terça-feira, 26 de março de 2024

Pedro Cafardo - Uma dica da academia para a retomada industrial

Valor Econômico

Nos anos dourados, a diferença a favor do Brasil em relação a seus vizinhos latino-americanos era um setor agrário forte, com economias regionais diversificadas que já produziam para consumo interno e exportação

É quase consensual a ideia de que o Brasil foi vítima de um longo e penoso processo de desindustrialização, embora alguns trabalhos ainda sustentem a velha tese de que tudo se tratou de uma natural tendência mundial de crescimento do setor de serviços.

Circula nos meios acadêmicos um novo trabalho dos professores Adalmir Antonio Marquetti (PUC-RS) e Pedro Cezar Dutra Fonseca (UFRGS) que joga mais luzes sobre as mudanças estruturais da economia brasileira de 1930 a 2022 e sugere estratégias para a reindustrialização. O “paper” (“Do desenvolvimentismo à desindustrialização: Brasil, 1930-2022”) explica a vigorosa industrialização do país nos 50 anos do chamado “período desenvolvimentista”, de 1930 a 1980. E analisa a veloz desindustrialização dos 40 anos seguintes, “período de neoliberalismo e financeirização”.

São marcantes a velocidade e a intensidade tanto da ascensão quanto do descenso da indústria brasileira. A indústria ganhou impulso expressivo em plena Grande Depressão. A participação da indústria no PIB passou de 10% em 1930 para 17,5% em 1947 e 27,3% em 1986. Observa-se a intensidade desse processo ao comparar o PIB industrial brasileiro com o dos EUA: em cinco décadas, essa relação subiu de 3,4% para 15%.

No século XX, até 1980, à exceção do Japão, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo. Além de se beneficiar dos períodos de pós-Depressão e pós-Guerra, o país foi um caso bem-sucedido de disposição governamental e construção de arranjo político para executar seu projeto - que “não dispensou o autoritarismo”, lembram Marquetti e Fonseca.

Como o Brasil, outros países latino-americanos lançaram programas industriais, com bons resultados, embora menos importantes que o brasileiro. Pesquisa que analisa 34 governos de oito países latino-americanos apontou três atributos presentes em todos eles e que podem ser considerados como “núcleo duro” do desenvolvimentismo: projeto nacional, intervencionismo e industrialização. Assim, frequentemente, industrialização, substituição de importações e desenvolvimentismo são usados para um mesmo fenômeno, como se fossem sinônimos.

O descenso da indústria brasileira se deu a partir do fim dos anos 1970 com a crise da dívida e a adoção do neoliberalismo. De 1947 a 1980, a média anual do crescimento do PIB atingiu 7,4%, índice que diminuiu para 2,2% de 1980 a 2022.

Marquetti e Fonseca citam vários fatores que levaram à desindustrialização: abandono do projeto nacional e desestruturação do Estado; fortalecimento dos poderes econômico e político da burguesia financeira, fomentados pela elevação dos juros reais e dos lucros financeiros, enquanto a burguesia industrial perdia espaço; reformas com liberalização do comércio; privatizações de estatais, inclusive de bancos estaduais que financiavam a indústria; política macroeconômica com foco prioritário no controle da inflação e não mais no estímulo ao crescimento; aumento da dívida interna por causa dos juros elevados e da transferência de recursos para o setor financeiro; taxa de câmbio valorizada, com efeito negativo na competitividade da indústria - a produtividade do trabalho, que cresceu 4,1% ao ano de 1950 a 1980, avançou apenas 0,2% ao ano de 1990 a 2022, tendo sido negativa na década de 1980.

Em resumo, segundo Marquetti e Fonseca, a desindustrialização brasileira é resultado desse conjunto de fatores, mas as duas principais razões seriam as mudanças institucionais decorrentes da hegemonia financeira, que se expressa no neoliberalismo, e a queda da rentabilidade do capital.

A velocidade dessas mudanças, observam os professores, indica que elas não foram consequência apenas da adoção de políticas econômicas, nas áreas cambiais, monetárias e fiscais. Estavam associadas, tanto na ascensão quanto na queda, a aspectos que abrangem pactos de poder político, como questões institucionais, inserção internacional, mudanças tecnológicas e distribuição de renda.

Isso leva a uma recomendação importante aos economistas que trabalham atualmente para estimular a reindustrialização do país. Sugere-se que o sucesso desse trabalho demandará mudanças estruturais, principalmente uma nova articulação entre Estado, setor privado e os diferentes segmentos sociais capazes de dar sustentação a esse novo projeto para o país.

Nos anos dourados, a diferença a favor do Brasil em relação a seus vizinhos latino-americanos era um setor agrário forte, com economias regionais diversificadas que já produziam para consumo interno e exportação.

Mutatis mutandis e olhando com otimismo para a situação atual, quem sabe o Brasil possa levar vantagem também agora com o ciclo que se abre, da economia verde. Duas grandes maestrinas da economia global que estiveram em São Paulo em fevereiro falaram ao Valor sobre o assunto. Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, disse que “o país está particularmente posicionado para a transição global à neutralidade do carbono”. Kristalina Georgieva, diretora-gerente do FMI, disse a Sergio Lamucci que “o Brasil tem enorme vantagem comparativa na nova economia do clima”. Nada mal para o ego nacional. Parece que a bola está rolando e pedindo “me chuta, me chuta”, como diria o narrador José Silvério, ícone do rádio esportivo.

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