticas sociais mira
os muito pobres, que na mente de boa parte da classe média são os
afro-americanos e os latinos. E isso corrói o apoio a essas políticas.
Contradizendo o argumento universalista do meu livro anterior, no entanto, o
que defendo agora é uma abordagem radicalmente diferente: políticas
redistributivas focadas nos brancos pobres e de classe média baixa, nas áreas
rurais e em pequenas cidades, que são majoritariamente brancos e mais hostis às
mudanças dos últimos 50 anos. Nos EUA e na maioria das democracias ocidentais,
a desigualdade vem subindo gradualmente desde os anos 1970 e aqui ela chegou a
um nível latino-americano.
Por quê?
Existe nos EUA ao menos desde Bill Clinton um
consenso pró-mercado, de que o Estado não deve intervir. Há pedaços dos EUA
onde não há mobilidade social há 30 ou 40 anos. As pessoas que crescem lá não
têm nenhuma oportunidade de ascender à classe média. Isso é algo novo nos EUA e
tem gerado ressentimento, criando uma base para o populismo. Isso deveria levar
a uma intervenção do estado para redistribuir a riqueza de Nova York e São
Francisco para as pequenas cidades de Indiana e Ohio, mas isso não tem sido tentado
de verdade em função desse consenso pró-mercado.
O senhor considera possível que Trump vença
em 2024 e que os republicanos sejam maioria na Câmara e no Senado, mesmo sem
terem maioria no voto popular. Essa hipótese inspira o título em inglês do seu
novo livro. Quais serão as consequências?
Existem duas ameaças. Hoje, Trump é mais
ameaçador. Em 2016, ele não achava que ganharia, não tinha um plano, não tinha
estratégia. Isso foi ruim para o país, não houve um governo de qualidade, mas
ele não tinha um plano para estabelecer o autoritarismo e isso ajudou a
proteger a democracia. Desta vez, ele está vindo com um plano. Não estou
dizendo que com certeza que Trump matará nossa democracia, mas ele atacará
nossa democracia e nossas instituições com muito mais força. A outra ameaça é a
de uma governança de minoria. Tivemos duas eleições nas últimas seis em que o
perdedor da votação presidencial ganhou a presidência, o que é legal, é
constitucional, mas muito ilegítimo. Se acontecer em 2024, teremos toda uma
geração de americanos que se tornaram adultos no século XXI e que foram
governados pelo perdedor da eleição presidencial por metade de suas vidas
adultas. Isso resultará em uma séria crise de legitimidade. Quando um número
crescente de cidadãos perde a fé nas instituições democráticas, é um problema
sério.
O senhor vê algum caminho para reduzir a
polarização entre os republicanos e democratas?
Não imediatamente. Infelizmente, para os políticos perceberem que precisam fazer as coisas de forma diferente, geralmente eles têm que sofrer e isso leva um tempo. E acho que alguns políticos republicanos estão começando a perceber que estão pagando um grande custo para jogar esse jogo, no qual eles não negociam com os democratas. Ainda não tenho certeza do que será necessário. Talvez uma guerra, como vimos em Israel. O ataque terrorista de 7 de outubro levou à formação de um governo de unidade. Portanto, muitas vezes, é necessário uma crise como essa para forçar os políticos a se unirem. Ainda não chegamos lá nos Estados Unidos, e seria uma vergonha se fosse necessário uma tragédia terrível para unir os políticos, mas parece que talvez seja isso que será necessário.
2 comentários:
Cruzes,sem guerra.
Muito estranho e injusto o sistema eleitoral americano,Trump ganhou mesmo tendo milhões de votos a menos,teve o outro caso também.
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