segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Alex Ribeiro - A expansão do BNDES vai pressionar a taxa Selic?

Valor Econômico

Exercícios matemáticos e estatísticos do BC mostram que o crédito direcionado repercute bem menos as variações da Selic do que o crédito livre

Os analistas econômicos do mercado financeiro estão reavaliando os possíveis impactos do aumento do crédito direcionado nos juros básicos da economia, depois do anúncio oficial da nova política industrial pelo governo Lula.

O tema nunca saiu do radar do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que, nas atas das suas reuniões, repete que o aumento de crédito direcionado é um dos fatores que podem causar “impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação”.

Na última vez que tocou no assunto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, procurou ser cuidadoso ao avaliar as iniciativas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Não é um programa a mais ou a menos do BNDES que vai mudar a política monetária”, disse, na entrevista coletiva do Relatório de Inflação de setembro. “É o conjunto da obra que importa.”

Naquele período, a novidade foi a aprovação, pelo BNDES, do programa Mais Inovação. O volume é relativamente pequeno, com R$ 5 bilhões por ano, mas abriu um precedente para a volta dos subsídios implícitos nos juros cobrados.

A questão é se o novo programa, que soma R$ 300 bilhões, dos quais R$ 250 bilhões do BNDES, poderia mudar “o conjunto da obra”, colocando uma pressão duradoura sobre a taxa Selic.

Dentro do banco de fomento, a visão é que o mercado está com receios exagerados. Não haveria nenhuma intenção, na diretoria comandada por Aloizio Mercadante, de promover uma expansão do balanço como a que ocorreu no governo Dilma Rousseff. O grosso dos juros dos financiamentos segue atrelado à variação das taxas dos títulos do Tesouro, que, por sua vez, oscilam de acordo com a Selic.

De fato, os R$ 250 bilhões anunciados pelo BNDES não representam uma grande mudança em relação os desembolsos anuais do banco, de cerca de 1% do produto Interno Bruto (PIB). Mas, na coletiva sobre o programa, Mercadante disse que esse é o piso na aplicação dos recursos. É conhecido o desejo do BNDES de, até o fim do governo Lula, levar as concessões de crédito a 2% PIB. O argumento é que o valor não é exagerado, e está longe do pico de 4,3% do PIB que chegou no governo Dilma.

Alguns analistas do mercado financeiro não acham impossível as concessões chegarem ou até superarem 2% do PIB, depois que o governo Lula desfez algumas amarras que seguravam o avanço do banco. As iniciativas incluem a redução da distribuição de lucros ao Tesouro a 25%, o mínimo legal; o parcelamento da devolução de R$ 22 bilhões de empréstimos ao Tesouro; o projeto de lei que cria as Letras de Crédito ao Desenvolvimento (LCD), com um limite inicial de R$ 10 bilhões, mas que pode ser mudado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN); e os repasses ao Fundo do Clima, administrado pelo BNDES, das captações soberanas com bônus sustentáveis, com o custo de proteção cambial bancado pelo Tesouro Nacional.

Se o BNDES aumentar os seus desembolsos a 2% do PIB, a alta anual na oferta de crédito seria de 0,3 ponto percentual do PIB. Significaria, neste ano, uma elevação superior a 30% nas suas concessões de empréstimos.

Qual é o impacto na politica monetária? Em tese, pode ampliar o impulso do crédito na economia, atrapalhando a convergência da inflação à meta, e tirar potência da política monetária, obrigando o BC a subir mais os juros para combater surtos inflacionários.

O pacote é gigante o suficiente para dar um grande impulso na economia? Essa não é uma conta simples. O Copom tem destacado, nos seus documentos oficiais, que o dado importante para determinar o impulso do crédito é o chamado fluxo financeiro, cuja metodologia foi apresentada no “box” do Relatório de Inflação de setembro de 2022. O indicador representa a diferença entre as concessões de crédito pelos bancos e a quitação de empréstimos feita por clientes.

Hoje, o impulso de crédito é negativo, mas isso tende a mudar conforme o Copom baixa o juro. Nem todos os dados necessários para calcular esse indicador são públicos, mas a evolução do estoque de crédito dá uma pista sobre o que pode estar acontecendo. No período de 12 meses até novembro, o volume nominal do BNDES cresceu 8,9%, o dobro do crédito livre (4,4%).

A outra questão é a perda de potência da política monetária. O BNDES tem certa razão que, com a Taxa de Longo Prazo (TLP), os juros passaram a flutuar de forma mais aproximada com os movimentos da taxa Selic. O próprio Banco Central reconhece isso, em um “box” publicado no Relatório de Inflação de março de 2020.

Mas o mesmo “box” sustenta que, mesmo com a TLP, o crédito direcionado tira potência da política monetária. Os exercícios matemáticos e estatísticos do BC mostram que o crédito direcionado repercute bem menos as variações da Selic do que o crédito livre.

Os dados do recente ciclo de aperto monetário parecem dar razão ao Banco Central. Os juros médios cobrados do BNDES das empresas passaram de 7,05% ao ano em março de 2021 para um pico de 14,9% em abril passado. A taxa preferencial (sem incluir IOF) cobrada das grandes empresas variou bem mais: passou de 7,05% no início do ciclo de aperto a 18,3% no pico.

 

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