Valor Econômico
Polarização tem repercussões perigosas para a
política econômica: polui a capacidade do governo de ler “sinais” do setor
privado e aumenta a ânsia de evitar a vitória dos adversários
Ainda há muitas dúvidas e críticas sobre a
direção da política econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Mas os últimos dois meses trouxeram sinalizações construtivas.
Depois de uma escalada de incertezas sobre a
condução da política fiscal e monetária (em grande medida exacerbada por falas
do próprio presidente) que fez o dólar disparar de R$ 5,15 para mais de R$ 5,60
entre maio e o início de julho, o governo começou a tentar arrefecer a crise de
confiança do mercado.
Primeiro, anunciou, no dia 4 de julho, um corte de R$ 26 bilhões em gastos permanentes. Em seguida, contingenciou outros R$ 15 bilhões para cumprir a meta fiscal deste ano. Agora, sinaliza que pode anunciar uma nova rodada de contingenciamento em setembro para atingir essa meta.
Mas a sinalização mais construtiva no último
mês veio da política monetária: Lula parou de criticar o Banco Central e a taxa
Selic desde o início de julho, e os diretores do banco indicados por ele
endureceram seus discursos. Depois que o Comitê de Política Monetária do BC
votou de forma unânime por manter os juros inalterados em duas reuniões
seguidas, o diretor de Política Monetária Gabriel Galípolo repetiu que está
disposto a aumentar a taxa para cumprir a meta de inflação de 3%.
Esse movimento mostrou que o presidente é
sensível à crise de confiança do mercado - e, ao mesmo tempo, que o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, mantém sua confiança. Haddad e vários assessores
palacianos alertaram Lula para o perigo da desvalorização do real, que levaria
a mais inflação, juros mais elevados e queda no crescimento econômico - fatores
que poderiam ameaçar sua reeleição em 2026. Diante desse risco, ele aceitou
embarcar em uma agenda modesta de corte de gastos e manter o compromisso com a
meta fiscal de 2024.
A sensibilidade de Lula a esses argumentos
sugere que ele continua vendo a inflação baixa como uma pré-condição para seu
êxito político. Esse diagnóstico marcou seus dois primeiros mandatos, e segue
válido. Também mostra que suas críticas à política monetária não foram pautadas
só pelo desejo de baixar artificialmente os juros para impulsionar o
crescimento econômico, mas por sua percepção sobre o atual presidente do banco,
Roberto Campos Neto. O Palácio do Planalto e a cúpula do Partido dos
Trabalhadores veem o executivo, indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro, como um “inimigo dentro do governo” - e suspeitam profundamente de
qualquer decisão de política monetária mais dura tomada por ele.
Isso sugere que o Planalto vai reagir de
forma diferente a decisões duras em política monetária se vierem de alguém em
quem Lula confie. Por isso, é bem provável que ele indique Galípolo para
suceder Campos Neto - mesmo após seus votos pela manutenção da Selic, e ainda
que seu discurso seja mais duro. O próprio presidente disse publicamente que
não vai indicar alguém que apenas vá seguir seus desejos, e que essa pessoa
terá liberdade para tomar decisões com as quais talvez não concorde.
Por outro lado, essa “virada” construtiva
mostrou que o presidente e governo seguem altamente influenciados por um país
profundamente dividido e polarizado - o que é uma má notícia se houver
dificuldades políticas e econômicas à frente.
A reação tardia de Lula à desancoragem de
expectativas e à depreciação de ativos mostrou como ele se aferrou a uma
leitura política de uma questão mais econômica.
A crise de confiança entre o mercado vinha se
alastrando há tempos, impulsionada pela mudança das metas fiscais de 2025 e
2026 em abril e, principalmente, pelo racha na divisão do Copom (entre
indicados por Lula e Bolsonaro) sobre o ritmo de queda da Selic. As
expectativas de inflação foram subindo, e o real depreciando ao longo de maio e
junho.
Presidente e governo seguem altamente
influenciados por um país profundamente dividido e polarizado
Embora Haddad tenha atuado para iniciar uma
agenda de controle de gastos e convencido Lula a publicar um decreto
regulamentando a meta contínua de inflação para contornar a queda de confiança,
o Planalto fazia outra leitura dessa desancoragem. O entendimento era que, se a
economia tinha desempenho melhor do que os economistas projetavam no início do
ano e a inflação estava controlada, a crise de confiança era resultado de um
ataque especulativo vindo de um setor privado conservador, com raízes bolsonaristas,
visando enfraquecer Lula para eleger um candidado de oposição em 2026.
Logo, a primeira reação do presidente foi se
revoltar contra esse “ataque especulativo”, aumentar suas críticas ao BC e
afirmar que não faria um ajuste fiscal às custas de demandas sociais.
Eventualmente, a depreciação do câmbio levou à conclusão de que não importava
se a desancoragem era injusta - e que o governo precisava agir para evitar que
ela se intensificasse.
Mas essa correção de rota demorou - e ocorreu
mais de dois anos antes do pleito presidencial de 2026, e com o Planalto ainda
muito confiante nas chances de reeleição de Lula. Logo, ficou mais fácil para o
ministro da Fazenda argumentar que um ajuste em 2024 facilitará o resultado
eleitoral em dois anos. Foi nesse contexto que Haddad encontrou condições
políticas para reagir com maior responsabilidade fiscal.
Mas se, em 2025 ou 2026, Lula tiver menos
apoio político e sentir sua reeleição mais ameaçada, a reação de seu governo
pode ser diferente. Sua equipe tenderá a enxergar críticas do setor privado ou
depreciação de ativos sob um viés político-eleitoral de um setor privado
conservador visando derrubá-lo. Se, este ano, o ministro da Fazenda conseguiu
convencer o presidente a anunciar medidas que sinalizam maior responsabilidade
fiscal, próximo da eleição e com Lula mais desesperado a pressão será para
aprovar exceções à regra fiscal para garantir a vitória nas urnas.
No atual ambiente político, governo e
oposição enxergam o outro lado como uma ameaça ao estado democrático de
direito. Fica cada vez mais claro que essa situação tem repercussões perigosas
para a política econômica: polui a capacidade do governo de ler “sinais” do
setor privado e aumenta a ânsia de evitar a vitória dos adversários.
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