domingo, 5 de novembro de 2023

Entrevista | Steven Levitsky: ‘A direita brasileira deu resposta saudável à crise democrática’

Por Paulo Celso Pereira / O Globo

Autor de ‘Como as democracias morrem’ lança seu novo livro, ‘Como salvar a democracia’, e defende que a reação brasileira a Bolsonaro foi melhor que a americana a Trump

Steven Levitsky consagrou-se internacionalmente ao lado de Daniel Ziblatt, ambos professores da Universidade de Harvard, ao publicarem “Como as democracias morrem” na esteira da crise política provocada por Donald Trump. Agora, cinco anos depois e com o republicano fora da presidência, eles retomam a parceria no livro “Como salvar a democracia”, que será lançado no Brasil nas próximas semanas pela editora Zahar. Nele, fazem uma análise dos renovados riscos democráticos para os Estados Unidos — onde a obra recebeu o título “Tirania da minoria”, em tradução livre — e para o mundo. Levitsky, que concentra sua pesquisa também na América Latina, falou ao GLOBO.

O senhor afirma em seu novo livro que a crise democrática brasileira dá sinais de estar sendo superada. Por quê?

Os brasileiros responderam à sua crise democrática melhor que os americanos. Particularmente a direita brasileira teve uma resposta mais saudável à crise democrática do (ex-presidentre) Jair Bolsonaro do que a direita americana. Todas as principais figuras da direita brasileira aceitaram o resultado na noite da eleição e foram muito rápidas e duras ao denunciar a violência cometida no 8 de Janeiro, muitos inclusive apoiaram a investigação parlamentar sobre o que ocorreu — que é muito diferente do que os republicanos fizeram nos EUA. E, claro, a decisão judicial de impedir que Bolsonaro dispute a próxima eleição é controversa, mas a maioria dos políticos de direita aceitou e a considerou legítima.

Bolsonaro foi contido?

É muito cedo para dizer que Bolsonaro está acabado politicamente, mas ele tem sido marginalizado de uma forma que Trump não tem sido. Ele lidera a disputa pelas primárias republicanas, será o escolhido e tem boa chance de voltar à Presidência. E está nesta posição porque os líderes republicanos permitiram. Seria tolo da minha parte dizer que a crise brasileira está completamente superada, há muitos problemas para resolver. Mas a elite política brasileira respondeu à ameaça de Bolsonaro de uma forma muito mais efetiva do que a americana a Trump.

Por que o senhor qualifica a decisão judicial contra Bolsonaro como “controversa”?

Há um grande debate nos EUA sobre em que medida o Estado deve ter o poder de banir candidaturas a cargos importantes. Em muitos países da América Latina e da Europa, o Estado tem esse poder, e é aceito que um político abertamente autoritário ou condenado por um crime relevante seja banido. Os EUA não têm essa tradição. Somos muito liberais e tendemos a deixar o “mercado” decidir. Se alguém é criminoso, deixe ele concorrer e os eleitores decidirem. Então, quando vejo uma decisão como a tomada no Brasil, parece muito grande para mim. Falo que é “controversa” porque a Justiça tomou a decisão de forma muito rápida, baseada numa infração menor de Bolsonaro. Parece certo que ele efetivamente cometeu crimes muito piores e que validariam uma decisão de bani-lo. Se ele tentou, como tem sido dito, convencer os militares a dar um golpe para reverter a eleição, ele deve ser banido das eleições por toda a vida. Mas essa não é a razão pela qual ele foi condenado. Acredito que teria sido melhor e mais legítimo para a Justiça excluí-lo por uma ação mais abertamente autoritária, um crime mais flagrante.

O senhor aborda no livro o conceito de “democracia militante”, que vem sendo usado aqui, e afirma que trata-se de uma estratégia que traz riscos. Quais?

Em teoria, a ideia de que forças antidemocráticas podem e devem ser removidas pelo Estado é bastante interessante. O problema é que, na prática, como vimos ao longo de toda história moderna da América Latina, partidos e candidatos são excluídos mais por questões políticas do que as estritamente legais. A democracia Argentina foi destruída quando se decidiu banir o peronismo. Você não pode banir o maior partido de um país e esperar ter uma democracia estável. Algo parecido aconteceu no Peru. Para cada caso na América Latina em que a exclusão de um partido ou político ajudou a proteger a democracia, há ao menos dez em que isso subverteu ou minou a democracia. A decisão de excluir Lula em 2018 teve grandes consequências. Não estou opinando se era a decisão correta ou não, mas ela teve enormes implicações para a democracia. Essa é uma ferramenta muito poderosa que pode realmente atingir a natureza das eleições e das democracias. Ela deve ser implementada com muita parcimônia, muita cautela e de forma politicamente neutra, o que é difícil.

O senhor acredita que a ampliação de políticas para os menos favorecidos também está relacionado ao aumento do extremismo político?

Se olharmos a história das democracias em todo o mundo, os passos dados para maior inclusão sempre encontraram resistência e levaram a alguma reação, nem sempre autoritária. A reação pode ser forte ou modesta, mas é inevitável que quando você amplia direitos e desafia hierarquias estabelecidas há muito tempo haja resistência.

Em seu livro anterior, o senhor afirmava que programas sociais mais universais podem ser melhores para evitar o extremismo. Por quê?

Nos EUA, a maioria das políticas sociais mira os muito pobres, que na mente de boa parte da classe média são os afro-americanos e os latinos. E isso corrói o apoio a essas políticas. Contradizendo o argumento universalista do meu livro anterior, no entanto, o que defendo agora é uma abordagem radicalmente diferente: políticas redistributivas focadas nos brancos pobres e de classe média baixa, nas áreas rurais e em pequenas cidades, que são majoritariamente brancos e mais hostis às mudanças dos últimos 50 anos. Nos EUA e na maioria das democracias ocidentais, a desigualdade vem subindo gradualmente desde os anos 1970 e aqui ela chegou a um nível latino-americano.

Por quê?

Existe nos EUA ao menos desde Bill Clinton um consenso pró-mercado, de que o Estado não deve intervir. Há pedaços dos EUA onde não há mobilidade social há 30 ou 40 anos. As pessoas que crescem lá não têm nenhuma oportunidade de ascender à classe média. Isso é algo novo nos EUA e tem gerado ressentimento, criando uma base para o populismo. Isso deveria levar a uma intervenção do estado para redistribuir a riqueza de Nova York e São Francisco para as pequenas cidades de Indiana e Ohio, mas isso não tem sido tentado de verdade em função desse consenso pró-mercado.

O senhor considera possível que Trump vença em 2024 e que os republicanos sejam maioria na Câmara e no Senado, mesmo sem terem maioria no voto popular. Essa hipótese inspira o título em inglês do seu novo livro. Quais serão as consequências?

Existem duas ameaças. Hoje, Trump é mais ameaçador. Em 2016, ele não achava que ganharia, não tinha um plano, não tinha estratégia. Isso foi ruim para o país, não houve um governo de qualidade, mas ele não tinha um plano para estabelecer o autoritarismo e isso ajudou a proteger a democracia. Desta vez, ele está vindo com um plano. Não estou dizendo que com certeza que Trump matará nossa democracia, mas ele atacará nossa democracia e nossas instituições com muito mais força. A outra ameaça é a de uma governança de minoria. Tivemos duas eleições nas últimas seis em que o perdedor da votação presidencial ganhou a presidência, o que é legal, é constitucional, mas muito ilegítimo. Se acontecer em 2024, teremos toda uma geração de americanos que se tornaram adultos no século XXI e que foram governados pelo perdedor da eleição presidencial por metade de suas vidas adultas. Isso resultará em uma séria crise de legitimidade. Quando um número crescente de cidadãos perde a fé nas instituições democráticas, é um problema sério.

O senhor vê algum caminho para reduzir a polarização entre os republicanos e democratas?

Não imediatamente. Infelizmente, para os políticos perceberem que precisam fazer as coisas de forma diferente, geralmente eles têm que sofrer e isso leva um tempo. E acho que alguns políticos republicanos estão começando a perceber que estão pagando um grande custo para jogar esse jogo, no qual eles não negociam com os democratas. Ainda não tenho certeza do que será necessário. Talvez uma guerra, como vimos em Israel. O ataque terrorista de 7 de outubro levou à formação de um governo de unidade. Portanto, muitas vezes, é necessário uma crise como essa para forçar os políticos a se unirem. Ainda não chegamos lá nos Estados Unidos, e seria uma vergonha se fosse necessário uma tragédia terrível para unir os políticos, mas parece que talvez seja isso que será necessário.

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Cruzes,sem guerra.

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito estranho e injusto o sistema eleitoral americano,Trump ganhou mesmo tendo milhões de votos a menos,teve o outro caso também.