Valor Econômico
Exercícios matemáticos e estatísticos do BC
mostram que o crédito direcionado repercute bem menos as variações da Selic do
que o crédito livre
Os analistas econômicos do mercado financeiro
estão reavaliando os possíveis impactos do aumento do crédito direcionado nos
juros básicos da economia, depois do anúncio oficial da nova política
industrial pelo governo Lula.
O tema nunca saiu do radar do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que, nas atas das suas reuniões, repete que o aumento de crédito direcionado é um dos fatores que podem causar “impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação”.
Na última vez que tocou no assunto, o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, procurou ser cuidadoso ao
avaliar as iniciativas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). “Não é um programa a mais ou a menos do BNDES que vai mudar a política
monetária”, disse, na entrevista coletiva do Relatório de Inflação de setembro.
“É o conjunto da obra que importa.”
Naquele período, a novidade foi a aprovação,
pelo BNDES, do programa Mais Inovação. O volume é relativamente pequeno, com R$
5 bilhões por ano, mas abriu um precedente para a volta dos subsídios
implícitos nos juros cobrados.
A questão é se o novo programa, que soma R$
300 bilhões, dos quais R$ 250 bilhões do BNDES, poderia mudar “o conjunto da
obra”, colocando uma pressão duradoura sobre a taxa Selic.
Dentro do banco de fomento, a visão é que o
mercado está com receios exagerados. Não haveria nenhuma intenção, na diretoria
comandada por Aloizio Mercadante, de promover uma expansão do balanço como a
que ocorreu no governo Dilma Rousseff. O grosso dos juros dos financiamentos
segue atrelado à variação das taxas dos títulos do Tesouro, que, por sua vez,
oscilam de acordo com a Selic.
De fato, os R$ 250 bilhões anunciados pelo
BNDES não representam uma grande mudança em relação os desembolsos anuais do
banco, de cerca de 1% do produto Interno Bruto (PIB). Mas, na coletiva sobre o
programa, Mercadante disse que esse é o piso na aplicação dos recursos. É
conhecido o desejo do BNDES de, até o fim do governo Lula, levar as concessões
de crédito a 2% PIB. O argumento é que o valor não é exagerado, e está longe do
pico de 4,3% do PIB que chegou no governo Dilma.
Alguns analistas do mercado financeiro não
acham impossível as concessões chegarem ou até superarem 2% do PIB, depois que
o governo Lula desfez algumas amarras que seguravam o avanço do banco. As
iniciativas incluem a redução da distribuição de lucros ao Tesouro a 25%, o
mínimo legal; o parcelamento da devolução de R$ 22 bilhões de empréstimos ao
Tesouro; o projeto de lei que cria as Letras de Crédito ao Desenvolvimento
(LCD), com um limite inicial de R$ 10 bilhões, mas que pode ser mudado pelo
Conselho Monetário Nacional (CMN); e os repasses ao Fundo do Clima,
administrado pelo BNDES, das captações soberanas com bônus sustentáveis, com o
custo de proteção cambial bancado pelo Tesouro Nacional.
Se o BNDES aumentar os seus desembolsos a 2%
do PIB, a alta anual na oferta de crédito seria de 0,3 ponto percentual do PIB.
Significaria, neste ano, uma elevação superior a 30% nas suas concessões de
empréstimos.
Qual é o impacto na politica monetária? Em
tese, pode ampliar o impulso do crédito na economia, atrapalhando a
convergência da inflação à meta, e tirar potência da política monetária,
obrigando o BC a subir mais os juros para combater surtos inflacionários.
O pacote é gigante o suficiente para dar um
grande impulso na economia? Essa não é uma conta simples. O Copom tem
destacado, nos seus documentos oficiais, que o dado importante para determinar
o impulso do crédito é o chamado fluxo financeiro, cuja metodologia foi
apresentada no “box” do Relatório de Inflação de setembro de 2022. O indicador
representa a diferença entre as concessões de crédito pelos bancos e a quitação
de empréstimos feita por clientes.
Hoje, o impulso de crédito é negativo, mas
isso tende a mudar conforme o Copom baixa o juro. Nem todos os dados
necessários para calcular esse indicador são públicos, mas a evolução do
estoque de crédito dá uma pista sobre o que pode estar acontecendo. No período
de 12 meses até novembro, o volume nominal do BNDES cresceu 8,9%, o dobro do
crédito livre (4,4%).
A outra questão é a perda de potência da
política monetária. O BNDES tem certa razão que, com a Taxa de Longo Prazo
(TLP), os juros passaram a flutuar de forma mais aproximada com os movimentos
da taxa Selic. O próprio Banco Central reconhece isso, em um “box” publicado no
Relatório de Inflação de março de 2020.
Mas o mesmo “box” sustenta que, mesmo com a
TLP, o crédito direcionado tira potência da política monetária. Os exercícios
matemáticos e estatísticos do BC mostram que o crédito direcionado repercute
bem menos as variações da Selic do que o crédito livre.
Os dados do recente ciclo de aperto monetário
parecem dar razão ao Banco Central. Os juros médios cobrados do BNDES das
empresas passaram de 7,05% ao ano em março de 2021 para um pico de 14,9% em
abril passado. A taxa preferencial (sem incluir IOF) cobrada das grandes
empresas variou bem mais: passou de 7,05% no início do ciclo de aperto a 18,3%
no pico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário