Brasil precisa se preparar para avanço da IA
O Globo
No país, 41% dos empregos estarão — para o
bem ou para o mal — expostos à nova tecnologia, diz FMI
A preocupação com o avanço da inteligência
artificial (IA) sobre o mercado de trabalho ganhou contornos
mais precisos com um novo estudo sobre o tema publicado pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI).
No mundo rico, diz o relatório, cerca de 60% dos empregos estarão expostos às
novas tecnologias capazes de treinar máquinas para perceber, aprender e agir
imitando habilidades cognitivas humanas. Nos
mercados emergentes, serão 40%. Nos países de renda baixa, como a Índia, 26%.
No Brasil, a parcela é estimada em 41%.
Vale lembrar que estar exposto nem sempre significa risco de perda ou extinção do trabalho. Pode ocorrer o contrário: a IA funcionar como trampolim salarial ao ampliar a produtividade nas atividades repetitivas. Não estar exposto, como acontece com os trabalhadores de baixa qualificação, é quase sempre mau negócio, por impedir os ganhos que a IA poderá proporcionar. A diferença da IA para outras ondas de automação do passado é que seus efeitos recairão principalmente sobre quem tem diploma universitário.
O FMI divide as atividades entre exposição
alta e baixa à IA e entre potencial alto e baixo de complementaridade com ela.
Juízes e advogados sofrem alta exposição e, ao mesmo tempo, apresentam alta
complementaridade. Computadores já têm poder de análise de textos jurídicos e
decisões judiciais maior que o humano, mas nenhum país planeja deixar que tomem
decisões em tribunais. Portanto é possível prever que profissionais capazes de
usar ferramentas mais sofisticadas manterão seus empregos. Cirurgiões e pilotos
de avião também estão nessa categoria.
Quem se dedica ao telemarketing, ou mesmo a
carreiras de formação superior como economista, com alta exposição e baixa
complementaridade, não deverá ter a mesma sorte. No Brasil, essas ocupações
representam 20% dos empregos. Empregados domésticos, com baixa exposição e
baixa complementaridade, certamente terão trabalho, mas a disparidade de renda
deverá aumentar na comparação com as ocupações que aproveitarem as
oportunidades da IA. Pelas consequências sociais, econômicas e políticas, os
resultados desse jogo de perde e ganha precisarão ser acompanhados de perto por
todos os governos. O saldo final dependerá da habilidade de cada país de se
preparar para o impacto da IA.
De modo geral, quem tem curso superior, em
especial os mais jovens, estará mais preparado para trocar empregos com chance
de desaparecer por outros com nível maior de proteção. Tanto no Reino Unido
como no Brasil, aqueles com formação universitária se mostram mais capazes de
fazer a transição. A mobilidade de quem tem apenas curso secundário é bem
menor, sinal de que o governo precisa mesmo se preocupar com a evasão no ensino
médio e a queda no interesse pelo Enem.
Também crucial é expandir o ensino de
habilidades digitais, melhorar a infraestrutura de comunicação, realizar
reformas que facilitem a realocação da mão de obra, abrir a economia para o
exterior e atrair investimento externo no setor de tecnologia. No índice usado
pelo FMI para medir o preparo de cada país, que envolve itens como capital
humano e regulação, o Brasil aparece no pelotão do meio, à frente de Argentina,
Índia e Colômbia, mas atrás de Turquia e Tailândia. Em resumo, para colher os
benefícios da IA e cuidar de quem ficar para trás, no Brasil ainda há muito por
fazer.
Ação de estados e Justiça é essencial para
conter avanço do garimpo ilegal
O Globo
É preciso rever lei aprovada em Mato Grosso
autorizando exploração mineral em áreas preservadas
Uma das questões mais desafiadoras ligadas ao
avanço do garimpo na Amazônia é que ele ocorre não apenas na informalidade.
Governos estaduais podem permitir desmatamento para mineração. A
Assembleia Legislativa de Mato Grosso acaba de fazer isso, ao aprovar a
derrubada de floresta para extração mineral em áreas de reserva legal,
definidas pelo Código Florestal. Há a exigência de compensação
no próprio bioma e a proibição do uso de mercúrio. Apesar desses cuidados, o
texto da lei, negociado pelo governo com o Ministério Público, não convenceu os
ambientalistas.
Eles argumentam que a lei mantém
inconstitucionalidades de uma outra, suspensa por liminar há um ano. Mesmo que
haja aval do MP à nova lei, a consultora jurídica do Observatório
Socioambiental de MT, Edilene Fernandes do Amaral, levará a questão ao Judiciário.
Ela alega que a lei aprovada “ataca o princípio do não retrocesso ambiental” e
concede permissões que não constam do Código Florestal. “Um estado não pode ser
mais permissivo que a União”, afirma. “Há risco de contaminação com metais
pesados (mercúrio) e será estimulado o desmatamento para produção rural.
Mineração pode ser até extração de cascalho. Em seguida, poderiam fazer
plantações de soja. Mato Grosso não
tem condições de fiscalizar as compensações ambientais.”
A lei de Mato Grosso foi aprovada no momento
em que o governo Lula decidiu manter presença constante do Estado no território
ianomâmi, em Roraima, para evitar a retomada do garimpo ilegal. Com a omissão
do governo anterior, a reserva indígena foi invadida por cerca de 30 mil
garimpeiros, provocando mortes por contaminação e subnutrição. Apesar da
retomada de operações policiais na reserva indígena, o Ibama constatou a volta
dos garimpeiros no final do ano passado, daí a decisão de manter postos
permanentes da Polícia Federal e do Exército. A dimensão dos garimpos ilegais e
a quantidade de equipamentos mobilizados para procurar ouro revelam a dimensão
que a mineração ilegal ocupa na economia da região.
O episódio deixa evidente que não basta o
governo federal estabelecer políticas preservacionistas. No campo da repressão,
é necessário que haja adequação de legislações estaduais e vigilância dos
organismos de controle e fiscalização. No campo econômico, é preciso criar
oportunidades de emprego compatíveis com a preservação ambiental. O papel das
assembleias locais é zelar por ambas as linhas de ação. Por isso precisa barrar
as concessões para mineração em áreas sensíveis da Amazônia. Quando isso não ocorre,
cabe ao Ministério Público e ao Judiciário reagir. O lamentável é que a batalha
jurídica nem sempre acaba a tempo de deter a destruição ambiental.
Entra no radar uma nova reforma da
Previdência
Valor Econômico
Previsão é que o rombo siga aumentando, em
consequência do envelhecimento da população e de regras especiais que permitem
o pagamento de contribuições menores
Acumulam-se os motivos de apreensão com a
sustentabilidade da Previdência Social. Nos 12 meses terminados em novembro, o
governo gastou R$ 394,7 bilhões com a previdência dos trabalhadores da
iniciativa privada, servidores públicos federais e militares, inativos e
pensionistas. A despesa equivale a 3,95% do Produto Interno Bruto (PIB). A
previsão é que o rombo siga aumentando, em consequência do envelhecimento da
população e de regras especiais que permitem o pagamento de contribuições
menores para algumas categorias, como os MEIs, e maiores benefícios para
outras, como os militares e funcionários públicos de Estados e municípios, que
escaparam das mudanças feitas na reforma de 2019.
O detalhamento do Censo de 2022 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou o envelhecimento
da população. O número de pessoas com 60 anos ou mais cresceu 4,5 vezes entre
1980 e 2022, e esse grupo já representa 15,8% do total de 203,1 milhões de
habitantes no país. Em 1980, era equivalente a 6,1%. Por outro lado, a fatia da
população de contribuintes em potencial da Previdência, na faixa de 20 a 59
anos, cresceu pouco mais de duas vezes, para 57,3%.
Do déficit total da Previdência, R$ 290,3
bilhões no acumulado em 12 meses até novembro, ou 73,5% do total, estão
concentrados no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que abrange os
trabalhadores do setor privado, cerca de 28 milhões de beneficiários. Nesse
grupo, as despesas aumentaram 8,5% em um ano. Mas, o déficit da Previdência dos
servidores públicos e dos militares e pensionistas é mais preocupante por ser
proporcionalmente maior em relação ao número de beneficiários. Com pouco mais
de 1 milhão de beneficiários, o déficit dos dois regimes totalizou R$ 104,3
bilhões nos 12 meses encerrados em novembro, sendo R$ 54,7 bilhões no caso dos
funcionários públicos do Poder Executivo e R$ 49,6 bilhões no dos militares
inativos e pensionistas.
O próprio governo reconheceu que a reforma da
Previdência não iria trazer equilíbrio, mas sim diminuir a velocidade de
crescimento do rombo e evitar uma explosão. Algumas medidas da reforma até
levam algum tempo para fazer efeito, como o alongamento da idade para a
aposentadoria. Fatores imponderáveis podem interferir nos gastos. Tanto a
pandemia quanto a redução das filas de espera para a concessão de benefícios,
que haviam aumentado no fim do governo de Bolsonaro, aceleraram os gastos com a
Previdência em 2023. A recuperação do mercado de trabalho, por outro lado,
contrabalançou, com o aumento das contribuições.
Mas a tendência é de aumento do déficit, que
pode superar os 10% em relação ao PIB na segunda metade do século, tornando
inevitável uma nova reforma. Até porque alguns velhos problemas ficaram fora da
reforma de 2019, e, na tramitação, mais alguns escaparam de uma solução. O
Congresso excluiu das novas regras os funcionários públicos estaduais e
municipais e os MEIs, por exemplo. O trabalhador rural e os militares também
têm regras diferenciadas especiais.
O especialista em previdência Rogério
Nagamine Constanzi prevê que o déficit atuarial dos MEIs vai chegar a R$ 1,4
trilhão em até seis décadas, diante do descompasso da contribuição ao INSS de
5% do salário mínimo, dos benefícios que usufruem e da crescente expansão da
categoria. No setor privado, as alíquotas progressivas de contribuição ao INSS
variam entre 7,5% e 14% do salário, o que significa uma alíquota efetiva máxima
de 11%. Além disso, há a contribuição patronal de 20%. O aumento do limite do MEI
em estudo pelo governo pode turbinar esses gastos.
Constanzi leva em conta em suas projeções o
contingente de 13,2 milhões de MEIs constatado pelo IBGE em 2021. A Receita
Federal já registra um número maior, de 15,6 milhões. O especialista calcula
que os MEIs representam cerca de 10% dos contribuintes do RGPS, mas apenas 1%
da arrecadação. Além de tudo, o programa não resultou no aumento da
formalização da economia como se esperava. A aposentadoria rural é outro ponto
que merece estudos. O trabalhador rural pode se aposentar mais cedo que os
demais segurados do INSS - com 55 anos no caso das mulheres e 60 anos no dos
homens, para 62 e 65, respectivamente -, e não precisa contribuir para a
Previdência. Basta ter no mínimo 180 meses de atividade rural comprovada.
Discrepâncias mais complexas de se mudar são
as regras para os funcionários públicos pelo potencial de pressão. A partir de
2013, o teto do benefício dessa categoria passou a ser igual ao do INSS. Mas
quem entrou no funcionalismo antes não tem esse teto, e quem entrou até 2003
goza benefício igual ao valor do último salário. No caso dos militares, há
benefícios generosos como a pensão vitalícia para filhas.
O governo Lula ressuscitou o aumento real do salário mínimo, levando em conta o PIB de dois anos anteriores. Mais da metade dos benefícios previdenciários são corrigidos pelo mínimo, assim como o BPC, auxílio desemprego e outros. Em 10 anos, a um crescimento de 2%, são mais R$ 550 bilhões de gastos (Fabio Giambiagi, Globo, 26-01). A Previdência apresentará desequilíbrios crescentes.
O risco BNDES
Folha de S. Paulo
Política industrial de Lula traz de volta
temores de inchaço do banco de fomento
Causa apreensão geral a retomada de políticas
industriais por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que promete R$
300 bilhões em verbas até 2026, dos quais R$ 250 bilhões serão mobilizados
a partir de recursos do BNDES, banco federal de fomento.
Embora a maior parte dos créditos a princípio
terá taxas de mercado, há espaço para novos subsídios. Como sempre é o caso no
Brasil, porém, o que começa pequeno pode crescer. A memória sobre iniciativas
desse tipo não é boa, afinal, e cabe todo o cuidado com novas promessas de
prudência e governança adequada.
Políticas industriais executadas no país nas
últimas décadas em geral redundaram em desperdícios e falta de impactos
positivos claros e sustentáveis na produtividade e na geração de emprego.
O BNDES, relembre-se, foi usado como
plataforma para concessão de dinheiro a empresas privilegiadas, que redundaram
em perdas para o contribuinte.
O governo proclama que tudo será diferente
com a recém-divulgada edição, batizada como
Nova Indústria Brasil e que será executada a partir do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), recriado pelo Executivo em
meados do ano passado.
O plano se concentra em seis
"missões" —agroindústria com vistas à segurança alimentar, cadeias
fornecedoras do SUS, infraestrutura, transformação digital, transição
energética e tecnologias voltadas para a defesa. Por ora, mais do que metas, há
aspirações.
O documento apresenta diagnósticos plausíveis
sobre carências e fragilidades, mas falta o reconhecimento de que uma política
industrial moderna vai muito além da indústria e abrange serviços fortemente
empregadores que são relevantes em países em desenvolvimento, muitas vezes
distantes da fronteira tecnológica.
O país, aliás, já gasta enormemente com
incentivos ou renuncias tributárias, crédito favorecido a setores e proteção
tarifária.
A falta de qualquer avaliação sobre os
resultados dessas iniciativas é prova de que não há mecanismos adequados de
monitoramento e decisão, sem os quais a ação do Estado é capturada por
interesses privados e tende a degenerar para intervencionismo tosco e
contraproducente.
Promete-se que o CNDI, composto por 20
representantes de ministérios, pelo BNDES e por outros 21 da sociedade civil,
notadamente associações setoriais da indústria, será órgão de consulta,
deliberação e prestação de contas.
Antes de começar a distribuir dinheiro, o
órgão deveria submeter ao escrutínio da sociedade estudos a respeito de como
pretende evitar os mesmos erros do passado.
Nomear a pobreza
Folha de S. Paulo
IBGE adota favelas e comunidades; Brasil deve
usar dados em políticas de moradia
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) anunciou que
utilizará a nomenclatura "favelas e comunidades urbanas",
em vez da anterior "aglomerados subnormais", em seus levantamentos.
À primeira vista, parece mudança meramente
estética, mas a alteração reflete a tentativa de compreender melhor a realidade
de nada menos do que 5,1 milhões de domicílios, segundo dados de 2020.
Não se trata de tarefa fácil, a começar pela
própria terminologia. Favelas, ocupações, comunidades, grotas, baixadas, vilas,
mocambos, palafitas e loteamentos informais são alguns dos termos utilizados no
Brasil, de acordo com o IBGE.
O desafio é abranger a diversidade de
classificações adotadas popularmente no país e, ao mesmo tempo, apresentar um
termo que seja estatisticamente preciso para a formulação de políticas
públicas.
Ao consultar as cinco grandes regiões
brasileiras, o instituto constatou que "comunidade" foi a opção mais
escolhida, tanto entre as prefeituras (22,8%), quanto entre os moradores
(25,4%).
A mudança no nome é uma demanda antiga de
especialistas e lideranças comunitárias. Os critérios para identificar esses
locais, no entanto, devem permanecer objetivos para que se mantenha a
comparabilidade dos dados, essencial no caso de estatísticas.
Para o IBGE, insuficiência de políticas
públicas, infraestrutura vulnerável, insegurança jurídica da posse e identidade
comunitária são algumas das características comuns a esses territórios.
A precariedade da habitação é um critério
global. O termo "assentamentos informais", utilizado pela agência das
Organização das Nações Unidas (ONU) para a moradia, tem como indicadores o
acesso precário ao saneamento básico e a falta de espaço suficiente de
convivência, entre outros.
É histórica a inoperância do Estado
brasileiro na área da habitação popular, que vincula-se diretamente aos setores
de infraestrutura e saneamento.
Soma-se a isso a expansão de favelas durante
a pandemia de Covid-19 —na capital paulista, por exemplo, estima-se que 6.000 novos
domicílios foram criados nesses territórios entre 2019 e 2022.
Portanto, além da nomeclatura, é necessário que o Brasil produza dados estatísticos de qualidade e os utilize como base na formulação e execução de políticas públicas que façam com que o direito à moradia digna enfim saia do papel.
O poder de uma sociedade unida
O Estado de S. Paulo
35 anos da volta das diretas para presidente
e 30 anos do real servem para lembrar que brasileiros são capazes de feitos
extraordinários quando se unem em torno de objetivos comuns
Em 2024, completam-se 35 anos da retomada das
eleições diretas para o cargo de presidente da República no País e 30 anos do
Plano Real. Ambos os marcos históricos revelam, inequivocamente, que a
sociedade brasileira é capaz de feitos extraordinários quando decide se unir em
torno de propósitos comuns; quando é capaz de reconhecer que há questões de
interesse nacional que se impõem às diferenças político-ideológicas que possa
haver entre os cidadãos – de resto um atributo próprio de qualquer democracia vibrante.
Essa união dos cidadãos para reaver um
direito político elementar e recuperar o valor de sua moeda, com o fim da
hiperinflação, não surgiu por geração espontânea nem de longe foi obra do
acaso. Tampouco derivou de diferenças essenciais entre o povo brasileiro de
então – meados das décadas de 1980 e 1990, respectivamente – e o de hoje. O
povo brasileiro segue o mesmo, com todas as suas potências e limitações.
O que, então, houve de diferente na
mobilização da sociedade para superar um dos últimos resquícios da ditadura
militar e para derrotar a inflação que havia décadas corroía a renda dos
brasileiros, ampliava desigualdades e, como se não bastasse, desviava a atenção
da Nação de outras questões tão ou mais graves? A resposta é simples: líderes
políticos à altura dos desafios de seu tempo.
A redemocratização do País e,
consequentemente, a retomada do direito de voto direto para a Presidência da
República decorreram de um longo processo de negociações políticas e
engajamento social que decerto teria outro desfecho não fossem a liderança e o
espírito público de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, André Franco Montoro e
Fernando Henrique Cardoso, entre outros, àquela época.
De igual modo, o Brasil dificilmente teria
vencido a hiperinflação sem que Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso
tivessem a visão digna de estadistas de que aquele problema obstava o
enfrentamento de todos os outros. E não só: sem que ambos os presidentes
tivessem sido capazes de montar uma equipe altamente qualificada, dadas as
credenciais técnicas e republicanas de seus membros, para auxiliálos naquela
faina. Destaca-se, por fim, a capacidade de comunicação de Fernando Henrique
para dialogar com todos os cidadãos em termos compreensíveis, a fim de dar-lhes
a dimensão do desafio a ser enfrentado e dos sacrifícios que haveriam de ser
feitos em nome daquele objetivo coletivo.
As eleições indiretas e a hiperinflação
ficaram para trás e, neste ano, a sociedade tem razões de sobra para celebrar
ambas as conquistas: há eleições livres e periódicas no País e a inflação já
não assombra os brasileiros como há mais de três décadas. Isso não significa,
por óbvio, que não haja desafios tão ou mais prementes do que aqueles a
demandar, hoje, a atenção coletiva. Desigualdades persistem em níveis obscenos,
malgrado avanços pontuais nos últimos anos. A educação pública segue
negligenciada, em particular o ensino básico. O medo da violência paralisa
quase todos os brasileiros. A lista é longa.
O que parece não haver mais são estadistas
imbuídos de um interesse genuíno de, mais uma vez, unir os brasileiros e
concertar soluções para cada uma dessas mazelas. Os dois presidentes mais
populares da história recente do País, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, vivem de
insuflar a cizânia entre os brasileiros, fazendo crer, cada um a seu feitio,
que adversários políticos são inimigos a serem alijados do debate público. Ao
contrário de unir os cidadãos em torno de propósitos comuns, tanto Lula como
Bolsonaro reforçam o tribalismo – a união entre os que veem o País e o mundo
pelas mesmas lentes – e a exclusão de quem pensa diferente.
Não haverá progresso enquanto novas
lideranças não se erguerem inspiradas por espírito público e senso de união; e
os cidadãos se deixarem seduzir pelo discurso populista, agrupando-se em
identidades políticas estreitas e inflexíveis. Tanto pior no contexto em que
crenças particulares, cada vez mais, se sobrepõem à verdade factual.
Elogio à ineficiência econômica
O Estado de S. Paulo
Nada sugere que gargalos competitivos da
indústria que afetam crescimento de longo prazo serão desfeitos com nova
política industrial ou outros programas que Lula apresentou
O plano “Nova Indústria Brasil”, anunciado
pelo presidente Lula da Silva, diz muito ao País pelo que tem, ao reciclar
velhos e malfadados vícios de governos lulopetistas, mas também pelo que não
tem. Nenhuma política industrial pode ser considerada séria e eficaz se não
incluir a eliminação de gargalos de infraestrutura, saneamento, formação de
capital humano e ambiente de negócios. Isto é, sem atacar problemas estruturais
microeconômicos que afetam o investimento, a segurança jurídica e a capacidade
de crescer de forma sustentável no longo prazo. Pelo que se viu num plano
carente de detalhes, tais fatores não parecem estar entre as prioridades do
governo para a prometida reindustrialização do Brasil.
Exceto pela reforma tributária, que ainda vai
demorar a virar realidade pelo tempo necessário à sua regulamentação e
implementação, ou pela preocupação fiscal hoje restrita à equipe econômica do
ministro Fernando Haddad, pouco ou nenhum foco está direcionado a reverter a
baixa eficiência econômica da indústria. Nada sugere que gargalos competitivos
possam vir a ser desfeitos com a nova política industrial nem com outros
programas que o governo Lula tenha apresentado até aqui.
A desidratação da indústria é evidente; e uma
reindustrialização, necessária. O setor tem enfrentado dificuldades de
crescimento, com uma participação cada vez menor no PIB, além de um longo
período de perda de competitividade. Fora essa constatação dupla, tanto o
diagnóstico quanto as soluções apresentadas pelo governo são duvidosos.
Diferentes fatores resultaram em mudanças
significativas da indústria em todo o mundo, o que levou a uma tendência de
novas abordagens de política industrial. Conforme um estudo que é referência no
assunto, The new economics of industrial policy (A nova economia da política
industrial), de Réka Juhász, Nathan Lane e Dani Rodrik, respectivamente
professores das Universidades de Columbia, Oxford e Harvard, houve uma retomada
de políticas industriais pelos países, sobretudo a partir de 2017 e mais ainda
no contexto da pandemia de covid-19. Um efeito direto das agendas de
descarbonização, das mudanças da globalização e de alterações nas cadeias
produtivas, e na esteira de eventos disruptivos como a pandemia e o conflito
Rússia-Ucrânia.
Os artífices do plano brasileiro, no entanto,
ignoram que os males de nossa indústria vêm de muito antes. A
desindustrialização é mais antiga e precoce do que a dos países ricos
mencionados como exemplo de políticas industriais recentes: tem ocorrido no Brasil
desde meados dos anos 1990, num processo que foi se agravando já nos governos
petistas anteriores. Entre 1995 e 2022, a produtividade da indústria de
transformação caiu quase 1% ao ano no País, segundo a Fundação Getulio Vargas.
O sistema tributário complexo, oneroso e cumulativo, a infraestrutura
deficiente, o financiamento escasso e caro, a baixa qualidade da educação e a
insegurança jurídica são alguns dos fatores habitualmente citados para explicar
a desindustrialização. Essa é a microeconomia.
Há uma máxima entre economistas ortodoxos que
informa: crescimento econômico decorre mesmo é da microeconomia; à
macroeconomia convém “apenas” não atrapalhar. Fatores estruturais
microeconômicos que desidrataram nossa indústria estão associados, entre outras
coisas, ao ambiente de negócios ruim e à dificuldade do Brasil de lidar com
ajustes quando são necessários. É notória a incapacidade de avaliar políticas e
desfazer o que deu errado. No Brasil, tudo se transforma imediatamente em
direito adquirido, assegurado pela generosa mão estatal.
Diferentemente dos exemplos dos
norte-americanos, europeus e asiáticos, o Brasil tem escassez de capital humano
e físico. Em geral, setores a desenvolver dependem de fatores de produção
escassos, encarecendo enormemente a política. Além disso, ao Estado brasileiro
falta a chamada “autonomia embutida” – conceito do sociólogo americano Peter
Evans que diz respeito à capacidade do Estado de estar próximo ao setor privado
e entender seus diagnósticos para destravar obstáculos sem ser capturado por
interesses particulares. São atributos e condições essenciais para uma política
industrial que seja efetivamente nova e boa. Sem isso, é um elogio à
ineficiência econômica.
Ameaças emergentes
O Estado de S. Paulo
Os riscos de insegurança cibernética e de
extremos climáticos preocupam executivos
O deslocamento das preocupações do
empresariado mundial em direção à segurança cibernética e eventos climáticos
extremos, como mostrou a edição mais recente do Barômetro de Risco, pesquisa
anual desenvolvida pela multinacional de seguros Allianz, reflete a
perplexidade diante da velocidade com que avançam os dois temas. Isso apenas
comprova que medidas de prevenção e combate a seus efeitos nocivos têm de ser
adotadas com igual rapidez.
O universo da pesquisa é formado por mais de
3 mil executivos de corporações empresariais distribuídas em 92 países. Entre
os dez maiores riscos, os ataques cibernéticos lideram, por larga margem, o
ranking global. Há um temor generalizado em relação a vazamento de dados,
invasões de sistemas e pedidos de resgate por informações roubadas.
No Brasil, como destacou a Coluna do
Broadcast,a principal preocupação em 2024 é com relação às mudanças climáticas,
tema que figurava em oitavo lugar no ano passado. Catástrofes naturais,
incluindo enchentes e temperaturas extremas, que ocupavam o sexto lugar na
classificação de riscos dos executivos brasileiros, subiram para o quarto
lugar. No ranking mundial, os temores com o impacto de eventos meteorológicos
extremos também cresceram, passando da sexta para a terceira colocação.
As providências adotadas pelo Brasil nos dois
temas – que, obviamente, exigem mobilização global – têm ocorrido, mas é
necessário mudar a marcha e acelerar o ritmo. Em 2009, foi instituída a
Política Nacional sobre Mudança do Clima, mas a criação do Plano Nacional de
Adaptação à Mudança do Clima, com objetivos e metas definidas, só aconteceu
sete anos depois. O período de 2010 a 2021 foi classificado como uma década
perdida pelo Observatório do Clima, com aumento substancial da emissão de gases
poluentes.
Já o decreto que definiu a Estratégia
Nacional de Segurança Cibernética, de 2020, até agora pouco efeito prático
alcançou para a redução de danos no País. De acordo com a Check Point Research,
líder em cibersegurança no mundo, no levantamento de ataques efetivados por
semana, o Brasil está acima da média mundial. Mais de 70% dos ataques buscam
bloquear operações de empresas, como constatou em pesquisa a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Medidas para reduzir prejuízos tanto das
mudanças climáticas quanto da insegurança cibernética dependem de uma ação
conjunta, coordenada pelo governo federal, com a adesão imprescindível dos
entes subnacionais e do setor privado. Os fenômenos climáticos de 2023, o ano
mais quente da história, afetaram a produção agrícola que garantiu o bom
desempenho da economia brasileira. A participação de Estados produtores para,
por exemplo, reduzir incêndios e desmatamentos ilegais no Cerrado pode
contribuir para mitigar a crise climática.
Investir em treinamento de pessoal para cumprir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) deveria ser a participação das empresas para erguer barreiras aos ataques cibernéticos. Nesse quesito, cabe aos órgãos públicos aperfeiçoar a fiscalização e o controle de dados que circulam perigosamente no universo virtual.
Instabilidade em Washington
Correio Braziliense
A incerteza que permeia esse processo
eleitoral reflete não apenas as complexidades individuais de Biden e Trump, mas
também os desafios estruturais que os Estados Unidos enfrentam
Marcadas para 5 de novembro, as eleições
presidenciais dos Estados Unidos caminham para reeditar a disputa de 2020 entre
o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump. Os papeis, desta vez, estão
trocados. Se quatro anos atrás Trump era o presidente e falhou em conquistar a
reeleição, agora é Biden que chega às urnas para defender seu legado e tentar
garantir a posição até 2028.
A presença do republicano na revanche, porém,
ainda não é certa. Apesar de já ter iniciado seu rolo compressor nas primárias
dos estados de Iowa e New Hampshire, vencendo com folga a indicação do partido,
ele ainda enfrenta problemas na Justiça, que podem levar à sua inelegibilidade.
Trump é acusado de envolvimento no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021,
quando apoiadores tentaram impedir a posse de Joe Biden. Mas como ainda não
chegou uma reação mais enérgica das instituições e, principalmente, da Suprema
Corte, tudo caminha para que o nome do ex-presidente seja mantido nas cédulas.
Seja Trump ou Biden o presidente que vai iniciar um segundo mandato em 2025, o
resto do mundo já se prepara para um período de turbulências, já que a
expectativa é que os dois repitam, em linhas gerais, o que já fizeram à frente
da Casa Branca.
Por enquanto, Biden tem desapontado seus
eleitores mais à esquerda, já que ele não cumpriu boa parte das promessas de
campanha e vem seguindo à risca a cartilha padrão da presidência dos EUA, com
envolvimento nos conflitos pelo mundo, como as guerras entre Israel e o Hamas,
e entre Ucrânia e Rússia. Ele também tem problemas de ordem econômica, com uma
inflação alta para os padrões norte-americanos. Biden ainda vem sendo
abertamente contestado por outros líderes do país. Um dos casos veio do
governador do Texas, Greg Abbott, que enviou tropas estaduais para uma área
controlada pelo governo federal na fronteira com o México, e que estaria sendo
usada por coiotes para atravessar imigrantes ilegais para dentro dos EUA.
Trump, por sua vez, deve voltar a implodir
todos os tratados globais que ele deixou nos seus quatro anos de mandato e que
foram recuperados por Biden, como o Acordo de Paris, para conter os danos da
mudança climática, ou os repasses para a Organização das Nações Unidas (ONU).
Sua proximidade com o presidente russo Vladimir Putin deixa seus aliados
europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) arrepiados, já que
Trump pode fazer a balança da guerra contra a Ucrânia pesar a favor de Moscou,
resultando em um reconhecimento da posse russa dos territórios invadidos — o
que abriria precedentes para outras incursões de Putin pelo continente europeu,
de efeito desastroso para a segurança mundial. Por fim, pesa contra ele o
ataque ao Capitólio, visto por boa parte do mundo como uma tentativa de golpe
de estado. Além disso, a idade dos dois é outro fator a ser levado em conta. Na
data da nova posse, Biden terá 82 anos, e Trump, 78. Não é absurdo pensar que o
vice-presidente eleito, seja ele quem for, terá a missão de completar o
mandato.
A incerteza que permeia esse processo eleitoral reflete não apenas as complexidades individuais de Biden e Trump, mas também os desafios estruturais que os Estados Unidos enfrentam. A atmosfera política do país segue em uma profunda polarização, com a sociedade dividida e a busca por consensos se apresentando um desafio cada vez maior. A necessidade de corrigir rumos, independentemente do resultado eleitoral, emerge como uma tarefa crucial para qualquer líder que venha a assumir o cargo, sob o risco de a instabilidade tomar conta do mundo.
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