Valor Econômico
Nos anos dourados, a diferença a favor do Brasil em relação a seus vizinhos latino-americanos era um setor agrário forte, com economias regionais diversificadas que já produziam para consumo interno e exportação
É quase consensual a ideia de que o Brasil
foi vítima de um longo e penoso processo de desindustrialização, embora alguns
trabalhos ainda sustentem a velha tese de que tudo se tratou de uma natural
tendência mundial de crescimento do setor de serviços.
Circula nos meios acadêmicos um novo trabalho
dos professores Adalmir Antonio Marquetti (PUC-RS) e Pedro Cezar Dutra Fonseca
(UFRGS) que joga mais luzes sobre as mudanças estruturais da economia
brasileira de 1930 a 2022 e sugere estratégias para a reindustrialização. O
“paper” (“Do desenvolvimentismo à desindustrialização: Brasil, 1930-2022”)
explica a vigorosa industrialização do país nos 50 anos do chamado “período
desenvolvimentista”, de 1930 a 1980. E analisa a veloz desindustrialização dos
40 anos seguintes, “período de neoliberalismo e financeirização”.
São marcantes a velocidade e a intensidade tanto da ascensão quanto do descenso da indústria brasileira. A indústria ganhou impulso expressivo em plena Grande Depressão. A participação da indústria no PIB passou de 10% em 1930 para 17,5% em 1947 e 27,3% em 1986. Observa-se a intensidade desse processo ao comparar o PIB industrial brasileiro com o dos EUA: em cinco décadas, essa relação subiu de 3,4% para 15%.
No século XX, até 1980, à exceção do Japão, o
Brasil foi o país que mais cresceu no mundo. Além de se beneficiar dos períodos
de pós-Depressão e pós-Guerra, o país foi um caso bem-sucedido de disposição
governamental e construção de arranjo político para executar seu projeto - que
“não dispensou o autoritarismo”, lembram Marquetti e Fonseca.
Como o Brasil, outros países
latino-americanos lançaram programas industriais, com bons resultados, embora
menos importantes que o brasileiro. Pesquisa que analisa 34 governos de oito
países latino-americanos apontou três atributos presentes em todos eles e que
podem ser considerados como “núcleo duro” do desenvolvimentismo: projeto
nacional, intervencionismo e industrialização. Assim, frequentemente,
industrialização, substituição de importações e desenvolvimentismo são usados
para um mesmo fenômeno, como se fossem sinônimos.
O descenso da indústria brasileira se deu a
partir do fim dos anos 1970 com a crise da dívida e a adoção do neoliberalismo.
De 1947 a 1980, a média anual do crescimento do PIB atingiu 7,4%, índice que
diminuiu para 2,2% de 1980 a 2022.
Marquetti e Fonseca citam vários fatores que
levaram à desindustrialização: abandono do projeto nacional e desestruturação
do Estado; fortalecimento dos poderes econômico e político da burguesia
financeira, fomentados pela elevação dos juros reais e dos lucros financeiros,
enquanto a burguesia industrial perdia espaço; reformas com liberalização do
comércio; privatizações de estatais, inclusive de bancos estaduais que
financiavam a indústria; política macroeconômica com foco prioritário no
controle da inflação e não mais no estímulo ao crescimento; aumento da dívida
interna por causa dos juros elevados e da transferência de recursos para o
setor financeiro; taxa de câmbio valorizada, com efeito negativo na
competitividade da indústria - a produtividade do trabalho, que cresceu 4,1% ao
ano de 1950 a 1980, avançou apenas 0,2% ao ano de 1990 a 2022, tendo sido
negativa na década de 1980.
Em resumo, segundo Marquetti e Fonseca, a
desindustrialização brasileira é resultado desse conjunto de fatores, mas as
duas principais razões seriam as mudanças institucionais decorrentes da
hegemonia financeira, que se expressa no neoliberalismo, e a queda da
rentabilidade do capital.
A velocidade dessas mudanças, observam os
professores, indica que elas não foram consequência apenas da adoção de
políticas econômicas, nas áreas cambiais, monetárias e fiscais. Estavam
associadas, tanto na ascensão quanto na queda, a aspectos que abrangem pactos
de poder político, como questões institucionais, inserção internacional,
mudanças tecnológicas e distribuição de renda.
Isso leva a uma recomendação importante aos
economistas que trabalham atualmente para estimular a reindustrialização do
país. Sugere-se que o sucesso desse trabalho demandará mudanças estruturais,
principalmente uma nova articulação entre Estado, setor privado e os diferentes
segmentos sociais capazes de dar sustentação a esse novo projeto para o país.
Nos anos dourados, a diferença a favor do
Brasil em relação a seus vizinhos latino-americanos era um setor agrário forte,
com economias regionais diversificadas que já produziam para consumo interno e
exportação.
Mutatis mutandis e olhando com otimismo para
a situação atual, quem sabe o Brasil possa levar vantagem também agora com o
ciclo que se abre, da economia verde. Duas grandes maestrinas da economia
global que estiveram em São Paulo em fevereiro falaram ao Valor sobre
o assunto. Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, disse que “o país está
particularmente posicionado para a transição global à neutralidade do carbono”.
Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, disse a Sergio Lamucci que “o
Brasil tem enorme vantagem comparativa na nova economia do clima”. Nada mal
para o ego nacional. Parece que a bola está rolando e pedindo “me chuta, me
chuta”, como diria o narrador José Silvério, ícone do rádio esportivo.
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