quarta-feira, 15 de maio de 2024

Lu Aiko Otta - Recursos externos para socorrer RS

Valor Econômico

Catástrofe das chuvas chegou num momento de fragilidade do Orçamento federal

Os investimentos para a reconstrução do Rio Grande do Sul não cabem no Orçamento federal, por isso a solução pode estar em empréstimos externos. O governo dialoga com organismos multilaterais de crédito em busca de uma solução estrutural para esse e outros eventos de emergência climática, informou à coluna uma fonte da área econômica.

A catástrofe das chuvas chegou num momento de fragilidade do Orçamento federal brasileiro. Demandará mais investimentos num cenário em que a tendência é o desaparecimento do espaço fiscal para esse tipo de despesa.

O problema tem sido tema de alertas de especialistas e técnicos da área econômica há décadas. Agora, caminha para um limite. Sem mudanças, o novo arcabouço fiscal terá uma morte precoce.

O governo estima que as despesas discricionárias, nas quais são classificados os investimentos, serão 9% do total de gastos em 2025. Em 2028, serão 5,3%, segundo dados do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.

Estarão reduzidos a zero em 2030, segundo projeções divulgadas pela Secretaria do Tesouro Nacional em março.

Hoje, 91% das verbas orçamentárias estão comprometidas com despesas como salários, aposentadorias, benefícios assistenciais e gastos obrigatórios com saúde e educação. Não podem ser utilizadas para outra finalidade. O bolo das despesas obrigatórias tem crescido e sufocado outras áreas.

Por essa razão, é incontornável o debate iniciado pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, em torno da revisão das regras que corrigem automaticamente os gastos obrigatórios.

Em entrevista a este jornal, a ministra afirmou que é hora de fazer o ajuste fiscal pelo lado das despesas no atacado - e não no varejo, como vem sendo feito, com a revisão de algumas despesas,.

Defendeu desatrelar benefícios previdenciários e assistenciais da política de ganhos reais do salário mínimo e incluir, no piso de gastos com Educação, os repasses federais ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação (Fundeb).

São dois temas tabu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não abre mão da política de valorização do salário mínimo. No ano passado, rejeitou proposta do Ministério da Fazenda de corrigir o valor conforme o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

Em 2025, cada real de aumento no mínimo significará R$ 385,5 milhões em despesas adicionais com Previdência, abono, seguro-desemprego e Benefício de Prestação Continuada.

Por enquanto, Tebet é uma voz solitária na Esplanada. Em entrevista concedida na semana passada ao Estadão/Broadcast, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse não ver “muito espaço” para discutir o salário mínimo. Debates sobre os pisos para saúde e educação ocorreram de forma preliminar, acrescentou, mas não prosperaram.

Como mostramos neste espaço, o ministro da Educação, Camilo Santana, colocou-se em frontal oposição à proposta de Tebet.

Espécie de porta-voz da ala política do governo, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffman (PR) foi às redes sociais dizer que as ideias de Tebet são “muito ruins”, contrariam o programa “do governo eleito em 2022” e prejudicariam diretamente milhares de aposentados e alunos de escolas públicas.

“Não tem solução alternativa nesse caso”, disse um integrante da equipe econômica. “Uma hora ou outra teremos que enfrentar esse debate.”

Também o Tesouro Nacional elaborou simulações sobre o que aconteceria com os gastos com saúde e educação se os pisos deixassem de estar atrelados à arrecadação, como ocorre hoje, para seguir outros critérios: subir conforme o limite de gastos do arcabouço, ou o crescimento da população, ou o PIB per capita. Nos três casos, há abertura de espaço fiscal para despesas discricionárias em comparação com a regra atual.

A beleza e a surpresa do novo arcabouço fiscal são que ele impõe um ajuste na despesa obrigatória ao longo do tempo, avaliou o economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel.

Na sua visão, o que Tebet faz é oferecer alternativas para tornar a regra fiscal consistente e sustentável. “De fato, o arcabouço não se sustenta apenas com aumento da receita, especialmente devido às regras de salário mínimo, de saúde e de educação”, comentou.

Se não houver ao menos algum ajuste nas regras de saúde e de educação, o governo vai ter de alterar o arcabouço fiscal, disse. Isso porque dificilmente Lula aceitaria conviver com despesas discricionárias, sobretudo investimentos, cada vez menores.

“Mas, se o governo alterar o arcabouço fiscal, significará o fracasso total da atual política fiscal”, afirmou.

Sair da armadilha dos gastos obrigatórios crescentes exige decisão política. O ano eleitoral, a polarização, a fragilidade da articulação do governo no Legislativo e os resultados das pesquisas de opinião tornam o debate ainda mais difícil.

Em seu livro “O Melhor do Mau Humor”, Ruy Castro cita a seguinte frase do economista John Kenneth Galbraith: “A política não é a arte do possível. Consiste em escolher entre o desastroso e o intragável”. Pelo jeito, é por aí que estamos.

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