segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil precisa se preparar para avanço da IA

O Globo

No país, 41% dos empregos estarão — para o bem ou para o mal — expostos à nova tecnologia, diz FMI

A preocupação com o avanço da inteligência artificial (IA) sobre o mercado de trabalho ganhou contornos mais precisos com um novo estudo sobre o tema publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). No mundo rico, diz o relatório, cerca de 60% dos empregos estarão expostos às novas tecnologias capazes de treinar máquinas para perceber, aprender e agir imitando habilidades cognitivas humanas. Nos mercados emergentes, serão 40%. Nos países de renda baixa, como a Índia, 26%. No Brasil, a parcela é estimada em 41%.

Vale lembrar que estar exposto nem sempre significa risco de perda ou extinção do trabalho. Pode ocorrer o contrário: a IA funcionar como trampolim salarial ao ampliar a produtividade nas atividades repetitivas. Não estar exposto, como acontece com os trabalhadores de baixa qualificação, é quase sempre mau negócio, por impedir os ganhos que a IA poderá proporcionar. A diferença da IA para outras ondas de automação do passado é que seus efeitos recairão principalmente sobre quem tem diploma universitário.

O FMI divide as atividades entre exposição alta e baixa à IA e entre potencial alto e baixo de complementaridade com ela. Juízes e advogados sofrem alta exposição e, ao mesmo tempo, apresentam alta complementaridade. Computadores já têm poder de análise de textos jurídicos e decisões judiciais maior que o humano, mas nenhum país planeja deixar que tomem decisões em tribunais. Portanto é possível prever que profissionais capazes de usar ferramentas mais sofisticadas manterão seus empregos. Cirurgiões e pilotos de avião também estão nessa categoria.

Quem se dedica ao telemarketing, ou mesmo a carreiras de formação superior como economista, com alta exposição e baixa complementaridade, não deverá ter a mesma sorte. No Brasil, essas ocupações representam 20% dos empregos. Empregados domésticos, com baixa exposição e baixa complementaridade, certamente terão trabalho, mas a disparidade de renda deverá aumentar na comparação com as ocupações que aproveitarem as oportunidades da IA. Pelas consequências sociais, econômicas e políticas, os resultados desse jogo de perde e ganha precisarão ser acompanhados de perto por todos os governos. O saldo final dependerá da habilidade de cada país de se preparar para o impacto da IA.

De modo geral, quem tem curso superior, em especial os mais jovens, estará mais preparado para trocar empregos com chance de desaparecer por outros com nível maior de proteção. Tanto no Reino Unido como no Brasil, aqueles com formação universitária se mostram mais capazes de fazer a transição. A mobilidade de quem tem apenas curso secundário é bem menor, sinal de que o governo precisa mesmo se preocupar com a evasão no ensino médio e a queda no interesse pelo Enem.

Também crucial é expandir o ensino de habilidades digitais, melhorar a infraestrutura de comunicação, realizar reformas que facilitem a realocação da mão de obra, abrir a economia para o exterior e atrair investimento externo no setor de tecnologia. No índice usado pelo FMI para medir o preparo de cada país, que envolve itens como capital humano e regulação, o Brasil aparece no pelotão do meio, à frente de Argentina, Índia e Colômbia, mas atrás de Turquia e Tailândia. Em resumo, para colher os benefícios da IA e cuidar de quem ficar para trás, no Brasil ainda há muito por fazer.

Ação de estados e Justiça é essencial para conter avanço do garimpo ilegal

O Globo

É preciso rever lei aprovada em Mato Grosso autorizando exploração mineral em áreas preservadas

Uma das questões mais desafiadoras ligadas ao avanço do garimpo na Amazônia é que ele ocorre não apenas na informalidade. Governos estaduais podem permitir desmatamento para mineração. A Assembleia Legislativa de Mato Grosso acaba de fazer isso, ao aprovar a derrubada de floresta para extração mineral em áreas de reserva legal, definidas pelo Código Florestal. Há a exigência de compensação no próprio bioma e a proibição do uso de mercúrio. Apesar desses cuidados, o texto da lei, negociado pelo governo com o Ministério Público, não convenceu os ambientalistas.

Eles argumentam que a lei mantém inconstitucionalidades de uma outra, suspensa por liminar há um ano. Mesmo que haja aval do MP à nova lei, a consultora jurídica do Observatório Socioambiental de MT, Edilene Fernandes do Amaral, levará a questão ao Judiciário. Ela alega que a lei aprovada “ataca o princípio do não retrocesso ambiental” e concede permissões que não constam do Código Florestal. “Um estado não pode ser mais permissivo que a União”, afirma. “Há risco de contaminação com metais pesados (mercúrio) e será estimulado o desmatamento para produção rural. Mineração pode ser até extração de cascalho. Em seguida, poderiam fazer plantações de soja. Mato Grosso não tem condições de fiscalizar as compensações ambientais.”

A lei de Mato Grosso foi aprovada no momento em que o governo Lula decidiu manter presença constante do Estado no território ianomâmi, em Roraima, para evitar a retomada do garimpo ilegal. Com a omissão do governo anterior, a reserva indígena foi invadida por cerca de 30 mil garimpeiros, provocando mortes por contaminação e subnutrição. Apesar da retomada de operações policiais na reserva indígena, o Ibama constatou a volta dos garimpeiros no final do ano passado, daí a decisão de manter postos permanentes da Polícia Federal e do Exército. A dimensão dos garimpos ilegais e a quantidade de equipamentos mobilizados para procurar ouro revelam a dimensão que a mineração ilegal ocupa na economia da região.

O episódio deixa evidente que não basta o governo federal estabelecer políticas preservacionistas. No campo da repressão, é necessário que haja adequação de legislações estaduais e vigilância dos organismos de controle e fiscalização. No campo econômico, é preciso criar oportunidades de emprego compatíveis com a preservação ambiental. O papel das assembleias locais é zelar por ambas as linhas de ação. Por isso precisa barrar as concessões para mineração em áreas sensíveis da Amazônia. Quando isso não ocorre, cabe ao Ministério Público e ao Judiciário reagir. O lamentável é que a batalha jurídica nem sempre acaba a tempo de deter a destruição ambiental.

Entra no radar uma nova reforma da Previdência

Valor Econômico

Previsão é que o rombo siga aumentando, em consequência do envelhecimento da população e de regras especiais que permitem o pagamento de contribuições menores

Acumulam-se os motivos de apreensão com a sustentabilidade da Previdência Social. Nos 12 meses terminados em novembro, o governo gastou R$ 394,7 bilhões com a previdência dos trabalhadores da iniciativa privada, servidores públicos federais e militares, inativos e pensionistas. A despesa equivale a 3,95% do Produto Interno Bruto (PIB). A previsão é que o rombo siga aumentando, em consequência do envelhecimento da população e de regras especiais que permitem o pagamento de contribuições menores para algumas categorias, como os MEIs, e maiores benefícios para outras, como os militares e funcionários públicos de Estados e municípios, que escaparam das mudanças feitas na reforma de 2019.

O detalhamento do Censo de 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou o envelhecimento da população. O número de pessoas com 60 anos ou mais cresceu 4,5 vezes entre 1980 e 2022, e esse grupo já representa 15,8% do total de 203,1 milhões de habitantes no país. Em 1980, era equivalente a 6,1%. Por outro lado, a fatia da população de contribuintes em potencial da Previdência, na faixa de 20 a 59 anos, cresceu pouco mais de duas vezes, para 57,3%.

Do déficit total da Previdência, R$ 290,3 bilhões no acumulado em 12 meses até novembro, ou 73,5% do total, estão concentrados no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que abrange os trabalhadores do setor privado, cerca de 28 milhões de beneficiários. Nesse grupo, as despesas aumentaram 8,5% em um ano. Mas, o déficit da Previdência dos servidores públicos e dos militares e pensionistas é mais preocupante por ser proporcionalmente maior em relação ao número de beneficiários. Com pouco mais de 1 milhão de beneficiários, o déficit dos dois regimes totalizou R$ 104,3 bilhões nos 12 meses encerrados em novembro, sendo R$ 54,7 bilhões no caso dos funcionários públicos do Poder Executivo e R$ 49,6 bilhões no dos militares inativos e pensionistas.

O próprio governo reconheceu que a reforma da Previdência não iria trazer equilíbrio, mas sim diminuir a velocidade de crescimento do rombo e evitar uma explosão. Algumas medidas da reforma até levam algum tempo para fazer efeito, como o alongamento da idade para a aposentadoria. Fatores imponderáveis podem interferir nos gastos. Tanto a pandemia quanto a redução das filas de espera para a concessão de benefícios, que haviam aumentado no fim do governo de Bolsonaro, aceleraram os gastos com a Previdência em 2023. A recuperação do mercado de trabalho, por outro lado, contrabalançou, com o aumento das contribuições.

Mas a tendência é de aumento do déficit, que pode superar os 10% em relação ao PIB na segunda metade do século, tornando inevitável uma nova reforma. Até porque alguns velhos problemas ficaram fora da reforma de 2019, e, na tramitação, mais alguns escaparam de uma solução. O Congresso excluiu das novas regras os funcionários públicos estaduais e municipais e os MEIs, por exemplo. O trabalhador rural e os militares também têm regras diferenciadas especiais.

O especialista em previdência Rogério Nagamine Constanzi prevê que o déficit atuarial dos MEIs vai chegar a R$ 1,4 trilhão em até seis décadas, diante do descompasso da contribuição ao INSS de 5% do salário mínimo, dos benefícios que usufruem e da crescente expansão da categoria. No setor privado, as alíquotas progressivas de contribuição ao INSS variam entre 7,5% e 14% do salário, o que significa uma alíquota efetiva máxima de 11%. Além disso, há a contribuição patronal de 20%. O aumento do limite do MEI em estudo pelo governo pode turbinar esses gastos.

Constanzi leva em conta em suas projeções o contingente de 13,2 milhões de MEIs constatado pelo IBGE em 2021. A Receita Federal já registra um número maior, de 15,6 milhões. O especialista calcula que os MEIs representam cerca de 10% dos contribuintes do RGPS, mas apenas 1% da arrecadação. Além de tudo, o programa não resultou no aumento da formalização da economia como se esperava. A aposentadoria rural é outro ponto que merece estudos. O trabalhador rural pode se aposentar mais cedo que os demais segurados do INSS - com 55 anos no caso das mulheres e 60 anos no dos homens, para 62 e 65, respectivamente -, e não precisa contribuir para a Previdência. Basta ter no mínimo 180 meses de atividade rural comprovada.

Discrepâncias mais complexas de se mudar são as regras para os funcionários públicos pelo potencial de pressão. A partir de 2013, o teto do benefício dessa categoria passou a ser igual ao do INSS. Mas quem entrou no funcionalismo antes não tem esse teto, e quem entrou até 2003 goza benefício igual ao valor do último salário. No caso dos militares, há benefícios generosos como a pensão vitalícia para filhas.

O governo Lula ressuscitou o aumento real do salário mínimo, levando em conta o PIB de dois anos anteriores. Mais da metade dos benefícios previdenciários são corrigidos pelo mínimo, assim como o BPC, auxílio desemprego e outros. Em 10 anos, a um crescimento de 2%, são mais R$ 550 bilhões de gastos (Fabio Giambiagi, Globo, 26-01). A Previdência apresentará desequilíbrios crescentes.

O risco BNDES

Folha de S. Paulo

Política industrial de Lula traz de volta temores de inchaço do banco de fomento

Causa apreensão geral a retomada de políticas industriais por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que promete R$ 300 bilhões em verbas até 2026, dos quais R$ 250 bilhões serão mobilizados a partir de recursos do BNDES, banco federal de fomento.

Embora a maior parte dos créditos a princípio terá taxas de mercado, há espaço para novos subsídios. Como sempre é o caso no Brasil, porém, o que começa pequeno pode crescer. A memória sobre iniciativas desse tipo não é boa, afinal, e cabe todo o cuidado com novas promessas de prudência e governança adequada.

Políticas industriais executadas no país nas últimas décadas em geral redundaram em desperdícios e falta de impactos positivos claros e sustentáveis na produtividade e na geração de emprego.

O BNDES, relembre-se, foi usado como plataforma para concessão de dinheiro a empresas privilegiadas, que redundaram em perdas para o contribuinte.

O governo proclama que tudo será diferente com a recém-divulgada edição, batizada como Nova Indústria Brasil e que será executada a partir do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), recriado pelo Executivo em meados do ano passado.

O plano se concentra em seis "missões" —agroindústria com vistas à segurança alimentar, cadeias fornecedoras do SUS, infraestrutura, transformação digital, transição energética e tecnologias voltadas para a defesa. Por ora, mais do que metas, há aspirações.

O documento apresenta diagnósticos plausíveis sobre carências e fragilidades, mas falta o reconhecimento de que uma política industrial moderna vai muito além da indústria e abrange serviços fortemente empregadores que são relevantes em países em desenvolvimento, muitas vezes distantes da fronteira tecnológica.

O país, aliás, já gasta enormemente com incentivos ou renuncias tributárias, crédito favorecido a setores e proteção tarifária.

A falta de qualquer avaliação sobre os resultados dessas iniciativas é prova de que não há mecanismos adequados de monitoramento e decisão, sem os quais a ação do Estado é capturada por interesses privados e tende a degenerar para intervencionismo tosco e contraproducente.

Promete-se que o CNDI, composto por 20 representantes de ministérios, pelo BNDES e por outros 21 da sociedade civil, notadamente associações setoriais da indústria, será órgão de consulta, deliberação e prestação de contas.

Antes de começar a distribuir dinheiro, o órgão deveria submeter ao escrutínio da sociedade estudos a respeito de como pretende evitar os mesmos erros do passado.

Nomear a pobreza

Folha de S. Paulo

IBGE adota favelas e comunidades; Brasil deve usar dados em políticas de moradia

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou que utilizará a nomenclatura "favelas e comunidades urbanas", em vez da anterior "aglomerados subnormais", em seus levantamentos.

À primeira vista, parece mudança meramente estética, mas a alteração reflete a tentativa de compreender melhor a realidade de nada menos do que 5,1 milhões de domicílios, segundo dados de 2020.

Não se trata de tarefa fácil, a começar pela própria terminologia. Favelas, ocupações, comunidades, grotas, baixadas, vilas, mocambos, palafitas e loteamentos informais são alguns dos termos utilizados no Brasil, de acordo com o IBGE.

O desafio é abranger a diversidade de classificações adotadas popularmente no país e, ao mesmo tempo, apresentar um termo que seja estatisticamente preciso para a formulação de políticas públicas.

Ao consultar as cinco grandes regiões brasileiras, o instituto constatou que "comunidade" foi a opção mais escolhida, tanto entre as prefeituras (22,8%), quanto entre os moradores (25,4%).

A mudança no nome é uma demanda antiga de especialistas e lideranças comunitárias. Os critérios para identificar esses locais, no entanto, devem permanecer objetivos para que se mantenha a comparabilidade dos dados, essencial no caso de estatísticas.

Para o IBGE, insuficiência de políticas públicas, infraestrutura vulnerável, insegurança jurídica da posse e identidade comunitária são algumas das características comuns a esses territórios.

A precariedade da habitação é um critério global. O termo "assentamentos informais", utilizado pela agência das Organização das Nações Unidas (ONU) para a moradia, tem como indicadores o acesso precário ao saneamento básico e a falta de espaço suficiente de convivência, entre outros.

É histórica a inoperância do Estado brasileiro na área da habitação popular, que vincula-se diretamente aos setores de infraestrutura e saneamento.

Soma-se a isso a expansão de favelas durante a pandemia de Covid-19 —na capital paulista, por exemplo, estima-se que 6.000 novos domicílios foram criados nesses territórios entre 2019 e 2022.

Portanto, além da nomeclatura, é necessário que o Brasil produza dados estatísticos de qualidade e os utilize como base na formulação e execução de políticas públicas que façam com que o direito à moradia digna enfim saia do papel.

O poder de uma sociedade unida

O Estado de S. Paulo

35 anos da volta das diretas para presidente e 30 anos do real servem para lembrar que brasileiros são capazes de feitos extraordinários quando se unem em torno de objetivos comuns

Em 2024, completam-se 35 anos da retomada das eleições diretas para o cargo de presidente da República no País e 30 anos do Plano Real. Ambos os marcos históricos revelam, inequivocamente, que a sociedade brasileira é capaz de feitos extraordinários quando decide se unir em torno de propósitos comuns; quando é capaz de reconhecer que há questões de interesse nacional que se impõem às diferenças político-ideológicas que possa haver entre os cidadãos – de resto um atributo próprio de qualquer democracia vibrante.

Essa união dos cidadãos para reaver um direito político elementar e recuperar o valor de sua moeda, com o fim da hiperinflação, não surgiu por geração espontânea nem de longe foi obra do acaso. Tampouco derivou de diferenças essenciais entre o povo brasileiro de então – meados das décadas de 1980 e 1990, respectivamente – e o de hoje. O povo brasileiro segue o mesmo, com todas as suas potências e limitações.

O que, então, houve de diferente na mobilização da sociedade para superar um dos últimos resquícios da ditadura militar e para derrotar a inflação que havia décadas corroía a renda dos brasileiros, ampliava desigualdades e, como se não bastasse, desviava a atenção da Nação de outras questões tão ou mais graves? A resposta é simples: líderes políticos à altura dos desafios de seu tempo.

A redemocratização do País e, consequentemente, a retomada do direito de voto direto para a Presidência da República decorreram de um longo processo de negociações políticas e engajamento social que decerto teria outro desfecho não fossem a liderança e o espírito público de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, André Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso, entre outros, àquela época.

De igual modo, o Brasil dificilmente teria vencido a hiperinflação sem que Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso tivessem a visão digna de estadistas de que aquele problema obstava o enfrentamento de todos os outros. E não só: sem que ambos os presidentes tivessem sido capazes de montar uma equipe altamente qualificada, dadas as credenciais técnicas e republicanas de seus membros, para auxiliálos naquela faina. Destaca-se, por fim, a capacidade de comunicação de Fernando Henrique para dialogar com todos os cidadãos em termos compreensíveis, a fim de dar-lhes a dimensão do desafio a ser enfrentado e dos sacrifícios que haveriam de ser feitos em nome daquele objetivo coletivo.

As eleições indiretas e a hiperinflação ficaram para trás e, neste ano, a sociedade tem razões de sobra para celebrar ambas as conquistas: há eleições livres e periódicas no País e a inflação já não assombra os brasileiros como há mais de três décadas. Isso não significa, por óbvio, que não haja desafios tão ou mais prementes do que aqueles a demandar, hoje, a atenção coletiva. Desigualdades persistem em níveis obscenos, malgrado avanços pontuais nos últimos anos. A educação pública segue negligenciada, em particular o ensino básico. O medo da violência paralisa quase todos os brasileiros. A lista é longa.

O que parece não haver mais são estadistas imbuídos de um interesse genuíno de, mais uma vez, unir os brasileiros e concertar soluções para cada uma dessas mazelas. Os dois presidentes mais populares da história recente do País, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, vivem de insuflar a cizânia entre os brasileiros, fazendo crer, cada um a seu feitio, que adversários políticos são inimigos a serem alijados do debate público. Ao contrário de unir os cidadãos em torno de propósitos comuns, tanto Lula como Bolsonaro reforçam o tribalismo – a união entre os que veem o País e o mundo pelas mesmas lentes – e a exclusão de quem pensa diferente.

Não haverá progresso enquanto novas lideranças não se erguerem inspiradas por espírito público e senso de união; e os cidadãos se deixarem seduzir pelo discurso populista, agrupando-se em identidades políticas estreitas e inflexíveis. Tanto pior no contexto em que crenças particulares, cada vez mais, se sobrepõem à verdade factual.

Elogio à ineficiência econômica

O Estado de S. Paulo

Nada sugere que gargalos competitivos da indústria que afetam crescimento de longo prazo serão desfeitos com nova política industrial ou outros programas que Lula apresentou

O plano “Nova Indústria Brasil”, anunciado pelo presidente Lula da Silva, diz muito ao País pelo que tem, ao reciclar velhos e malfadados vícios de governos lulopetistas, mas também pelo que não tem. Nenhuma política industrial pode ser considerada séria e eficaz se não incluir a eliminação de gargalos de infraestrutura, saneamento, formação de capital humano e ambiente de negócios. Isto é, sem atacar problemas estruturais microeconômicos que afetam o investimento, a segurança jurídica e a capacidade de crescer de forma sustentável no longo prazo. Pelo que se viu num plano carente de detalhes, tais fatores não parecem estar entre as prioridades do governo para a prometida reindustrialização do Brasil.

Exceto pela reforma tributária, que ainda vai demorar a virar realidade pelo tempo necessário à sua regulamentação e implementação, ou pela preocupação fiscal hoje restrita à equipe econômica do ministro Fernando Haddad, pouco ou nenhum foco está direcionado a reverter a baixa eficiência econômica da indústria. Nada sugere que gargalos competitivos possam vir a ser desfeitos com a nova política industrial nem com outros programas que o governo Lula tenha apresentado até aqui.

A desidratação da indústria é evidente; e uma reindustrialização, necessária. O setor tem enfrentado dificuldades de crescimento, com uma participação cada vez menor no PIB, além de um longo período de perda de competitividade. Fora essa constatação dupla, tanto o diagnóstico quanto as soluções apresentadas pelo governo são duvidosos.

Diferentes fatores resultaram em mudanças significativas da indústria em todo o mundo, o que levou a uma tendência de novas abordagens de política industrial. Conforme um estudo que é referência no assunto, The new economics of industrial policy (A nova economia da política industrial), de Réka Juhász, Nathan Lane e Dani Rodrik, respectivamente professores das Universidades de Columbia, Oxford e Harvard, houve uma retomada de políticas industriais pelos países, sobretudo a partir de 2017 e mais ainda no contexto da pandemia de covid-19. Um efeito direto das agendas de descarbonização, das mudanças da globalização e de alterações nas cadeias produtivas, e na esteira de eventos disruptivos como a pandemia e o conflito Rússia-Ucrânia.

Os artífices do plano brasileiro, no entanto, ignoram que os males de nossa indústria vêm de muito antes. A desindustrialização é mais antiga e precoce do que a dos países ricos mencionados como exemplo de políticas industriais recentes: tem ocorrido no Brasil desde meados dos anos 1990, num processo que foi se agravando já nos governos petistas anteriores. Entre 1995 e 2022, a produtividade da indústria de transformação caiu quase 1% ao ano no País, segundo a Fundação Getulio Vargas. O sistema tributário complexo, oneroso e cumulativo, a infraestrutura deficiente, o financiamento escasso e caro, a baixa qualidade da educação e a insegurança jurídica são alguns dos fatores habitualmente citados para explicar a desindustrialização. Essa é a microeconomia.

Há uma máxima entre economistas ortodoxos que informa: crescimento econômico decorre mesmo é da microeconomia; à macroeconomia convém “apenas” não atrapalhar. Fatores estruturais microeconômicos que desidrataram nossa indústria estão associados, entre outras coisas, ao ambiente de negócios ruim e à dificuldade do Brasil de lidar com ajustes quando são necessários. É notória a incapacidade de avaliar políticas e desfazer o que deu errado. No Brasil, tudo se transforma imediatamente em direito adquirido, assegurado pela generosa mão estatal.

Diferentemente dos exemplos dos norte-americanos, europeus e asiáticos, o Brasil tem escassez de capital humano e físico. Em geral, setores a desenvolver dependem de fatores de produção escassos, encarecendo enormemente a política. Além disso, ao Estado brasileiro falta a chamada “autonomia embutida” – conceito do sociólogo americano Peter Evans que diz respeito à capacidade do Estado de estar próximo ao setor privado e entender seus diagnósticos para destravar obstáculos sem ser capturado por interesses particulares. São atributos e condições essenciais para uma política industrial que seja efetivamente nova e boa. Sem isso, é um elogio à ineficiência econômica.

Ameaças emergentes

O Estado de S. Paulo

Os riscos de insegurança cibernética e de extremos climáticos preocupam executivos

O deslocamento das preocupações do empresariado mundial em direção à segurança cibernética e eventos climáticos extremos, como mostrou a edição mais recente do Barômetro de Risco, pesquisa anual desenvolvida pela multinacional de seguros Allianz, reflete a perplexidade diante da velocidade com que avançam os dois temas. Isso apenas comprova que medidas de prevenção e combate a seus efeitos nocivos têm de ser adotadas com igual rapidez.

O universo da pesquisa é formado por mais de 3 mil executivos de corporações empresariais distribuídas em 92 países. Entre os dez maiores riscos, os ataques cibernéticos lideram, por larga margem, o ranking global. Há um temor generalizado em relação a vazamento de dados, invasões de sistemas e pedidos de resgate por informações roubadas.

No Brasil, como destacou a Coluna do Broadcast,a principal preocupação em 2024 é com relação às mudanças climáticas, tema que figurava em oitavo lugar no ano passado. Catástrofes naturais, incluindo enchentes e temperaturas extremas, que ocupavam o sexto lugar na classificação de riscos dos executivos brasileiros, subiram para o quarto lugar. No ranking mundial, os temores com o impacto de eventos meteorológicos extremos também cresceram, passando da sexta para a terceira colocação.

As providências adotadas pelo Brasil nos dois temas – que, obviamente, exigem mobilização global – têm ocorrido, mas é necessário mudar a marcha e acelerar o ritmo. Em 2009, foi instituída a Política Nacional sobre Mudança do Clima, mas a criação do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, com objetivos e metas definidas, só aconteceu sete anos depois. O período de 2010 a 2021 foi classificado como uma década perdida pelo Observatório do Clima, com aumento substancial da emissão de gases poluentes.

Já o decreto que definiu a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética, de 2020, até agora pouco efeito prático alcançou para a redução de danos no País. De acordo com a Check Point Research, líder em cibersegurança no mundo, no levantamento de ataques efetivados por semana, o Brasil está acima da média mundial. Mais de 70% dos ataques buscam bloquear operações de empresas, como constatou em pesquisa a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Medidas para reduzir prejuízos tanto das mudanças climáticas quanto da insegurança cibernética dependem de uma ação conjunta, coordenada pelo governo federal, com a adesão imprescindível dos entes subnacionais e do setor privado. Os fenômenos climáticos de 2023, o ano mais quente da história, afetaram a produção agrícola que garantiu o bom desempenho da economia brasileira. A participação de Estados produtores para, por exemplo, reduzir incêndios e desmatamentos ilegais no Cerrado pode contribuir para mitigar a crise climática.

Investir em treinamento de pessoal para cumprir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) deveria ser a participação das empresas para erguer barreiras aos ataques cibernéticos. Nesse quesito, cabe aos órgãos públicos aperfeiçoar a fiscalização e o controle de dados que circulam perigosamente no universo virtual.

Instabilidade em Washington

Correio Braziliense

A incerteza que permeia esse processo eleitoral reflete não apenas as complexidades individuais de Biden e Trump, mas também os desafios estruturais que os Estados Unidos enfrentam

Marcadas para 5 de novembro, as eleições presidenciais dos Estados Unidos caminham para reeditar a disputa de 2020 entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump. Os papeis, desta vez, estão trocados. Se quatro anos atrás Trump era o presidente e falhou em conquistar a reeleição, agora é Biden que chega às urnas para defender seu legado e tentar garantir a posição até 2028.

A presença do republicano na revanche, porém, ainda não é certa. Apesar de já ter iniciado seu rolo compressor nas primárias dos estados de Iowa e New Hampshire, vencendo com folga a indicação do partido, ele ainda enfrenta problemas na Justiça, que podem levar à sua inelegibilidade. Trump é acusado de envolvimento no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores tentaram impedir a posse de Joe Biden. Mas como ainda não chegou uma reação mais enérgica das instituições e, principalmente, da Suprema Corte, tudo caminha para que o nome do ex-presidente seja mantido nas cédulas. Seja Trump ou Biden o presidente que vai iniciar um segundo mandato em 2025, o resto do mundo já se prepara para um período de turbulências, já que a expectativa é que os dois repitam, em linhas gerais, o que já fizeram à frente da Casa Branca.

Por enquanto, Biden tem desapontado seus eleitores mais à esquerda, já que ele não cumpriu boa parte das promessas de campanha e vem seguindo à risca a cartilha padrão da presidência dos EUA, com envolvimento nos conflitos pelo mundo, como as guerras entre Israel e o Hamas, e entre Ucrânia e Rússia. Ele também tem problemas de ordem econômica, com uma inflação alta para os padrões norte-americanos. Biden ainda vem sendo abertamente contestado por outros líderes do país. Um dos casos veio do governador do Texas, Greg Abbott, que enviou tropas estaduais para uma área controlada pelo governo federal na fronteira com o México, e que estaria sendo usada por coiotes para atravessar imigrantes ilegais para dentro dos EUA.

Trump, por sua vez, deve voltar a implodir todos os tratados globais que ele deixou nos seus quatro anos de mandato e que foram recuperados por Biden, como o Acordo de Paris, para conter os danos da mudança climática, ou os repasses para a Organização das Nações Unidas (ONU). Sua proximidade com o presidente russo Vladimir Putin deixa seus aliados europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) arrepiados, já que Trump pode fazer a balança da guerra contra a Ucrânia pesar a favor de Moscou, resultando em um reconhecimento da posse russa dos territórios invadidos — o que abriria precedentes para outras incursões de Putin pelo continente europeu, de efeito desastroso para a segurança mundial. Por fim, pesa contra ele o ataque ao Capitólio, visto por boa parte do mundo como uma tentativa de golpe de estado. Além disso, a idade dos dois é outro fator a ser levado em conta. Na data da nova posse, Biden terá 82 anos, e Trump, 78. Não é absurdo pensar que o vice-presidente eleito, seja ele quem for, terá a missão de completar o mandato.

A incerteza que permeia esse processo eleitoral reflete não apenas as complexidades individuais de Biden e Trump, mas também os desafios estruturais que os Estados Unidos enfrentam. A atmosfera política do país segue em uma profunda polarização, com a sociedade dividida e a busca por consensos se apresentando um desafio cada vez maior. A necessidade de corrigir rumos, independentemente do resultado eleitoral, emerge como uma tarefa crucial para qualquer líder que venha a assumir o cargo, sob o risco de a instabilidade tomar conta do mundo.

 

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