Valor Econômico
Catástrofe das chuvas chegou num momento de fragilidade do Orçamento federal
Os investimentos para a reconstrução do Rio
Grande do Sul não cabem no Orçamento federal, por isso a solução pode estar em
empréstimos externos. O governo dialoga com organismos multilaterais de crédito
em busca de uma solução estrutural para esse e outros eventos de emergência
climática, informou à coluna uma fonte da área econômica.
A catástrofe das chuvas chegou num momento de
fragilidade do Orçamento federal brasileiro. Demandará mais investimentos num
cenário em que a tendência é o desaparecimento do espaço fiscal para esse tipo
de despesa.
O problema tem sido tema de alertas de especialistas e técnicos da área econômica há décadas. Agora, caminha para um limite. Sem mudanças, o novo arcabouço fiscal terá uma morte precoce.
O governo estima que as despesas
discricionárias, nas quais são classificados os investimentos, serão 9% do
total de gastos em 2025. Em 2028, serão 5,3%, segundo dados do Projeto de Lei
de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.
Estarão reduzidos a zero em 2030, segundo
projeções divulgadas pela Secretaria do Tesouro Nacional em março.
Hoje, 91% das verbas orçamentárias estão
comprometidas com despesas como salários, aposentadorias, benefícios
assistenciais e gastos obrigatórios com saúde e educação. Não podem ser
utilizadas para outra finalidade. O bolo das despesas obrigatórias tem crescido
e sufocado outras áreas.
Por essa razão, é incontornável o debate
iniciado pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, em torno da revisão das
regras que corrigem automaticamente os gastos obrigatórios.
Em entrevista a este jornal, a ministra
afirmou que é hora de fazer o ajuste fiscal pelo lado das despesas no atacado -
e não no varejo, como vem sendo feito, com a revisão de algumas despesas,.
Defendeu desatrelar benefícios
previdenciários e assistenciais da política de ganhos reais do salário mínimo e
incluir, no piso de gastos com Educação, os repasses federais ao Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação (Fundeb).
São dois temas tabu. O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva não abre mão da política de valorização do salário mínimo. No ano
passado, rejeitou proposta do Ministério da Fazenda de corrigir o valor
conforme o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
Em 2025, cada real de aumento no mínimo
significará R$ 385,5 milhões em despesas adicionais com Previdência, abono,
seguro-desemprego e Benefício de Prestação Continuada.
Por enquanto, Tebet é uma voz solitária na
Esplanada. Em entrevista concedida na semana passada ao Estadão/Broadcast, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse não ver “muito espaço” para
discutir o salário mínimo. Debates sobre os pisos para saúde e educação
ocorreram de forma preliminar, acrescentou, mas não prosperaram.
Como mostramos neste espaço, o ministro da
Educação, Camilo Santana, colocou-se em frontal oposição à proposta de Tebet.
Espécie de porta-voz da ala política do
governo, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffman (PR) foi às redes
sociais dizer que as ideias de Tebet são “muito ruins”, contrariam o programa
“do governo eleito em 2022” e prejudicariam diretamente milhares de aposentados
e alunos de escolas públicas.
“Não tem solução alternativa nesse caso”,
disse um integrante da equipe econômica. “Uma hora ou outra teremos que
enfrentar esse debate.”
Também o Tesouro Nacional elaborou simulações
sobre o que aconteceria com os gastos com saúde e educação se os pisos
deixassem de estar atrelados à arrecadação, como ocorre hoje, para seguir
outros critérios: subir conforme o limite de gastos do arcabouço, ou o
crescimento da população, ou o PIB per capita. Nos três casos, há abertura de
espaço fiscal para despesas discricionárias em comparação com a regra atual.
A beleza e a surpresa do novo arcabouço
fiscal são que ele impõe um ajuste na despesa obrigatória ao longo do tempo,
avaliou o economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel.
Na sua visão, o que Tebet faz é oferecer
alternativas para tornar a regra fiscal consistente e sustentável. “De fato, o
arcabouço não se sustenta apenas com aumento da receita, especialmente devido
às regras de salário mínimo, de saúde e de educação”, comentou.
Se não houver ao menos algum ajuste nas
regras de saúde e de educação, o governo vai ter de alterar o arcabouço fiscal,
disse. Isso porque dificilmente Lula aceitaria conviver com despesas
discricionárias, sobretudo investimentos, cada vez menores.
“Mas, se o governo alterar o arcabouço
fiscal, significará o fracasso total da atual política fiscal”, afirmou.
Sair da armadilha dos gastos obrigatórios
crescentes exige decisão política. O ano eleitoral, a polarização, a
fragilidade da articulação do governo no Legislativo e os resultados das
pesquisas de opinião tornam o debate ainda mais difícil.
Em seu livro “O Melhor do Mau Humor”, Ruy
Castro cita a seguinte frase do economista John Kenneth Galbraith: “A política
não é a arte do possível. Consiste em escolher entre o desastroso e o
intragável”. Pelo jeito, é por aí que estamos.
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