terça-feira, 27 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É preciso ser mais firme na repressão às queimadas

O Globo

Seca severa favorece disseminação de focos de incêndio, mas a maioria deles tem origem criminosa

A seca severa e a baixa umidade têm favorecido a profusão de focos de incêndio que espalham fumaça por quase todo o país, causando transtornos que vão muito além do problema ambiental. Ficaram evidentes nos últimos dias as implicações na saúde e na infraestrutura, com aumento de atendimentos por doenças respiratórias, interdição de estradas e suspensão de voos. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) relacionou 70 cidades onde, até a penúltima semana de agosto, não havia caído uma gota de chuva sequer em mais de cem dias.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que, de janeiro até o último dia 24 de agosto, haviam sido detectados quase 105 mil focos de incêndio em todo o país, marca superada apenas pela de 2010, quando foram registrados perto de 119 mil focos entre janeiro e agosto. A quantidade de incêndios neste ano já é 75% maior do que em 2023. Apenas no Estado de São Paulo, as 3.175 ocorrências de agosto representam um recorde desde 1998, quando começou a medição.

Mas não se pode atribuir apenas às condições climáticas os incêndios que transformaram o Brasil num festival de fumaça. O próprio presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que as queimadas surgidas de forma natural são exceções. “Quase todo incêndio no Brasil é criminoso”, afirmou. “Não temos incêndio espontâneo, e são raros os casos de acidente, como um caminhão que pegou fogo ou a queda de um cabo de alta tensão.”

No domingo, quando Brasília amanheceu envolta em fumaça, e quase 50 municípios de São Paulo estavam em alerta máximo para incêndios, o alarme enfim soou no Planalto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma reunião de emergência com a ministra do Meio AmbienteMarina Silva, para tratar das queimadas. Ela disse que estão em curso inquéritos para descobrir a origem do fogo e que a PF investiga mais de 30 casos. Em 2020, a própria Marina criticava a “postura inescrupulosa” do então presidente Jair Bolsonaro e a “falta de medidas do governo” para conter os incêndios que faziam arder o Pantanal. Agora, aponta para fatores naturais ou ação criminosa.

A verdade é que o Brasil está queimando faz tempo. Se o governo falhava então, continua falhando agora. Mesmo reconhecendo o problema, tem demorado a agir, ou agido de forma tímida. A crise não vai se resolver com acusações, enquanto o risco para a cobertura florestal brasileira só faz crescer.

Para deter o aquecimento global, é vital não permitir que sistemas naturais de captura de gases do efeito estufa por florestas e oceanos passem a funcionar ao contrário, emitindo gases. O mundo já corre o risco de que a alta da temperatura até o final do século ultrapasse o 1,5 °C acima dos níveis da era pré-industrial, objetivo traçado no Acordo de Paris. Não há alternativa a não ser reduzir as emissões — e rápido. O descontrole da temperatura planetária nos últimos meses tem desafiado as previsões mais pessimistas.

É certo que, devido às mudanças climáticas, secas e incêndios florestais se tornaram mais frequentes e intensos. Por isso mesmo o governo precisa ser mais firme na repressão às queimadas. É importante ampliar o número de brigadistas e de aeronaves de combate ao fogo. Mas mais importante é impedir que o fogo comece, e nisso o governo tem falhado. Poderia começar investigando e punindo os responsáveis pelos incêndios criminosos.

Escola em tempo integral é caminho para melhorar educação no Brasil

O Globo

Resultado dos alunos no Ideb equivale a um ano a mais de matemática e a meio ano de português, diz estudo

As escolas de tempo integral têm impacto positivo no desempenho de alunos do ensino médio de redes estaduais, em especial para os mais pobres. Foi essa a conclusão de um estudo dos institutos Sonho Grande e Natura, com base nos últimos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que leva em conta avaliações de português e matemática e índices de aprovação no quinto e no nono ano do ensino fundamental e no terceiro ano do médio.

Estudantes do ensino médio integral — modelo com mais de 420 minutos de aulas diárias, sem contar atividades complementares — obtiveram desempenho melhor que os de escolas regulares. Em matemática, a diferença foi de 6 pontos. É como se os alunos das escolas integrais tivessem cursado um ano a mais de aprendizado. “Se considerarmos que o ensino médio é composto por três anos de estudo, um ano a mais de aprendizagem é relevante”, diz Ana Paula Pereira, diretora executiva do Instituto Sonho Grande. Em língua portuguesa, a diferença foi de 4 pontos, o equivalente a mais de meio ano de aprendizado.

Outra constatação relevante: entre as cem escolas que atendem o público de menor nível socioeconômico e obtiveram melhores resultados no Ideb, 78 ofereciam ensino integral. Isso significa que as escolas integrais podem ser um meio eficaz de estender a qualidade do ensino aos mais pobres.

A expansão, porém, exige cuidados. Não se trata de apenas estender a carga horária. “É preciso renovação do modelo pedagógico, é preciso um modelo centrado na vida do estudante, para que o aluno seja protagonista, se envolva nas decisões do ensino e possa entender suas fortalezas e como a escola se conecta aos caminhos que pode seguir. Não são coisas simples de executar, e é preciso também fazer com que os professores enxerguem a escola de forma diferente”, diz Ana Paula, do Sonho Grande.

Em 2023, apenas 33% das escolas escolas estaduais ofereciam ensino médio em tempo integral, e elas atendiam apenas 18% dos alunos matriculados (quatro anos antes, eram 10%). Num país tão populoso e diverso, a heterogeneidade é enorme. No Piauí, 85% das escolas estaduais já oferecem ensino médio integral. Em Ceará e Pernambuco, 70%. Em Santa Catarina, menos de 1%. No Rio Grande do Sul, 10%, mesma parcela que o Acre.

Para acelerar a mudança da realidade, é preciso identificar as experiências bem-sucedidas ao expandir o ensino integral, analisá-las e reproduzi-las, dando prioridade às escolas frequentadas pelos mais pobres. Assim será possível melhorar a qualidade da educação brasileira.

País precisa concluir e pôr em prática o Plano Clima

Valor Econômico

Os eventos extremos estão se agravando no Brasil e desgastam o prestígio que o governo Lula tem na agenda climática global

Enquanto os chefes dos três poderes se reuniam na semana passada em Brasília para assinar um pacto em defesa de políticas de desenvolvimento com proteção ao meio ambiente, a população de pelo menos dez Estados, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, estava sendo engolfada pela fumaça gerada pelos incêndios florestais na Amazônia, Pantanal e interior de São Paulo. A dura realidade coloca em xeque os discursos da ocasião, expõe fragilidades da política ambiental e é um chamado à ação e ao planejamento.

Depois de Lula apontar, com razão, os efeitos da política de devastação ambiental praticada pelo presidente Jair Bolsonaro, os incêndios na Amazônia voltam com força sob seu governo, e também em um bioma cada vez mais fragilizado, o Pantanal. A responsabilidade de enfrentá-los é de cada governo, e atribuir a culpa a Bolsonaro não serve mais de álibi para falhas na atual gestão. Os funcionários do Ibama ficaram em greve por dois meses, um tempo importante de ação, sem que o governo resolvesse o impasse. O Pantanal dá indícios de nova temporada de seca e de fogo há meses, assim como a Amazônia, mas a reação aos eventos carece de eficiência. Os focos de incêndio, na maioria dos casos, e não é de hoje, têm autoria humana. Agora não foi diferente, e o governo Lula precisava estar preparado para vigiar e punir os transgressores, defendendo o ambiente.

O presidente Lula, o presidente da Câmara, Arthur Lira, o do Senado, Rodrigo Pacheco, e o do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, fizeram um pacto que prevê 26 medidas alinhadas aos princípios do Plano de Transformação Ecológica (PTE), lançado em 2023. O Legislativo promete levar adiante projetos como o marco legal do mercado de carbono, a produção de energia eólica no mar e o avanço dos biocombustíveis. O Judiciário vai agilizar processos que envolvam a temática ambiental, fundiária e climática. O Executivo se encarrega de ampliar o financiamento e reduzir o custo do crédito para setores, projetos e práticas sustentáveis.

As intenções são boas. Mas várias das promessas feitas estão empacadas há tempos. Apesar de Lira ter ressaltado seu interesse na agenda verde, a regulamentação do mercado de carbono, por exemplo, que era para estar pronta para a COP 28, no fim de 2023, está parada desde então e agora deve ficar para a COP 30, em Belém, em 2025. O projeto estabelece teto para emissões. Empresas e entidades que emitem abaixo do limite ganham cotas que podem ser vendidas no mercado. As que poluem mais precisarão compensar esse excesso com a compra dos títulos emitidos pelas que poluem menos. A agropecuária está fora.

Por outro lado, há no Congresso cerca de 35 propostas criticadas por ambientalistas, como as que enfraquecem o Código Florestal, abrem espaço para o desmatamento e facilitam a atuação de grileiros; a que reduz a reserva legal na Amazônia; e a que permite mineração em unidades de conservação. Há ainda projetos que nascem com objetivos ecológicos e são deturpados por jabutis. É o caso do projeto das eólicas offshore, em que foram incluídos incentivos à produção de energia à base de carvão, ofuscando o mérito original.

O Executivo também tem suas contradições. Se o Ibama não liberou licenças, o Ministério de Minas e Energia já se manifestou a favor de aumentar a exploração de petróleo, inclusive na Margem Equatorial, além de incentivar o subsídio aos combustíveis fósseis. No Judiciário, a questão das terras indígenas se move devagar.

O aquecimento climático, porém, não espera. 2024 caminha para outro ano recorde de calor e o Brasil, de Norte a Sul, está em chamas. No Amazonas uma grave seca parece estar emendando em outra, com agosto batendo novo recorde de focos de incêndio. No Pantanal, a devastação pelo fogo voltou a fazer fortes estragos, depois de ter consumido 261 mil hectares, em 2021, 9% da vegetação do bioma.

O MapBiomas acaba de divulgar que o país perdeu 13% das áreas naturais de seu território de 1985 a 2023, incluindo vegetação natural, superfície de água e áreas naturais como praias e dunas. Isso se soma a 20% perdidos anteriormente. Dos 110 milhões de hectares de vegetação nativa perdidos, metade, 55 milhões, foi na Amazônia e 38 milhões, no Cerrado.

Essa degradação dos biomas ajuda a explicar em parte a proliferação dos focos de incêndio florestal e o prolongamento da seca. São Paulo teve recorde de queimadas em poucos dias. Nuvens de fumaça cobriram vários Estados e chegaram a Brasília. Os eventos extremos estão se agravando no Brasil e desgastam o prestígio que o governo Lula tem na agenda climática global. É preciso reconhecer a urgência do fogo e dotar os órgãos responsáveis por prevenção e combate de todos os recursos necessários.

A luta contra o aquecimento exige esforço amplo e conjunto com Estados e municípios. Os candidatos a prefeitos, por exemplo, mal estão tocando no atraso gritante de suas políticas para enfrentar as mudanças climáticas. Das prefeituras, só 7,81% possuem sistemas de alerta e 3,1% têm no plano diretor prevenção de deslizamento de encostas (O Globo, 25 de agosto). O Plano Clima, previsto para 2025, precisa ser finalizado logo e sair do papel com a rapidez que a urgência requer.

Alexandre de Moraes insiste na anomalia

Folha de S. Paulo

Ministro abre novo inquérito em que atua como interessado, delegado e juiz; prática afronta o devido processo legal

Vai-se mais de ano e meio do pleito de 2022 e da saída do presidente que desafiava instituições. Para o ministro Alexandre de Moraes e colegas do Supremo Tribunal Federal, no entanto, é como se o período anterior ainda vigorasse, a menos como pretexto para manter-se a concentração anômala de poder no magistrado e na corte.

Essa má impressão ficou reforçada pela abertura de um novo inquérito por Moraes —de ofício, isto é, sem ter sido provocado pelo Ministério Público, como reza o protocolo civilizatório e a Carta— em que ele figura como interessado, delegado, promotor e juiz.

Trata-se de uma resposta do ministro do STF à publicação, por esta Folha, de diálogos envolvendo assessores de seus gabinetes no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral indicando que, no mínimo, havia pouquíssima formalidade ao lidar com alvos de investigação que seriam sancionados por Moraes com medidas de força.

Na justificativa para a abertura do inquérito fica patente a dificuldade do ministro de entender que os tempos mudaram, que a eleição e as ameaças institucionais já acabaram e que o candidato vencedor, de oposição, exerce a pleno o seu mandato no Palácio do Planalto.

A suspeita, sustentada pelo ministro em seu ofício, é a de que o vazamento dessas conversas seria fruto da atuação de uma "organização criminosa" que atenta contra "a democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da corte, com o retorno da ditadura".

A imaginação do ministro Moraes parece ignorar hipóteses mais realistas, como a de que a revelação pela imprensa profissional de conversas de notório interesse público faz parte da rotina de uma democracia vibrante.

Esse caso lançou luz sobre um integrante da mais alta corte, mas já houve diversos outros que miraram a atuação de autoridades nos mais diversos níveis da República.

O que se desvia do normal é o juiz cujas atividades poderão ser questionadas a partir dos fatos levantados nas reportagens avocar para si o poder de investigar diretamente o caso. Não há isenção possível nesse cruzamento de interesses.

O exercício da autocrítica, diante dos diálogos revelados, deveria levar o ministro Alexandre de Moraes e seus colegas a darem cabo desses inquéritos anômalos, que se estendem muito além do que seria justificável para uma situação excepcional, que não subsiste.

É uma pena que a resposta, embalada em espírito de corpo e paranoia persecutória, tenha vindo no sentido contrário, de reforçar condutas estranhas ao império da lei.

Fogo cruzado

Folha de S. Paulo

Israel e Hezbollah medem forças com ataques mútuos, mas podem escalar a guerra

Ao longo dos mais de dez meses de guerra após o início da ofensiva terrorista do Hamas contra Israel, o temor de uma escalada permeou o cálculo de todos os atores em cena —exceto o do grupo palestino, que contava com ela.

Tal cenário quase se concretizou em abril, quando o Irã —líder de uma rede que inclui o Hamas, o Hezbollah libanês, os houthis do Iêmen e outros— atacou Israel pela primeira vez na história.

Tratava-se de uma retaliação, na espiral sem fim de acusações entre as partes. No entanto a inapetência para um embate mais visceral fez a operação ser antecipada e, ao fim, defletida pelos israelenses e seus aliados. A tréplica de Tel Aviv viria a ser ainda mais calculada.

Se no Irã a fragilidade política do regime tem pautado a cautela, no caso do Hezbollah era o medo de tornar a situação no Líbano mais caótica que incentivava o comedimento. Mas isso mudou recentemente, culminando num ataque mortífero a Israel no fim de julho.

Tel Aviv respondeu matando o número 2 no comando do grupo em Beirute. Horas depois, foi a vez de uma explosão eliminar o líder do Hamas, durante visita a Teerã.

A perversa lógica regional fez o mundo esperar uma retaliação anunciada, e talvez conjunta, de Irã, Hezbollah e até houthis. No domingo (25), os libaneses de fato resolveram atacar.

Antes, Israel promoveu o maior bombardeio em 18 anos contra o rival. Os fundamentalistas, por sua vez, lançaram centenas de foguetes, mísseis e drones.

Notável nas ações foi a parcimônia tática, com poucas baixas. Para alívio dos EUA, que mantêm dois grupos de porta-aviões vigiando o cenário, canais de distensão foram acionados. Já o Irã reiterou suas ameaças, até aqui vazias.

Numa guerra que muitos veem como inescapável entre Israel e Hezbollah, o resultado foi mais adiamento. Ambos podem dizer que mostraram força, dando um respiro fugaz à crise.

Sem um cessar-fogo em Gaza, contudo, a espada de Dâmocles seguirá pendendo sobre o Oriente Médio: basta um míssil atingir um alvo sensível, em erro de operação, e tudo poderá colapsar.

Onde está o líder da ‘frente pela democracia’?

O Estado de S. Paulo

Lula, que se elegeu prometendo defender a democracia, segue incapaz de denunciar a ditadura companheira de Maduro, mesmo diante da farsa oficializada pela Justiça venezuelana

O roubo das eleições venezuelanas foi oficializado. A Suprema Corte declarou, sem mostrar qualquer evidência, a vitória de Nicolás Maduro. Pela lei venezuelana, as atas das urnas são públicas. Mas a presidente da Corte, uma ex-vereadora pelo partido de Maduro, não só anunciou que agora são secretas, como também que o candidato da oposição, Edmundo González, será punido pelo “crime” de divulgá-las.

Em entrevista ao New York Times, Juan Carlos Delpino, um membro isento do Conselho Nacional Eleitoral tolerado pelo regime para negociar a suspensão das sanções, declarou não haver nenhuma evidência da vitória de Maduro. Através da insubordinação de oficiais locais, a oposição divulgou registros de mais de 25 mil urnas, 80% do total. Observadores independentes atestaram a vitória esmagadora da oposição, com pelo menos 67% dos votos.

Não resta nenhuma dúvida sobre a vontade do povo venezuelano, e o sigilo imposto pela Corte equivale a uma confissão de culpa. A farsa eleitoral acabou. Começa agora a farsa da legitimação do regime e da criminalização da oposição.

Governos responsáveis e comprometidos com a democracia, à esquerda e à direita, já denunciaram o novo teatro. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disse que “o regime de Maduro confirma o que a comunidade internacional tem denunciado: fraude”. O presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, anunciou que seu país “não reconhece esse falso e autoproclamado triunfo de Maduro & cia.”, vocalizando sua solidariedade à oposição em sua luta pela “democracia, justiça e liberdade”.

Já o presidente Lula da Silva continua a cumprir ciosamente seu papel no jogo de sombras de Maduro. Junto ao presidente esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro, Lula declarou que continua a “aguardar” a divulgação das atas, condenando quaisquer sanções internacionais.

Ainda na semana passada, seu chanceler de facto, Celso Amorim, voltou a falar em “novas eleições”. A outra proposta ventilada foi a de um “governo de coalizão nacional”. A primeira equivale a um reconhecimento tácito da fraude eleitoral. A segunda foi fabricada para “salvar as aparências” enquanto se espera que uma nova crise internacional mude o foco das atenções e deixe o dito pelo não dito. A prova é que não houve qualquer tentativa de diálogo com a oposição a propósito dessas “soluções”.

A fraude eleitoral começou bem antes do pleito. Enquanto opositores eram presos, candidaturas eram cassadas e imigrantes eram impedidos de votar, Lula estendia o tapete vermelho a Maduro, edulcorava sua “narrativa” contra os “inimigos” da Venezuela e lançava aos quatro ventos especulações filosóficas sobre a “relatividade” da democracia. Após as eleições, quase 30 opositores foram mortos e cerca de 2 mil foram detidos. O PT celebrou essa “festa da democracia”, enquanto os eufemismos do presidente oscilaram entre “nada de anormal” até no máximo “um regime desagradável”.

Dizer que Lula – e a reboque, o Brasil – foi o “idiota útil” da vez seria tentador, e errado. Lula continua a ser, como sempre foi, utilíssimo para Maduro e seus suseranos – a China e a Rússia –, mas não é idiota e sabe bem o que quer: uma ditadura alinhada ao tal “Sul Global” ao invés de uma democracia eventualmente simpática a Washington. Pouco importa que isso pulverize quaisquer resquícios da pretensão do Brasil a liderar uma integração da América Latina e desmoralize qualquer autoridade do País como protagonista de um movimento internacional pelo fortalecimento das democracias. A esse ponto, a “aliança em defesa da democracia” contra a “extrema direita” que Lula pretende encenar após a Assembleia Geral da ONU em setembro é uma piada de mau gosto que as lideranças sérias certamente se esquivarão de protagonizar.

Os brasileiros, por ora, não têm essa opção, e terão de esperar até 2026, e contar com uma candidatura decente da oposição, para pôr fim à tragicomédia de erros que é a tal “frente ampla democrática” de Lula. Mas as eleições municipais não deixam de ser uma oportunidade para ensinar ao lulopetismo que no Brasil a democracia não é “relativa”.

Reforma tributária acaciana

O Estado de S. Paulo

Brasil pode ter um IVA de 28%, o maior do mundo, pois, como diria Conselheiro Acácio, as consequências vêm sempre depois: à esquerda e à direita, todos trabalharam duro para isso

O Ministério da Fazenda reconheceu que as mudanças aprovadas pela Câmara no texto da reforma tributária elevaram a alíquota de referência do imposto que incidirá sobre bens e serviços de 26,5% para 28%. A elevação não surpreende – afinal, como diria o Conselheiro Acácio, as consequências vêm sempre depois –, mas aumenta a responsabilidade do Senado ao apreciar o projeto de lei.

Já se sabia, desde o início da tramitação da reforma, que cada benefício ou regime especial incluído no texto acabaria por pressionar o imposto para cima. Afinal, pelo sistema proposto, as alíquotas do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – dividido em Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União, e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de Estados e municípios – seriam calibradas para repor, de maneira exata, a perda da arrecadação de cada pretensa bondade.

Os deputados, no entanto, optaram por ignorar a matemática e os alertas do Ministério da Fazenda para atender aos interesses de grupos econômicos em detrimento do contribuinte. Eles acataram ao menos dez mudanças, e a de maior impacto, como já se sabia, era a inclusão das carnes entre os itens da cesta básica que terão isenção de impostos.

As proteínas de origem animal, sozinhas, elevaram o imposto em 0,56 ponto porcentual (p.p.). A inclusão de queijos de todo tipo contribuiu com outro 0,13 p.p., e as alíquotas favorecidas para sal, farinhas, aveia, óleos de milho e babaçu, além de plantas e flores, adicionaram outro 0,10 p.p.

Todo o esforço feito pela equipe econômica em defesa de um modelo mais justo e que devolvesse os impostos somente às famílias mais vulneráveis e cadastradas em programas sociais do governo foi em vão. Venceu o populismo suprapartidário e supraideológico, vertente capaz de unir direita e esquerda, de Jair Bolsonaro a Lula da Silva, em defesa do lobby da indústria alimentícia, do agronegócio e dos supermercados.

A Câmara também reduziu o teto da alíquota do Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, de 1% para 0,25%. Para não dizer que os parlamentares somente trabalharam para aumentar a alíquota padrão, a Fazenda destaca a inclusão das bets e do carvão mineral entre os setores que terão incidência do Imposto Seletivo.

Como não foram poucas as benesses aprovadas pelos deputados, a Câmara conseguiu um feito inédito: inviabilizou o teto que ela mesma havia estabelecido para a alíquota padrão do IVA antes que o dispositivo entrasse em vigor.

A oposição rapidamente acusou o governo de ter colocado o Brasil no primeiro lugar entre os países com a maior alíquota de IVA. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o ranking hoje é liderado pela Hungria, que tem uma taxação de 27%.

Um deles foi o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que, de maneira convenientemente oportunista, ignorou que seu pai foi um dos maiores defensores da inclusão das carnes na cesta básica e que a proposta recebeu o voto de seu irmão, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Mas o senador Flávio Bolsonaro, a exemplo de seus 80 colegas na Casa, terá a oportunidade de se redimir com a chegada do texto ao Senado. Provavelmente não o fará, pois o relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), embora contrariado, disse ao Estadão não haver viabilidade política – leia-se votos – para rever a isenção das carnes.

A liderança no ranking dos maiores IVAs, de fato, não é algo positivo para o Brasil, mas tampouco deveria ser recebida com surpresa. Não é de hoje que o País tem uma das maiores cargas tributárias sobre o consumo, e basta uma consulta ao Reformômetro do Estadão para ter a certeza de que o País provavelmente já deveria ter conquistado essa posição antes.

Entre as principais vantagens da reforma tributária além do fim do manicômio tributário, estão os ganhos de transparência do novo sistema. O consumidor não apenas saberá exatamente quanto pagará sobre cada item que adquirir, mas também quem contribuiu para elevar a alíquota padrão sobre bens e serviços.

No caso da Câmara, pode-se dizer que foi uma escolha coletiva, que contou com o apoio de praticamente todos os partidos, com raríssimas exceções. O Senado ainda pode optar por outro caminho.

A necessária clareza do BC

O Estado de S. Paulo

Iminente queda do juro nos EUA torna comunicação do BC brasileiro ainda mais importante

O alívio pelo qual o mundo há tanto tempo anseia está prestes a se concretizar. “Chegou a hora de ajustar” a política monetária, afirmou o presidente do Fed (o Banco Central – BC – dos EUA), Jerome Powell, no encontro anual de líderes de Bancos Centrais em Jackson Hole, sinalização mais potente até agora de que os juros norte-americanos cairão em setembro. Se antes a discussão era sobre se o Fed cortaria os juros, agora já se debate a magnitude do corte iminente. Em tese, a queda das taxas nos EUA é boa notícia para o Brasil, mas o persistente desafio fiscal do País e, mais recentemente, a própria comunicação do BC brasileiro podem retardar esse impacto positivo.

E o que não tem faltado é confusão, desde as inúmeras críticas do presidente Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto – acusado, entre outras coisas, de não ter sensibilidade e de prejudicar o País ao manter os juros altos –, até o ruído causado pela decisão dividida do Copom em maio, quando os quatro diretores indicados pelo atual governo votaram por um corte de 0,50 ponto porcentual (na ocasião, a Selic foi reduzida em 0,25 ponto porcentual, para os atuais 10,50%). De uns tempos para cá, o Banco Central foi calibrando o discurso para demonstrar não apenas coesão – na reunião de julho o Copom votou unanimemente pela manutenção dos juros –, mas também a certeza de que subirá a Selic caso os indicadores econômicos justifiquem tal decisão.

Nos últimos dias, Gabriel Galípolo, tido como provável sucessor de Campos Neto na presidência do BC, vem dando reiteradas declarações de que a autoridade monetária não será leniente no combate à inflação – a estimativa para o IPCA no boletim Focus mais recente subiu de 4,22% para 4,25% em 2024 –, reforçando posicionamentos de outros membros do BC, inclusive Campos Neto. Se, por um lado, o comprometimento dos integrantes do Copom com uma transição de poder harmônica – e, mais importante, com o combate à inflação – é em geral positivo, parte do mercado também vê nas declarações “realistas” de Galípolo uma armadilha.

Ao sinalizar que o BC subirá os juros, Galípolo consolida tal expectativa entre os agentes de mercado. Se em setembro – quando o Copom, como o Fed, se reúne – não houver uma elevação da Selic, a credibilidade da autoridade monetária brasileira pode sair arranhada, exatamente o oposto do que Galípolo parece buscar com suas declarações.

Em evento no Piauí, ao comentar a resiliência maior da economia brasileira ilustrada pelas constantes elevações de previsão do PIB e pela queda do desemprego, Galípolo afirmou que “o BC ficou dependente de dados”. Tal como a decisão sobre os juros deve ser ancorada nesses dados, a comunicação dos membros do BC também deve nortear-se por eles. Que a comunicação então encontre nos dados um bom conselheiro.

A extensão do benefício que a iminente queda de juros nos EUA em setembro renderá ao Brasil dependerá, em larga escala, da mensagem que o BC adotar, também em setembro, quando anunciar sua própria decisão de política monetária. Quanto mais técnicas forem a decisão e a comunicação, melhor.

Ação conjunta é urgente para o Brasil em chamas

Correio Braziliense

Não é mais possível postergar a execução das medidas necessárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, muito menos deixar na gaveta o pacto pela transformação ecológica assinado pela cúpula do Executivo, Legislativo e Judiciário na semana passada

Os integrantes dos Três Poderes no âmbito federal, distante centenas de quilômetros da Amazônia, do Pantanal Mato-grossense, sentiram, no fim de semana último, os efeitos das queimadas espalhadas nas regiões Centro-Oeste, Norte e em São Paulo (Sudeste). Os rios voadores não trouxeram água, mas fumaça perturbadora, produzida pelos focos de incêndio em 16 das 27 unidades da Federação, que também surpreendeu cidadãos comuns. Uma mensagem de que não é mais possível postergar a execução das medidas necessárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, muito menos deixar na gaveta o pacto pela transformação ecológica assinado pela cúpula do Executivo, Legislativo e Judiciário na semana passada.

Hoje, o patrimônio natural arde e suprime a integridade dos biomas do país, afetando a oferta de água, pondo em risco a fertilidade do solo e eliminando elementos da fauna. Fenômenos como as enchentes que destruíram cidades inteiras no Rio Grande do Sul, as recorrentes tragédias na região serrana do Rio de Janeiro e a seca dos rios na Amazônia, uma área cortada pelo maior curso d'água do planeta, não deixam dúvidas de que as mudanças climáticas se  tornaram a nova realidade do planeta. As teses negacionistas se perdem em meio aos tornados, às chuvas torrenciais, ou entre os ciclones.

Tanto as cidades quanto o meio rural estão ameaçados. Tornou-se urgente a união dos Três Poderes e de todos os demais segmentos da sociedade, levando em consideração o que recomendam os cientistas e outros profissionais dedicados ao meio ambiente, para a construção de políticas públicas sustentadas pela ciência e pelo respeito ao patrimônio natural. As diferentes bancadas, que representam segmentos como ruralistas, educadores, economistas e da saúde, têm de considerar que a natureza, com toda a sua complexidade, não tem ideologia política. A preservação do meio ambiente por meio de um relacionamento amistoso com todos os biomas é requisito básico para preservar a vida humana.

"O Titanic bateu no iceberg não porque o capitão não o tenha visto. Mas por inércia no uso do maquinário para desviar o navio do iceberg. O que os cientistas, climatologistas e ambientalistas têm feito é avisar que é preciso desviar o planeta do iceberg", alertou o professor Reuber Brandão, biólogo graduado pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em ecologia, em entrevista ao CB.Poder, nesta segunda-feira. Ainda há tempo de dar novo rumo ao planeta, desviando-o do ponto de não retorno, lembrou ele.

A política ambiental brasileira foi muito maltratada nos últimos anos. Órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e outros que fazem interface com o tema  foram desmontados. Ocorreram perdas de técnicos e retração no orçamento — impedindo a aquisição de equipamentos e o custeio de incursões em áreas ameaçadas pelos invasores e  predadores.

É um cenário que comprometeu, e compromete, o cumprimento das respectivas missões desses órgãos. Nos últimos oito meses, foram registrados 5.280 focos de incêndios no país, sendo 1.886, na última sexta-feira, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em São Paulo, foram 48 focos de incêndio, em cidades distintas e quase simultaneamente. A coincidência levou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a suspeitar de que se tratou de uma ação premeditada e a solicitar uma investigação da Polícia Federal.

Um pacto verdadeiro pela transformação ecológica do Brasil não deve ser conduzido por ideologias, interesses pessoais ou de grupos. O acordo, para ser cumprido, tem, necessariamente, de entender a natureza como bem coletivo, que precisa ser preservado sem coloração partidária. A sua construção deverá ter como pilares as orientações da ciência, dos diversos profissionais que se dedicam à preservação da vida na natureza, inclusive a humana. 


 

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