Medidas de prevenção são essenciais desde já
O Globo
Das 27 capitais brasileiras, 15 não
elaboraram Plano de Mudanças Climáticas, inclusive Porto Alegre
A tragédia das chuvas no Sul impõe mudanças
urgentes de comportamento do governo. As chuvas que transformaram em pesadelo a
vida dos gaúchos demonstram que os efeitos deletérios das mudanças climáticas
vieram para ficar. Diante da destruição sem precedentes que atinge 447 dos 497
municípios do Rio Grande do Sul, não é mais possível que gestores adiem planos
de contingência e atrasem ações para mitigar os efeitos de catástrofes que
tendem a se tornar cada vez mais recorrentes e letais. Medidas necessárias para
evitar novas tragédias precisam ser tomadas desde já — e não só no Rio Grande
do Sul.
É preocupante que, das 27 capitais brasileiras, 15 ainda não tenham um Plano de Mudanças Climáticas, como noticiou O GLOBO — entre elas Porto Alegre. A cheia histórica que aflige os gaúchos resulta de falhas nos sistemas implantados há décadas para conter as águas do Guaíba. Mesmo que não tivesse sido possível prever a dimensão da catástrofe, várias medidas poderiam ter ajudado a reduzir seu impacto.
Não se desconhece a excepcionalidade dos
fenômenos climáticos extremos. Sob volumes descomunais de chuva, encostas
deslizam, rios transbordam, casas, pontes e estradas são varridas pela força da
correnteza. Por isso é preciso saber o que fazer: desocupar as áreas mais
vulneráveis para preservar vidas; oferecer abrigo aos moradores desalojados;
manter comunicações e serviços básicos de saúde, alimentação, assistência às
vítimas etc. É para isso que serve o planejamento. A resposta às catástrofes
não pode ser dada na base do improviso, como geralmente tem acontecido no
Brasil.
Ações de prevenção para mitigar seus efeitos
também não podem ser negligenciadas. É preciso haver área de refúgio para as
águas não invadirem a mancha urbana e reflorestar as encostas nas serras,
medida que ajuda a reter as enxurradas. De nada adianta haver dinheiro para a
reconstrução ou medidas preventivas se ele não for usado da maneira correta. Em
pelo menos seis estados, obras que somam R$ 7,3 bilhões se arrastam há 15 anos.
Na Região Serrana do Rio, onde em 2011 mais de 900 moradores morreram nas chuvas
mais letais já registradas no país, serviços como drenagem de rios até hoje não
foram concluídos. Não importa se o atraso é consequência de mudança de governo,
falta de planejamento, corte de recursos, corrupção ou o que seja. Os cidadãos
não têm nada a ver com a incompetência dos governos.
É crucial que, na reconstrução de cidades
arrasadas pelas enchentes, o governo exerça seu papel de planejar e disciplinar
a ocupação do território. Áreas às margens dos rios evidentemente não podem ser
ocupadas, pois são sucessivamente destruídas pelas águas. Não faltam relatos de
moradores sobre casas reconstruídas recentemente e perdidas na última cheia. A
mancha urbana precisa ser repensada diante das condições climáticas atuais. E
não bastará remover moradores, será preciso impedir que voltem aos locais de
risco. Na Serra Fluminense, passado o dilúvio, moradores retornaram às casas
condenadas pela Defesa Civil.
A questão não é se haverá outra calamidade,
mas quando e onde. É urgente que o governo esteja preparado em todas as
instâncias para dar respostas adequadas, seja elaborando planos de
contingência, seja realizando obras e ações para mitigar seus efeitos. Omissão
e inépcia custam vidas. Cidades podem ser reconstruídas. Vidas, não.
Documento de emissoras de rádio e TV traduz
urgência de regular redes sociais
O Globo
Desafio de conciliar liberdade de expressão e
responsabilidade não é razão para Congresso procrastinar
Reunido em Washington, o conselho da
Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), que representa 17 mil emissoras
nas Américas do Norte, Central e do Sul, divulgou um documento recomendando a
aprovação de leis para regulamentar a atividade das plataformas digitais no
continente. O texto clama pela defesa da liberdade de expressão e da
democracia, em resposta aos desafios impostos pela comunicação digital. A
manifestação é mais uma razão para o Congresso dar celeridade à aprovação do
Projeto de Lei (PL) da Regulação das Redes Sociais, parado por decisão das
lideranças da Câmara.
A atuação dos Parlamentos se faz necessária
para corrigir assimetrias. Emissoras de rádio e de TV seguem legislação
rigorosa e podem ser acionadas judicialmente pelo que veiculam. As plataformas
insistem na tese sem fundamento de que exercem função semelhante à de empresas
de telefonia, por isso não devem arcar com qualquer responsabilidade pelo
conteúdo que nelas deixam circular. O resultado é que lavam as mãos e permitem
uma profusão de desinformação e propaganda mentirosa, com consequências
nefastas para a política e as relações pessoais.
Como sugere o documento da AIR, passou da
hora de as gigantes digitais assumirem responsabilidade. Por certo, deve haver
todo o cuidado para evitar qualquer tipo de censura. Mas não se pode deixar que
as plataformas e seus lobistas explorem esse temor para travar qualquer regra.
As leis seguidas pelas rádios e TVs nunca foram sinônimo de mordaça. Não faz
sentido argumentar que uma legislação para as plataformas digitais teria efeito
diferente.
Noutra frente, os novos marcos regulatórios
precisam combater a pirataria praticada pelas grandes corporações digitais.
Materiais produzidos por jornalistas profissionais, contratados e pagos por
empresas de comunicação, são consumidos gratuitamente por milhões nas redes
sociais. Para o modelo de negócios das plataformas, a prática gera lucro. Ajuda
a atrair e reter mais usuários, aumentando a venda de publicidade. Mas veicular
conteúdo sem pagar aos autores não passa de roubo. As empresas jornalísticas
pagam caro para apurar, checar e apresentar informações fidedignas. Ao
contrário do que propagam os detratores da imprensa profissional, remunerá-las
pelo conteúdo jornalístico não é favor algum. É apenas questão de justiça.
O documento da AIR acerta aos destacar que
“as redes sociais se tornaram fóruns de debate para defensores da igualdade e
da liberdade, mas também, e com cada vez mais frequência, têm se tornado bolhas
de isolamento e fontes de desinformação que representam ameaças à democracia e
à estabilidade das nações”. Estão em jogo questões fundamentais para as
sociedades livres. Os Parlamentos precisam acordar para a urgência do tema e os
riscos da procrastinação ao tratar do assunto. É um estado de coisas que só beneficia
as plataformas.
É o BC que sustenta hoje a política econômica
Folha de S. Paulo
Dado o descrédito do Orçamento petista,
responsabilidade recai sobre o órgão, que em 2025 terá maioria indicada por
Lula
A importante decisão tomada pelo Banco Central na
semana passada —a de reduzir o ritmo da queda dos juros devido
aos riscos inflacionários— acabou ofuscada pela divisão revelada em sua cúpula.
Como se esperava, a ata da reunião do Comitê
de Política Monetária, divulgada nesta terça-feira (14), trouxe mais
explicações sobre por que os quatro diretores indicados por Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) votaram contra a decisão, aprovada por maioria mínima de cinco
membros do colegiado.
De acordo com o documento, o primeiro grupo
defendeu que fosse mantida a trajetória sinalizada na reunião anterior, de
março, quando a taxa Selic caiu
de 11,25% para 10,75% ao ano e se indicou outro corte de 0,5 percentual.
Argumentou-se que a mudança de rumos poderia
comprometer a credibilidade da comunicação do BC.
É uma justificativa respeitável —e certamente
muito melhor do que alguma tese que sugerisse leniência com a alta de preços.
O incômodo que não pode ser desfeito de
imediato advém da origem
comum dos votos contrários, dadas as insistentes manifestações de
Lula contra a política de juros, a autonomia formal do BC e o que considera
metas excessivamente ambiciosas de inflação.
A opção do Copom por
um corte mais cauteloso, para 10,5% anuais, amparou-se em razões sólidas que já
vinham sendo expostas pelo BC nas últimas semanas —tanto que a taxa fixada já
era contemplada nas expectativas de mercado.
Entre uma reunião e outra do colegiado, o
governo petista afrouxou prematuramente seus compromissos de ajuste das contas
públicas. Ademais, o cenário internacional piorou com perspectiva
de mais inflação e juros nos EUA, o que eleva a cotação do dólar e
encarece produtos importados aqui.
Por fim, o mercado de
trabalho doméstico mantém o vigor, um fenômeno benfazejo que
tem como efeito colateral mais pressão sobre o consumo e os preços.
Diante de tais desdobramentos, segundo o
comitê, todos os diretores concordaram com a necessidade de uma política
monetária mais cautelosa. Não por acaso, as expectativas para a Selic ao final
deste 2024 subiram recentemente de 9,25% para 9,5%, e não será surpresa se
chegarem a 10%.
São más notícias, sem dúvida, mas pior seria,
em especial para a população pobre, um retrocesso no controle da inflação em
nome de conveniências de curto prazo.
Tal entendimento será particularmente crucial
a partir do próximo ano, quando o Copom terá maioria de indicados por Lula. Com
o descrédito dos planos de equilíbrio orçamentário do Executivo, é o BC
autônomo que mantém de pé a gestão da economia.
Mundo deslocado
Folha de S. Paulo
Cresce população sem moradia devido a guerras
ou desastres como o do RS
O mundo está mais hostil. Além do aumento do
gasto militar, guerras tanto entre nações quanto domésticas e catástrofes
naturais produziram um enorme contingente global de populações que tiveram de
abandonar suas residências.
Segundo relatório do Centro de Monitoramento
de Deslocamentos Internos, divulgado nesta terça (14), 75,9 milhões
de pessoas estavam nessa situação no fim de 2023 —alta de 6,8%
ante 2022 e de 50% nos últimos cinco anos.
Refugiados cruzam fronteiras internacionais;
já deslocados internos buscam acomodação em moradias de parentes ou abrigos
comunitários no próprio país.
A África subsaariana
é a região mais atingida, com 50% do total de pessoas nessa situação no
período.
Os conflitos em Gaza, Sudão, República
Democrática do Congo e Ucrânia contribuíram
significativamente para o aumento global. Os confrontos bélicos foram
responsáveis por 90% (68,3 milhões) dos deslocados ao final de 2023, ante 7,7
milhões que fugiram devido a desastres naturais, como enchentes, terremotos e
tornados.
O Brasil atualmente lida com um fluxo de
deslocados inaudito, devido à tragédia no Rio Grande o Sul.
Segundo levantamento com dados do Ministério
da Integração feito pela Folha, até sábado (11) o estado
contabilizava 618 mil pessoas longe de seus lares, sendo 537 mil
desalojados (saem de casa, mas não precisam recorrer a abrigos públicos) e 81
mil desabrigados. Trata-se do maior número da série histórica iniciada em 1991.
Com as perdas materiais e o luto pelo
falecimento de entes queridos, deslocados vivem em situação de extrema
vulnerabilidade, com risco de desenvolverem graves problemas psicológicos pelo
trauma.
Por isso, o suporte do poder público deve se
dar de modo integrado e interdisciplinar, com infraestrutura para abrigos,
reconstrução de moradias, segurança e cuidados com a saúde física e mental.
Em relação a desastres oriundos da mudança climática, governos em todas as esferas devem criar planos de adaptação tanto para prevenção quanto para agir com celeridade e eficiência quando o evento extremo já estiver em curso.
Os mercadores do caos
O Estado de S. Paulo
Bolsonaristas andam espalhando desinformação
em meio à tragédia no RS porque, inimigos da democracia que são, a eles
interessa minar a capacidade dos cidadãos de confiar uns nos outros
O bolsonarismo não é uma força política
normal. É uma força destrutiva, que só é capaz de prosperar num ambiente de
conflagração permanente, desconfiança entre os cidadãos – e entre estes e as
instituições – e negação da política como meio de concertação civilizada entre
interesses sociais divergentes. Ter esse diagnóstico claro de antemão é
fundamental para compreender como e por que bolsonaristas de quatro costados
têm agido como mercadores do caos espalhando desinformação em meio à tragédia
climática que arrasou o Rio Grande do Sul. Há uma agenda em jogo. E ela não
poderia estar mais distante dos interesses nacionais, que dirá dos imperativos
morais e humanitários que devem orientar a ação de governos e da sociedade
neste momento de amparo aos gaúchos.
A difusão de mentiras e/ou distorções da
realidade de forma coordenada entre os bolsonaristas, tal como ocorreu durante
a pandemia, não provoca danos na escala dos causados pelas chuvas torrenciais
no Estado, mas gera um efeito igualmente devastador: mina o esforço nacional
para fazer chegar ajuda vital aos nossos concidadãos gaúchos. “A desinformação
é o que mais tem prejudicado o nosso trabalho”, disse ao Estadão o comandante
do Exército, general Tomás Paiva. “Ela impede a sinergia entre órgãos governamentais,
que é fundamental para ações que são imprescindíveis nesse momento”, lamentou o
militar, com toda razão.
A fim de enfraquecer a democracia que tanto
desprezam – é disso que se trata –, figuras como os deputados Eduardo Bolsonaro
(PL-SP), Gustavo Gayer (PL-GO), Paulo Bilynskyj (PLSP), Nikolas Ferreira
(PL-MG), Gilvan da Federal (PL-ES), General Girão (PL-RN) e Caroline de Toni
(PL-SC), entre outros congressistas – além do governador de Santa Catarina,
Jorginho Mello (PL) –, agem de forma livre e consciente para destruir os laços
de solidariedade entre os brasileiros. As mentiras que disseminam da tribuna da
Câmara e por meio das redes sociais, a pretexto de criticar supostas omissões
do governo federal no enfrentamento da crise, não têm outro objetivo senão o de
abalar a capacidade das pessoas de confiarem umas nas outras.
Esse imoral ataque à “verdade dos fatos”, na
expressão consagrada por Hannah Arendt, tem como finalidade a instalação de um
clima de confusão generalizada no País que seja tóxico o bastante a ponto de,
no limite, fazer a democracia soçobrar diante da falta de seu insumo básico: a
confiança entre as pessoas, sem a qual não é possível estabelecer consensos
mínimos, principalmente o reconhecimento de que adversários políticos, ora
vejam, também possuem uma dimensão humana e têm legitimidade para tomar parte
no debate público. Sob esse consenso devem permanecer todas as eventuais
divergências político-ideológicas que possa haver entre os cidadãos.
Ironicamente, foi esse pacto civilizatório
que levou quase toda a chamada classe política a interromper a campanha
eleitoral de 2018 a partir do dia 6 de setembro daquele ano, quando o então
candidato à Presidência Jair Bolsonaro sofreu um atentado a faca. Ali ficou
claro que a política não é um vale-tudo. Mas, ao que parece, os bolsonaristas
ignoraram a lição, pois agora não emitem o mais tênue sinal de constrangimento
ao explorar o terrível drama dos gaúchos para auferir, eles mesmos, ganhos
político-eleitorais.
Os bolsonaristas têm o direito de criticar o
governo federal. Como oposição, estranho seria se não o fizessem. Os
bolsonaristas têm até o direito de serem injustos com o presidente Lula da
Silva, afirmando que o petista nada tem feito para aliviar o sofrimento dos
gaúchos – o que não é verdade. Mas não é de críticas que se está tratando. É de
uma desumanização que extrapola as lides políticas entre “direita” e
“esquerda”, “conservadores” e “progressistas”. E esse processo há de ser
interrompido, a bem do País, não só do Rio Grande do Sul, com mais informações
de qualidade e, principalmente, com os genuínos democratas se unindo em defesa
da boa política como a expressão mais iluminada da democracia.
Resistir ao populismo dá bons frutos
O Estado de S. Paulo
Países do sul da Europa saíram da crise ao
não se deixar seduzir pelo populismo. Ou seja, a responsabilidade fiscal é o
único caminho para preservar e ampliar ganhos econômicos e sociais
Dados da Europa confirmam o bom desempenho
dos países do sul, especialmente das quatro maiores economias, Itália, Espanha,
Portugal e Grécia. As três últimas cresceram em 2023 mais que o dobro da média
da zona do euro. Coletivamente, desde 2017 os quatro superaram o crescimento da
economia alemã – a maior do bloco – em 5%.
É um fenômeno nada trivial. A distância
histórica entre o Sul e o Norte se ampliou na crise dos anos 20082012. A
combinação de recessão e austeridade espremeu suas economias. A tentação
populista brotou forte. A União Europeia correu risco de fragmentação. Mas o
eleitorado e seus representantes souberam extrair da frustração um zelo
reformista que agora dá frutos.
A solidariedade foi importante. Tanto na
crise financeira quanto na pandemia, Bruxelas liberou generosos fundos de
recuperação, mas com contrapartidas de austeridade. Os países do sul reduziram
a burocracia e os impostos corporativos, flexibilizaram leis trabalhistas para
incorporar novas modalidades de emprego e reduziram dívidas e déficits. Os
investimentos voltaram, as exportações aumentaram e o desemprego caiu. O apoio
do norte rendeu dividendos: a expectativa de manutenção do ritmo de crescimento
do sul em 2024 tem permitido ao Banco Central Europeu sinalizar cortes nos
juros.
O sucesso não é monopólio de algum espectro
político. Ao contrário, ele mostra o efeito benigno da sobreposição de dogmas
ideológicos pelo pragmatismo. Em Portugal e na Espanha, o equilíbrio fiscal foi
conquistado por governos socialistas. Na Itália, a centrodireita de Mario
Draghi promoveu políticas anticíclicas fiscalmente mais frouxas, com isenções
tributárias que impulsionaram a indústria de construção. Ao mesmo tempo, a
generosidade excessiva da previdência foi disciplinada, e o atual governo, mais
conservador, está cortando gastos para reduzir a dívida.
A Grécia é especialmente instrutiva, pela sua
regeneração não só econômica, mas política. À beira da insolvência, radicais de
esquerda advogavam dobrar a aposta do expansionismo fiscal, pondo em risco a
permanência na zona do euro. Eles chegaram a montar uma coalizão com a extrema
direita em 2015. Ainda em 2019, quando o eleitorado exausto deu um voto de
confiança à centro-direita liderada por Kyriakos Mitsotakis, o país era o
“homem doente da Europa”.
Em artigo na revista The Economist,
Mitsotakis explicou sua “lógica triangular”: “Pró-crescimento, mas fiscalmente
responsável; robusta em imigração e assertiva em segurança, junto com uma
política externa forte; e socialmente liberal em casa”. Em especial na
economia, o governo focou em corte de impostos, apoio a empreendedores e
reformas de mercado para atrair investimentos. As agências de crédito premiaram
a responsabilidade fiscal, restaurando o grau de investimento. Os investidores
responderam e o eleitorado também, reelegendo Mitsotakis.
“No fim, o baluarte mais importante contra o
populismo é ouvir e realizar”, disse o premiê grego. Mas é também reconhecer
seus erros e ser sincero com a população. “Trata-se de explicar por que, por
exemplo, um grau de investimento não é só sobre agradar mercados – é sobre
custos mais baixos de empréstimos para hipotecas –, ou por que é importante
atrair investimentos estrangeiros para criar empregos mais bem pagos.” Ao
conceder em 2023 o prêmio de País do Ano à Grécia, a Economist explicou: “A
Grécia mostra que da beira do colapso é possível implementar reformas
econômicas duras e sensatas, reconstruir o contrato social, exibir um
patriotismo moderado – e ainda vencer eleições”.
As economias do sul estão longe de ser
perfeitas: ainda há uma distância do norte, o desemprego ainda não caiu a
níveis satisfatórios e as reformas têm um longo caminho à frente. Mas, por ora,
elas deixam lições valiosas para uma Europa a caminho das eleições e para
países como o Brasil, ainda capturado pela polarização populista. Combinar
equilíbrio fiscal, responsabilidade social e crescimento não só é possível,
como necessário para o desenvolvimento sustentável e a pacificação social.
Eleitor cansado
O Estado de S. Paulo
Quase 4 entre 10 eleitores rejeitam
candidatos apadrinhados por Lula ou Bolsonaro
Além da desaprovação ao presidente Lula da
Silva, a última pesquisa Genial/Quaest mostrou um dado eloquente sobre as
eleições municipais deste ano: 37% dos entrevistados gostariam de votar num
nome considerado independente em relação tanto a Lula quanto ao ex-presidente
Jair Bolsonaro. Em outras palavras, praticamente 4 entre 10 brasileiros querem
se ver livres da dominância dos dois principais líderes populares do Brasil,
sinal evidente de cansaço dessa parcela da população com a polarização e a
radicalização que dividem o País entre o lulopetismo e o bolsonarismo.
Não há dúvida de que os dois polos seguem
como as maiores forças políticas e eleitorais – em grande medida fruto da
política de exacerbação do medo e da rejeição mútua. Foi isso, afinal, que
decidiu a eleição em favor do petista em 2022, por uma margem muito estreita:
metade tinha medo da volta do PT, e a outra metade não queria manter Bolsonaro
no poder. O resultado é um desalento para um país que se vê, em sua maioria,
condenado a escolher entre duas opções ruins. Também é inquestionável que a
divisão ultrapassou as fronteiras partidárias para se converter num
enfrentamento ininterrupto na vida em sociedade, em que dois grupos com
preferências e visões de mundo diferentes se tornaram intolerantes entre si.
O problema, sublinhe-se, não é a limitação de
termos apenas duas forças eleitoralmente competitivas, e sim a qualidade dessas
forças e, sobretudo, a incapacidade de seus grupos (e de seus líderes) de atuar
pela pacificação nacional. A polarização é um jogo que só favorece seus atores
principais: é de interesse de ambos que o outro ocupe espaço simbólico na
cabeça do eleitor, pois afinal costumam trabalhar com a lógica de ter um
inimigo para chamar de seu. Como disse o ex-presidente Michel Temer ao Estadão,
mais do que a polarização, é a radicalização que opera hoje os conflitos de
ideias, e não à toa nem Lula nem a oposição liderada por Bolsonaro trabalharam
pela desejável pacificação.
Não raro pesquisas mostram que boa parte dos
eleitores que se identificam como lulopetista e bolsonarista é infensa a
opiniões das quais discorda, só se informa por meios com os quais concorda e
tem enorme dificuldade de conviver com o diferente. O resultado é a carência da
pluralidade de ideias e o empobrecimento do debate. Mas, para 37% dos
brasileiros, as eleições deste ano serão uma notável oportunidade para reduzir
o peso dessa cisão e suas consequências. Segundo a Genial/Quaest, a influência
de Lula pesa mais: 33% votariam num candidato alinhado a ele, enquanto 22%
prefeririam alguém indicado por Bolsonaro. Como cabo eleitoral, Lula leva a
melhor no Nordeste; Bolsonaro, no Sul; ambos se igualam no Sudeste. É
sintomático, porém, que a maioria declare querer, na sua prefeitura, alguém
independente dos dois.
Há uma massa cansada da guerra nas redes sociais e nos espaços de convivência, e com a radicalização que interdita o debate e impede a busca de consenso que deve reger qualquer ambiente democrático. O tamanho do universo de quem não quer nem Lula nem Bolsonaro é hoje o reconhecimento dos danos produzidos até aqui pela continuidade do atraso que os dois polos representam.
Ata foi mudança de orientação abrupta que
dividiu Copom
Valor Econômico
A busca de um consenso técnico pode amenizar a pesada desconfiança que passou a sombrear as decisões de política monetária
O cenário básico da política monetária mudou
e quatro diretores do Banco Central não concordaram com uma guinada tão
abrupta, que anulou a orientação futura contida na ata da reunião do Comitê de
Política Monetária de março. A diferença, segundo a ata divulgada ontem, se
concentrou no fato de que, para os divergentes, a alteração da rota teria
custos, que o cenário não havia se modificado tanto para isso e que um corte de
0,5 ponto percentual, para 10,25%, manteria a taxa em território
suficientemente contracionista. Ambos os lados consideram que a orientação
futura, a partir de agora, tolhe a liberdade de ação do BC. A divisão no BC,
entendida como duas posições antagônicas, não é referendada pela ata, imersa em
discussões técnicas. Os mercados, no entanto, acompanharão com atenção as
posições a partir de agora, porque o Planalto se opõe à política monetária de
juros altos atual e poderá implantar a que prefere, ao nomear o próximo
presidente da instituição.
Quando o presidente do BC, Roberto Campos
Neto, disse que o panorama traçado em março já fora ultrapassado pelos fatos,
citou quatro possibilidades: redução das incertezas, com a manutenção de corte
de 0,5 ponto; continuidade delas, sem alteração significativa, com corte de
0,25 ponto; maior incerteza, afetando variáveis importantes e mudando o balanço
de riscos, com interrupção dos cortes; agravamento das incertezas, com estresse
global e provável alta dos juros. Os três primeiros cenários foram analisados
pelo Copom.
Houve divergências de grau sobre cada ponto
do cenário em mudança, com a possível exceção do cenário externo “mais
adverso”. O afrouxamento da política monetária americana tornou-se uma
incógnita, “com redução de sua extensão e postergação de seu início”. A
avaliação do cenário doméstico trocou de sinal com rapidez que exigia
contra-argumentação. A ata de março mencionava que ele se mostrava “consistente
com cenário de desaceleração”. Agora, o dinamismo tornou-se “maior que o
esperado”. A revisão altista foi objeto de dúvidas, por “questões metodológicas
relacionadas a ajustes de sazonalidade” - poderia não refletir uma atividade
mais forte. Apesar disso, a ata concluiu que ela, de fato, está mais intensa.
Desde a reunião anterior, o Copom debate o
aquecimento do mercado de trabalho e dos salários. O aumento forte do emprego
formal e dos desligamentos voluntários serviu de suporte para os que avaliam
que a queda da inflação se tornará mais difícil com esse aquecimento, como
mostra a incômoda inflação dos serviços intensivos em trabalho. Porém, a ata
aponta que “ainda não há evidências conclusivas de impacto do mercado de
trabalho sobre a inflação”. A definição é importante, porque em março o Copom
avaliou que a inflação está em seu segundo estágio, “mais relacionado ao
cenário do mercado de trabalho e da demanda agregada”, considerados “muito
relevantes para determinar a velocidade com que a inflação atingirá a meta”.
Entre as duas reuniões, as projeções de
inflação em 2025 pioraram, tanto do boletim Focus quanto no cenário de
referência do BC. Além do cenário externo, torna-se evidente que a mudança da
meta fiscal ocorrida nesse ínterim foi determinante para a mudança das
expectativas sobre a percepção do compromisso do governo com a sustentabilidade
fiscal. A conclusão foi que a inflação está desancorada, e não mais em
“reancoragem parcial”.
Alguns membros do Copom foram mais longe e
avaliaram que o balanço de risco poderia ser considerado “assimétrico para
cima” - “fatores altistas exibem, nesse momento, peso superior aos baixistas”.
A decorrência é que a força do mercado de trabalho e a maior atividade
econômica diminuem o poder contracionista dos juros, “o que poderia induzir um
processo de desinflação ainda mais lento”. Não é difícil inferir daí que os
juros não deveriam mais ser reduzidos.
Assim, os juros foram cortados em 0,25 ponto
porque o cenário externo piorou, as expectativas de inflação se afastaram um
pouco mais da meta, a economia mostra fôlego superior ao previsto o que, ao
lado da frouxidão fiscal, tornam a desinflação mais lenta e custosa. Houve
concordância geral, segundo a ata, sobre o aumento das incertezas externas e
domésticas e a necessidade de atingir as metas de inflação. A divergência foi
sobre “o custo de oportunidade de não seguir o guidance vis-à-vis a mudança de
cenário no período”. A saber, para eles as perspectivas traçadas antes não se
alteraram a ponto de mudar a orientação futura, cobrando então um “custo
reputacional” que reduziria o poder das comunicações do Copom no futuro. Além
disso, apontaram que a “extração da tendência subjacente da dinâmica
inflacionária em um ambiente incerto é difícil” e, o que é importante no caso,
que a “redução de 0,50 ponto percentual ainda manteria a política monetária
suficientemente contracionista”.
A divisão do Copom causou uma surpresa desagradável - uma antevisão do que se espera com a nomeação do novo presidente do BC. A busca de um consenso técnico pode amenizar a pesada desconfiança que passou a sombrear as decisões de política monetária.
Ata do Copom explica, mas não justifica o
juro
Correio Braziliense
É preciso que a política monetária esteja
sintonizada com a necessidade do país, mais do que com as expectativas do
mercado
A divulgação da ata da última reunião do
Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central ontem revelou os motivos
de os diretores estarem divididos em relação ao corte da taxa básica de juros
(Selic) em 0,5 ponto ou 0,25 ponto, com esse último patamar prevalecendo com o
voto minerva do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Ao
contrário do que se podia esperar, não houve divergência entre os diretores do
Banco Central que integram o Copom em relação ao compromisso com as metas de
inflação.
Maior cautela com o cenário internacional, ou
mesmo sobre influências políticas também não foram motivo de impasse, mas sim a
reputação do BC e às expectativas do mercado financeiro. Os diretores
divergiram sobre o custo de não seguir a orientação deixada na ata da reunião
de março, na qual havia sinalização para outro corte de 0,5 ponto percentual.
Pela ata, mesmo os diretores que votaram por
manter o corte previsto deixaram claro o compromisso com a meta de inflação,
enquanto os que votaram por um corte menor fizeram por avaliar que houve
alteração no cenário a ponto de justificar uma mudança em relação à sinalização
ao mercado feita anteriormente.
Como foi o mercado financeiro quem começou a
apostar em um corte menor na Selic dias antes da reunião, cabe uma pergunta: o
Copom sinaliza para o mercado financeiro a diretriz da política monetária ou é
o mercado financeiro que sinaliza o que deve fazer o Banco Central? Não houve
divergências em relação ao rigor com o cumprimento da meta fiscal nem uma
negligência com a deterioração das condições da economia global.
Toda discussão em relação às expectativas do
mercado financeiro é válida, porque são os investidores que dão suporte à
rolagem da dívida pública via títulos do Tesouro. Mas ao tratar da política
monetária, o Banco Central deveria dar um peso maior para a economia real.
Todos os setores econômicos veem com
apreensão os riscos, principalmente em relação à inflação. Mas, com ela em
queda, foram unânimes em avaliar que havia sim espaço para um corte de 0,5
ponto, com a Selic baixando para 10,25% e não os 10,5% decididos pelo Copom.
Menos juros representam expansão da
capacidade de investir das empresas e consumo das famílias e do setor privado,
além, é claro, de redução no custo dos endividamentos. Além disso, cada ponto a
menos na Selic representa dezenas de bilhões de reais que deixam de ir para o
pagamento dos juros da dívida, contribuindo assim para o equilíbrio das contas
públicas, que geram tanta apreensão no mercado financeiro.
O Brasil tem, hoje, a segunda maior taxa de
juro real do mundo, o que não se justifica neste momento. É preciso que a
política monetária esteja sintonizada com a necessidade do país, mais do que
com as expectativas do mercado. O Banco Central tem autonomia (ou deveria ter)
em relação ao governo e ao mercado financeiro.
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