É preciso ser mais firme na repressão às queimadas
O Globo
Seca severa favorece disseminação de focos de
incêndio, mas a maioria deles tem origem criminosa
A seca severa e a baixa umidade têm
favorecido a profusão de focos de incêndio que espalham fumaça por quase todo o
país, causando transtornos que vão muito além do problema ambiental. Ficaram
evidentes nos últimos dias as implicações na saúde e na infraestrutura, com
aumento de atendimentos por doenças respiratórias, interdição de estradas e
suspensão de voos. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) relacionou 70
cidades onde, até a penúltima semana de agosto, não havia caído uma gota de
chuva sequer em mais de cem dias.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que, de janeiro até o último dia 24 de agosto, haviam sido detectados quase 105 mil focos de incêndio em todo o país, marca superada apenas pela de 2010, quando foram registrados perto de 119 mil focos entre janeiro e agosto. A quantidade de incêndios neste ano já é 75% maior do que em 2023. Apenas no Estado de São Paulo, as 3.175 ocorrências de agosto representam um recorde desde 1998, quando começou a medição.
Mas não se pode atribuir apenas às condições
climáticas os incêndios que transformaram o Brasil num festival de fumaça. O
próprio presidente do Ibama,
Rodrigo Agostinho, afirmou que as queimadas surgidas de forma natural são
exceções. “Quase todo incêndio no Brasil é criminoso”, afirmou. “Não temos
incêndio espontâneo, e são raros os casos de acidente, como um caminhão que
pegou fogo ou a queda de um cabo de alta tensão.”
No domingo, quando Brasília amanheceu envolta
em fumaça, e quase 50 municípios de São Paulo estavam em alerta máximo para
incêndios, o alarme enfim soou no Planalto. O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva fez uma reunião de emergência com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
para tratar das queimadas. Ela disse que estão em curso inquéritos para
descobrir a origem do fogo e que a PF investiga mais de 30 casos. Em 2020, a
própria Marina criticava a “postura inescrupulosa” do então presidente Jair
Bolsonaro e a “falta de medidas do governo” para conter os incêndios que faziam
arder o Pantanal. Agora, aponta para fatores naturais ou ação criminosa.
A verdade é que o Brasil está queimando faz
tempo. Se o governo falhava então, continua falhando agora. Mesmo reconhecendo
o problema, tem demorado a agir, ou agido de forma tímida. A crise não vai se
resolver com acusações, enquanto o risco para a cobertura florestal brasileira
só faz crescer.
Para deter o aquecimento global, é vital não
permitir que sistemas naturais de captura de gases do efeito estufa por
florestas e oceanos passem a funcionar ao contrário, emitindo gases. O mundo já
corre o risco de que a alta da temperatura até o final do século ultrapasse o
1,5 °C acima dos níveis da era pré-industrial, objetivo traçado no Acordo de
Paris. Não há alternativa a não ser reduzir as emissões — e rápido. O
descontrole da temperatura planetária nos últimos meses tem desafiado as
previsões mais pessimistas.
É certo que, devido às mudanças climáticas,
secas e incêndios florestais se tornaram mais frequentes e intensos. Por isso
mesmo o governo precisa ser mais firme na repressão às queimadas. É importante
ampliar o número de brigadistas e de aeronaves de combate ao fogo. Mas mais
importante é impedir que o fogo comece, e nisso o governo tem falhado. Poderia
começar investigando e punindo os responsáveis pelos incêndios criminosos.
Escola em tempo integral é caminho para
melhorar educação no Brasil
O Globo
Resultado dos alunos no Ideb equivale a um
ano a mais de matemática e a meio ano de português, diz estudo
As escolas de tempo integral têm impacto
positivo no desempenho de alunos do ensino médio de redes estaduais, em
especial para os mais pobres. Foi essa a conclusão de um estudo dos institutos
Sonho Grande e Natura, com base nos últimos resultados do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb), que leva em conta avaliações de português e matemática e índices de
aprovação no quinto e no nono ano do ensino fundamental e no terceiro ano do
médio.
Estudantes do ensino médio integral — modelo
com mais de 420 minutos de aulas diárias, sem contar atividades complementares
— obtiveram desempenho melhor que os de escolas regulares. Em matemática, a
diferença foi de 6 pontos. É como se os alunos das escolas integrais tivessem
cursado um ano a mais de aprendizado. “Se considerarmos que o ensino médio é
composto por três anos de estudo, um ano a mais de aprendizagem é relevante”,
diz Ana Paula Pereira, diretora executiva do Instituto Sonho Grande. Em língua portuguesa,
a diferença foi de 4 pontos, o equivalente a mais de meio ano de aprendizado.
Outra constatação relevante: entre as cem
escolas que atendem o público de menor nível socioeconômico e obtiveram
melhores resultados no Ideb, 78 ofereciam ensino integral. Isso significa que
as escolas integrais podem ser um meio eficaz de estender a qualidade do ensino
aos mais pobres.
A expansão, porém, exige cuidados. Não se
trata de apenas estender a carga horária. “É preciso renovação do modelo
pedagógico, é preciso um modelo centrado na vida do estudante, para que o aluno
seja protagonista, se envolva nas decisões do ensino e possa entender suas
fortalezas e como a escola se conecta aos caminhos que pode seguir. Não são
coisas simples de executar, e é preciso também fazer com que os professores
enxerguem a escola de forma diferente”, diz Ana Paula, do Sonho Grande.
Em 2023, apenas 33% das escolas escolas
estaduais ofereciam ensino médio em tempo integral, e elas atendiam apenas 18%
dos alunos matriculados (quatro anos antes, eram 10%). Num país tão populoso e
diverso, a heterogeneidade é enorme. No Piauí, 85% das escolas estaduais já
oferecem ensino médio integral. Em Ceará e Pernambuco, 70%. Em Santa Catarina,
menos de 1%. No Rio Grande do Sul, 10%, mesma parcela que o Acre.
Para acelerar a mudança da realidade, é
preciso identificar as experiências bem-sucedidas ao expandir o ensino
integral, analisá-las e reproduzi-las, dando prioridade às escolas frequentadas
pelos mais pobres. Assim será possível melhorar a qualidade da educação
brasileira.
País precisa concluir e pôr em prática o
Plano Clima
Valor Econômico
Os eventos extremos estão se agravando no Brasil e desgastam o prestígio que o governo Lula tem na agenda climática global
Enquanto os chefes dos três poderes se
reuniam na semana passada em Brasília para assinar um pacto em defesa de
políticas de desenvolvimento com proteção ao meio ambiente, a população de pelo
menos dez Estados, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, estava sendo
engolfada pela fumaça gerada pelos incêndios florestais na Amazônia, Pantanal e
interior de São Paulo. A dura realidade coloca em xeque os discursos da
ocasião, expõe fragilidades da política ambiental e é um chamado à ação e ao
planejamento.
Depois de Lula apontar, com razão, os efeitos
da política de devastação ambiental praticada pelo presidente Jair Bolsonaro,
os incêndios na Amazônia voltam com força sob seu governo, e também em um bioma
cada vez mais fragilizado, o Pantanal. A responsabilidade de enfrentá-los é de
cada governo, e atribuir a culpa a Bolsonaro não serve mais de álibi para
falhas na atual gestão. Os funcionários do Ibama ficaram em greve por dois
meses, um tempo importante de ação, sem que o governo resolvesse o impasse. O
Pantanal dá indícios de nova temporada de seca e de fogo há meses, assim como a
Amazônia, mas a reação aos eventos carece de eficiência. Os focos de incêndio,
na maioria dos casos, e não é de hoje, têm autoria humana. Agora não foi
diferente, e o governo Lula precisava estar preparado para vigiar e punir os
transgressores, defendendo o ambiente.
O presidente Lula, o presidente da Câmara,
Arthur Lira, o do Senado, Rodrigo Pacheco, e o do Supremo Tribunal Federal
(STF), Luís Roberto Barroso, fizeram um pacto que prevê 26 medidas alinhadas
aos princípios do Plano de Transformação Ecológica (PTE), lançado em 2023. O
Legislativo promete levar adiante projetos como o marco legal do mercado de
carbono, a produção de energia eólica no mar e o avanço dos biocombustíveis. O
Judiciário vai agilizar processos que envolvam a temática ambiental, fundiária
e climática. O Executivo se encarrega de ampliar o financiamento e reduzir o
custo do crédito para setores, projetos e práticas sustentáveis.
As intenções são boas. Mas várias das
promessas feitas estão empacadas há tempos. Apesar de Lira ter ressaltado seu
interesse na agenda verde, a regulamentação do mercado de carbono, por exemplo,
que era para estar pronta para a COP 28, no fim de 2023, está parada desde
então e agora deve ficar para a COP 30, em Belém, em 2025. O projeto estabelece
teto para emissões. Empresas e entidades que emitem abaixo do limite ganham
cotas que podem ser vendidas no mercado. As que poluem mais precisarão
compensar esse excesso com a compra dos títulos emitidos pelas que poluem
menos. A agropecuária está fora.
Por outro lado, há no Congresso cerca de 35
propostas criticadas por ambientalistas, como as que enfraquecem o Código
Florestal, abrem espaço para o desmatamento e facilitam a atuação de grileiros;
a que reduz a reserva legal na Amazônia; e a que permite mineração em unidades
de conservação. Há ainda projetos que nascem com objetivos ecológicos e são
deturpados por jabutis. É o caso do projeto das eólicas offshore, em que foram
incluídos incentivos à produção de energia à base de carvão, ofuscando o mérito
original.
O Executivo também tem suas contradições. Se
o Ibama não liberou licenças, o Ministério de Minas e Energia já se manifestou
a favor de aumentar a exploração de petróleo, inclusive na Margem Equatorial,
além de incentivar o subsídio aos combustíveis fósseis. No Judiciário, a
questão das terras indígenas se move devagar.
O aquecimento climático, porém, não espera.
2024 caminha para outro ano recorde de calor e o Brasil, de Norte a Sul, está
em chamas. No Amazonas uma grave seca parece estar emendando em outra, com
agosto batendo novo recorde de focos de incêndio. No Pantanal, a devastação
pelo fogo voltou a fazer fortes estragos, depois de ter consumido 261 mil
hectares, em 2021, 9% da vegetação do bioma.
O MapBiomas acaba de divulgar que o país
perdeu 13% das áreas naturais de seu território de 1985 a 2023, incluindo
vegetação natural, superfície de água e áreas naturais como praias e dunas.
Isso se soma a 20% perdidos anteriormente. Dos 110 milhões de hectares de
vegetação nativa perdidos, metade, 55 milhões, foi na Amazônia e 38 milhões, no
Cerrado.
Essa degradação dos biomas ajuda a explicar
em parte a proliferação dos focos de incêndio florestal e o prolongamento da
seca. São Paulo teve recorde de queimadas em poucos dias. Nuvens de fumaça
cobriram vários Estados e chegaram a Brasília. Os eventos extremos estão se
agravando no Brasil e desgastam o prestígio que o governo Lula tem na agenda
climática global. É preciso reconhecer a urgência do fogo e dotar os órgãos
responsáveis por prevenção e combate de todos os recursos necessários.
A luta contra o aquecimento exige esforço
amplo e conjunto com Estados e municípios. Os candidatos a prefeitos, por
exemplo, mal estão tocando no atraso gritante de suas políticas para enfrentar
as mudanças climáticas. Das prefeituras, só 7,81% possuem sistemas de alerta e
3,1% têm no plano diretor prevenção de deslizamento de encostas (O Globo, 25 de
agosto). O Plano Clima, previsto para 2025, precisa ser finalizado logo e sair
do papel com a rapidez que a urgência requer.
Alexandre de Moraes insiste na anomalia
Folha de S. Paulo
Ministro abre novo inquérito em que atua como
interessado, delegado e juiz; prática afronta o devido processo legal
Vai-se mais de ano e meio do pleito de 2022 e
da saída do presidente que desafiava instituições. Para o ministro Alexandre de
Moraes e colegas do Supremo Tribunal Federal, no entanto, é como se o
período anterior ainda vigorasse, a menos como pretexto para
manter-se a concentração anômala de poder no magistrado e na corte.
Essa má impressão ficou reforçada pela
abertura de um novo inquérito por Moraes —de ofício, isto é, sem ter sido
provocado pelo Ministério
Público, como reza o protocolo civilizatório e a Carta— em que ele
figura como interessado, delegado, promotor e juiz.
Trata-se de uma resposta do ministro do STF à
publicação, por esta Folha, de diálogos
envolvendo assessores de seus gabinetes no Supremo e no
Tribunal Superior Eleitoral indicando que, no mínimo, havia pouquíssima
formalidade ao lidar com alvos de investigação que seriam sancionados por
Moraes com medidas de força.
Na
justificativa para a abertura do inquérito fica patente a
dificuldade do ministro de entender que os tempos mudaram, que a eleição e as
ameaças institucionais já acabaram e que o candidato vencedor, de oposição,
exerce a pleno o seu mandato no Palácio do Planalto.
A suspeita, sustentada pelo ministro em seu
ofício, é a de que o vazamento dessas conversas seria fruto da atuação de uma
"organização criminosa" que atenta contra "a democracia e o
Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial
contra o Supremo Tribunal Federal, pleiteando a cassação de seus membros e o
próprio fechamento da corte, com o retorno da ditadura".
A imaginação do ministro Moraes parece
ignorar hipóteses mais realistas, como a de que a revelação pela imprensa
profissional de conversas de notório interesse público faz parte da rotina de
uma democracia vibrante.
Esse caso lançou luz sobre um integrante da
mais alta corte, mas já houve diversos outros que miraram a atuação de
autoridades nos mais diversos níveis da República.
O que se desvia do normal é o juiz cujas
atividades poderão ser questionadas a partir dos fatos levantados nas
reportagens avocar para si o poder de investigar diretamente o caso. Não há
isenção possível nesse cruzamento de interesses.
O exercício da autocrítica, diante dos
diálogos revelados, deveria levar o ministro Alexandre de Moraes e seus colegas
a darem cabo desses inquéritos anômalos, que se estendem muito além do que
seria justificável para uma situação excepcional, que não subsiste.
É uma pena que a resposta, embalada em
espírito de corpo e paranoia persecutória, tenha vindo no sentido contrário, de
reforçar condutas estranhas ao império da lei.
Fogo cruzado
Folha de S. Paulo
Israel e Hezbollah medem forças com ataques
mútuos, mas podem escalar a guerra
Ao longo dos mais de dez meses de guerra após
o início da ofensiva terrorista do Hamas contra Israel,
o temor de uma escalada permeou o cálculo de todos os atores em cena —exceto o
do grupo palestino, que contava com ela.
Tal cenário quase se concretizou em abril,
quando o Irã —líder
de uma rede que inclui o Hamas, o Hezbollah libanês,
os houthis do Iêmen e outros— atacou Israel pela primeira vez na história.
Tratava-se de uma retaliação, na espiral sem
fim de acusações entre as partes. No entanto a inapetência para um embate mais
visceral fez a operação ser antecipada e, ao fim, defletida pelos israelenses e
seus aliados. A tréplica de Tel Aviv viria
a ser ainda mais calculada.
Se no Irã a fragilidade política do regime
tem pautado a cautela, no caso do Hezbollah era o medo de tornar a situação
no Líbano mais
caótica que incentivava o comedimento. Mas isso mudou recentemente, culminando
num ataque mortífero a Israel no fim de julho.
Tel Aviv respondeu matando o número 2 no
comando do grupo em Beirute. Horas depois, foi a vez de uma explosão eliminar
o líder do Hamas, durante visita a Teerã.
A perversa lógica regional fez o mundo
esperar uma retaliação anunciada, e talvez conjunta, de Irã, Hezbollah e até
houthis. No domingo (25), os libaneses de fato resolveram atacar.
Antes, Israel
promoveu o maior bombardeio em 18 anos contra o rival. Os
fundamentalistas, por sua vez, lançaram centenas de foguetes, mísseis e drones.
Notável nas ações foi a parcimônia tática,
com poucas baixas. Para alívio dos EUA, que mantêm dois grupos de porta-aviões
vigiando o cenário, canais de distensão foram acionados. Já o Irã reiterou suas
ameaças, até aqui vazias.
Numa guerra que muitos veem como inescapável
entre Israel e Hezbollah, o resultado foi mais adiamento. Ambos podem dizer que
mostraram força, dando um respiro fugaz à crise.
Sem um cessar-fogo em Gaza, contudo, a espada de Dâmocles seguirá pendendo sobre o Oriente Médio: basta um míssil atingir um alvo sensível, em erro de operação, e tudo poderá colapsar.
Onde está o líder da ‘frente pela
democracia’?
O Estado de S. Paulo
Lula, que se elegeu prometendo defender a
democracia, segue incapaz de denunciar a ditadura companheira de Maduro, mesmo
diante da farsa oficializada pela Justiça venezuelana
O roubo das eleições venezuelanas foi
oficializado. A Suprema Corte declarou, sem mostrar qualquer evidência, a
vitória de Nicolás Maduro. Pela lei venezuelana, as atas das urnas são
públicas. Mas a presidente da Corte, uma ex-vereadora pelo partido de Maduro,
não só anunciou que agora são secretas, como também que o candidato da
oposição, Edmundo González, será punido pelo “crime” de divulgá-las.
Em entrevista ao New York Times, Juan
Carlos Delpino, um membro isento do Conselho Nacional Eleitoral tolerado pelo
regime para negociar a suspensão das sanções, declarou não haver nenhuma
evidência da vitória de Maduro. Através da insubordinação de oficiais locais, a
oposição divulgou registros de mais de 25 mil urnas, 80% do total. Observadores
independentes atestaram a vitória esmagadora da oposição, com pelo menos 67%
dos votos.
Não resta nenhuma dúvida sobre a vontade do
povo venezuelano, e o sigilo imposto pela Corte equivale a uma confissão de
culpa. A farsa eleitoral acabou. Começa agora a farsa da legitimação do regime
e da criminalização da oposição.
Governos responsáveis e comprometidos com a
democracia, à esquerda e à direita, já denunciaram o novo teatro. O presidente
do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disse que “o regime de Maduro confirma o que a
comunidade internacional tem denunciado: fraude”. O presidente esquerdista do
Chile, Gabriel Boric, anunciou que seu país “não reconhece esse falso e
autoproclamado triunfo de Maduro & cia.”, vocalizando sua solidariedade à
oposição em sua luta pela “democracia, justiça e liberdade”.
Já o presidente Lula da Silva continua a
cumprir ciosamente seu papel no jogo de sombras de Maduro. Junto ao presidente
esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro, Lula declarou que continua a “aguardar”
a divulgação das atas, condenando quaisquer sanções internacionais.
Ainda na semana passada, seu chanceler de
facto, Celso Amorim, voltou a falar em “novas eleições”. A outra proposta
ventilada foi a de um “governo de coalizão nacional”. A primeira equivale a um
reconhecimento tácito da fraude eleitoral. A segunda foi fabricada para “salvar
as aparências” enquanto se espera que uma nova crise internacional mude o foco
das atenções e deixe o dito pelo não dito. A prova é que não houve qualquer
tentativa de diálogo com a oposição a propósito dessas “soluções”.
A fraude eleitoral começou bem antes do
pleito. Enquanto opositores eram presos, candidaturas eram cassadas e
imigrantes eram impedidos de votar, Lula estendia o tapete vermelho a Maduro,
edulcorava sua “narrativa” contra os “inimigos” da Venezuela e lançava aos
quatro ventos especulações filosóficas sobre a “relatividade” da democracia.
Após as eleições, quase 30 opositores foram mortos e cerca de 2 mil foram
detidos. O PT celebrou essa “festa da democracia”, enquanto os eufemismos do
presidente oscilaram entre “nada de anormal” até no máximo “um regime
desagradável”.
Dizer que Lula – e a reboque, o Brasil – foi
o “idiota útil” da vez seria tentador, e errado. Lula continua a ser, como
sempre foi, utilíssimo para Maduro e seus suseranos – a China e a Rússia –, mas
não é idiota e sabe bem o que quer: uma ditadura alinhada ao tal “Sul Global”
ao invés de uma democracia eventualmente simpática a Washington. Pouco importa
que isso pulverize quaisquer resquícios da pretensão do Brasil a liderar uma
integração da América Latina e desmoralize qualquer autoridade do País como protagonista
de um movimento internacional pelo fortalecimento das democracias. A esse
ponto, a “aliança em defesa da democracia” contra a “extrema direita” que Lula
pretende encenar após a Assembleia Geral da ONU em setembro é uma piada de mau
gosto que as lideranças sérias certamente se esquivarão de protagonizar.
Os brasileiros, por ora, não têm essa opção,
e terão de esperar até 2026, e contar com uma candidatura decente da oposição,
para pôr fim à tragicomédia de erros que é a tal “frente ampla democrática” de
Lula. Mas as eleições municipais não deixam de ser uma oportunidade para
ensinar ao lulopetismo que no Brasil a democracia não é “relativa”.
Reforma tributária acaciana
O Estado de S. Paulo
Brasil pode ter um IVA de 28%, o maior do
mundo, pois, como diria Conselheiro Acácio, as consequências vêm sempre depois:
à esquerda e à direita, todos trabalharam duro para isso
O Ministério da Fazenda reconheceu que as
mudanças aprovadas pela Câmara no texto da reforma tributária elevaram a
alíquota de referência do imposto que incidirá sobre bens e serviços de 26,5%
para 28%. A elevação não surpreende – afinal, como diria o Conselheiro Acácio,
as consequências vêm sempre depois –, mas aumenta a responsabilidade do Senado
ao apreciar o projeto de lei.
Já se sabia, desde o início da tramitação da
reforma, que cada benefício ou regime especial incluído no texto acabaria por
pressionar o imposto para cima. Afinal, pelo sistema proposto, as alíquotas do
futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – dividido em Contribuição sobre Bens
e Serviços (CBS), da União, e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de Estados e
municípios – seriam calibradas para repor, de maneira exata, a perda da
arrecadação de cada pretensa bondade.
Os deputados, no entanto, optaram por ignorar
a matemática e os alertas do Ministério da Fazenda para atender aos interesses
de grupos econômicos em detrimento do contribuinte. Eles acataram ao menos dez
mudanças, e a de maior impacto, como já se sabia, era a inclusão das carnes
entre os itens da cesta básica que terão isenção de impostos.
As proteínas de origem animal, sozinhas,
elevaram o imposto em 0,56 ponto porcentual (p.p.). A inclusão de queijos de
todo tipo contribuiu com outro 0,13 p.p., e as alíquotas favorecidas para sal,
farinhas, aveia, óleos de milho e babaçu, além de plantas e flores, adicionaram
outro 0,10 p.p.
Todo o esforço feito pela equipe econômica em
defesa de um modelo mais justo e que devolvesse os impostos somente às famílias
mais vulneráveis e cadastradas em programas sociais do governo foi em vão.
Venceu o populismo suprapartidário e supraideológico, vertente capaz de unir
direita e esquerda, de Jair Bolsonaro a Lula da Silva, em defesa do lobby da
indústria alimentícia, do agronegócio e dos supermercados.
A Câmara também reduziu o teto da alíquota do
Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, de 1% para 0,25%. Para
não dizer que os parlamentares somente trabalharam para aumentar a alíquota
padrão, a Fazenda destaca a inclusão das bets e do carvão mineral
entre os setores que terão incidência do Imposto Seletivo.
Como não foram poucas as benesses aprovadas
pelos deputados, a Câmara conseguiu um feito inédito: inviabilizou o teto que
ela mesma havia estabelecido para a alíquota padrão do IVA antes que o
dispositivo entrasse em vigor.
A oposição rapidamente acusou o governo de
ter colocado o Brasil no primeiro lugar entre os países com a maior alíquota de
IVA. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o ranking hoje é liderado pela Hungria, que tem uma taxação de 27%.
Um deles foi o senador Flávio Bolsonaro
(PL-RJ), que, de maneira convenientemente oportunista, ignorou que seu pai foi
um dos maiores defensores da inclusão das carnes na cesta básica e que a
proposta recebeu o voto de seu irmão, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Mas o senador Flávio Bolsonaro, a exemplo de
seus 80 colegas na Casa, terá a oportunidade de se redimir com a chegada do
texto ao Senado. Provavelmente não o fará, pois o relator, senador Eduardo
Braga (MDB-AM), embora contrariado, disse ao Estadão não haver
viabilidade política – leia-se votos – para rever a isenção das carnes.
A liderança no ranking dos maiores IVAs, de
fato, não é algo positivo para o Brasil, mas tampouco deveria ser recebida com
surpresa. Não é de hoje que o País tem uma das maiores cargas tributárias sobre
o consumo, e basta uma consulta ao Reformômetro do Estadão para
ter a certeza de que o País provavelmente já deveria ter conquistado essa
posição antes.
Entre as principais vantagens da reforma
tributária além do fim do manicômio tributário, estão os ganhos de
transparência do novo sistema. O consumidor não apenas saberá exatamente quanto
pagará sobre cada item que adquirir, mas também quem contribuiu para elevar a
alíquota padrão sobre bens e serviços.
No caso da Câmara, pode-se dizer que foi uma
escolha coletiva, que contou com o apoio de praticamente todos os partidos, com
raríssimas exceções. O Senado ainda pode optar por outro caminho.
A necessária clareza do BC
O Estado de S. Paulo
Iminente queda do juro nos EUA torna
comunicação do BC brasileiro ainda mais importante
O alívio pelo qual o mundo há tanto tempo
anseia está prestes a se concretizar. “Chegou a hora de ajustar” a política
monetária, afirmou o presidente do Fed (o Banco Central – BC – dos EUA), Jerome
Powell, no encontro anual de líderes de Bancos Centrais em Jackson Hole,
sinalização mais potente até agora de que os juros norte-americanos cairão em
setembro. Se antes a discussão era sobre se o Fed cortaria os juros, agora já
se debate a magnitude do corte iminente. Em tese, a queda das taxas nos EUA é
boa notícia para o Brasil, mas o persistente desafio fiscal do País e, mais
recentemente, a própria comunicação do BC brasileiro podem retardar esse
impacto positivo.
E o que não tem faltado é confusão, desde as
inúmeras críticas do presidente Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto –
acusado, entre outras coisas, de não ter sensibilidade e de prejudicar o País
ao manter os juros altos –, até o ruído causado pela decisão dividida do Copom
em maio, quando os quatro diretores indicados pelo atual governo votaram por um
corte de 0,50 ponto porcentual (na ocasião, a Selic foi reduzida em 0,25 ponto
porcentual, para os atuais 10,50%). De uns tempos para cá, o Banco Central foi
calibrando o discurso para demonstrar não apenas coesão – na reunião de julho o
Copom votou unanimemente pela manutenção dos juros –, mas também a certeza de
que subirá a Selic caso os indicadores econômicos justifiquem tal decisão.
Nos últimos dias, Gabriel Galípolo, tido como
provável sucessor de Campos Neto na presidência do BC, vem dando reiteradas
declarações de que a autoridade monetária não será leniente no combate à
inflação – a estimativa para o IPCA no boletim Focus mais recente
subiu de 4,22% para 4,25% em 2024 –, reforçando posicionamentos de outros
membros do BC, inclusive Campos Neto. Se, por um lado, o comprometimento dos
integrantes do Copom com uma transição de poder harmônica – e, mais importante,
com o combate à inflação – é em geral positivo, parte do mercado também vê nas
declarações “realistas” de Galípolo uma armadilha.
Ao sinalizar que o BC subirá os juros,
Galípolo consolida tal expectativa entre os agentes de mercado. Se em setembro
– quando o Copom, como o Fed, se reúne – não houver uma elevação da Selic, a
credibilidade da autoridade monetária brasileira pode sair arranhada,
exatamente o oposto do que Galípolo parece buscar com suas declarações.
Em evento no Piauí, ao comentar a resiliência
maior da economia brasileira ilustrada pelas constantes elevações de previsão
do PIB e pela queda do desemprego, Galípolo afirmou que “o BC ficou dependente
de dados”. Tal como a decisão sobre os juros deve ser ancorada nesses dados, a
comunicação dos membros do BC também deve nortear-se por eles. Que a
comunicação então encontre nos dados um bom conselheiro.
A extensão do benefício que a iminente queda
de juros nos EUA em setembro renderá ao Brasil dependerá, em larga escala, da
mensagem que o BC adotar, também em setembro, quando anunciar sua própria
decisão de política monetária. Quanto mais técnicas forem a decisão e a
comunicação, melhor.
Ação conjunta é urgente para o Brasil em
chamas
Correio Braziliense
Não é mais possível postergar a execução das
medidas necessárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, muito
menos deixar na gaveta o pacto pela transformação ecológica assinado pela
cúpula do Executivo, Legislativo e Judiciário na semana passada
Os integrantes dos Três Poderes no âmbito
federal, distante centenas de quilômetros da Amazônia, do Pantanal
Mato-grossense, sentiram, no fim de semana último, os efeitos das queimadas
espalhadas nas regiões Centro-Oeste, Norte e em São Paulo (Sudeste). Os rios
voadores não trouxeram água, mas fumaça perturbadora, produzida pelos focos de
incêndio em 16 das 27 unidades da Federação, que também surpreendeu cidadãos
comuns. Uma mensagem de que não é mais possível postergar a execução das
medidas necessárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, muito
menos deixar na gaveta o pacto pela transformação ecológica assinado pela
cúpula do Executivo, Legislativo e Judiciário na semana passada.
Hoje, o patrimônio natural arde e suprime a
integridade dos biomas do país, afetando a oferta de água, pondo em risco a
fertilidade do solo e eliminando elementos da fauna. Fenômenos como as
enchentes que destruíram cidades inteiras no Rio Grande do Sul, as recorrentes
tragédias na região serrana do Rio de Janeiro e a seca dos rios na Amazônia,
uma área cortada pelo maior curso d'água do planeta, não deixam dúvidas de que
as mudanças climáticas se tornaram a nova realidade do planeta. As teses
negacionistas se perdem em meio aos tornados, às chuvas torrenciais, ou entre
os ciclones.
Tanto as cidades quanto o meio rural estão
ameaçados. Tornou-se urgente a união dos Três Poderes e de todos os demais
segmentos da sociedade, levando em consideração o que recomendam os cientistas
e outros profissionais dedicados ao meio ambiente, para a construção de
políticas públicas sustentadas pela ciência e pelo respeito ao patrimônio
natural. As diferentes bancadas, que representam segmentos como ruralistas,
educadores, economistas e da saúde, têm de considerar que a natureza, com toda
a sua complexidade, não tem ideologia política. A preservação do meio ambiente
por meio de um relacionamento amistoso com todos os biomas é requisito básico
para preservar a vida humana.
"O Titanic bateu no iceberg não porque o
capitão não o tenha visto. Mas por inércia no uso do maquinário para desviar o
navio do iceberg. O que os cientistas, climatologistas e ambientalistas têm
feito é avisar que é preciso desviar o planeta do iceberg", alertou o
professor Reuber Brandão, biólogo graduado pela Universidade de Brasília (UnB)
e doutor em ecologia, em entrevista ao CB.Poder, nesta segunda-feira. Ainda há
tempo de dar novo rumo ao planeta, desviando-o do ponto de não retorno, lembrou
ele.
A política ambiental brasileira foi muito
maltratada nos últimos anos. Órgãos de fiscalização, como o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e outros que fazem interface com o
tema foram desmontados. Ocorreram perdas de técnicos e retração no
orçamento — impedindo a aquisição de equipamentos e o custeio de incursões em
áreas ameaçadas pelos invasores e predadores.
É um cenário que comprometeu, e compromete, o
cumprimento das respectivas missões desses órgãos. Nos últimos oito meses,
foram registrados 5.280 focos de incêndios no país, sendo 1.886, na última
sexta-feira, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em São
Paulo, foram 48 focos de incêndio, em cidades distintas e quase
simultaneamente. A coincidência levou a ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, a suspeitar de que se tratou de uma ação premeditada e a solicitar uma
investigação da Polícia Federal.
Um pacto verdadeiro pela transformação ecológica do Brasil não deve ser conduzido por ideologias, interesses pessoais ou de grupos. O acordo, para ser cumprido, tem, necessariamente, de entender a natureza como bem coletivo, que precisa ser preservado sem coloração partidária. A sua construção deverá ter como pilares as orientações da ciência, dos diversos profissionais que se dedicam à preservação da vida na natureza, inclusive a humana.
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