Valor Econômico
Expectativas desancoradas, câmbio desvalorizado, incertezas fiscais e monetárias e atividade aquecida devem levar o BC a aumentar a Selic nesta semana
O Banco Central (BC) brasileiro deverá começar um ciclo de alta dos juros na quarta-feira, no mesmo dia em que o Federal Reserve (Fed, o BC americano), tudo indica, vai anunciar a redução da taxa básica. A política monetária por aqui, desse modo, tende a ir na contramão do movimento dos juros nos EUA e de outras economias avançadas, como a zona do euro. A avaliação dominante é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) não será agressivo no aumento dos juros, que já partem de um nível elevado, apesar de o BC ter cortado a Selic de 13,75% para 10,5% ao ano entre agosto de 2023 e maio de 2024.
Pelo consenso do mercado, a taxa subirá 0,25
ponto percentual. Esse novo ciclo de alta da Selic deve frear em alguma medida
a atividade econômica, afetando o investimento, por exemplo, e contribuir para
alguma valorização do câmbio, por aumentar a diferença entre os juros externos
e internos.
Um fator que pode tornar o cenário mais
complicado é o impacto da seca que atinge o país. Como observam os economistas
da LCA Consultores, a estiagem severa deste ano, “num contexto em que os níveis
de precipitação vêm caindo há mais de década, tem potencial para representar um
significativo choque negativo de oferta - com efeitos, ao mesmo tempo, de
aumento da inflação e de redução do crescimento do PIB”. A expectativa da LCA,
em relatório, é de um ciclo de alta moderado da Selic, limitado a 1,5 ponto percentual,
o que levaria a taxa a 12%, num quadro “em que a política monetária doméstica
já se encontra em terreno restritivo e as políticas monetárias nas economias
centrais estão começando a ser flexibilizadas”.
O ponto da consultoria é que o grau de
incerteza em torno das previsões para os juros segue elevado, e aumenta com o
agravamento dos riscos climáticos. No caso da energia elétrica, a seca levou à
mudança da bandeira tarifária de amarela para vermelha a partir de setembro.
Além disso, os preços de alguns alimentos deverão ficar mais pressionados pelo
impacto da estiagem. A política monetária não deve combater diretamente choques
de oferta, mas é preciso ficar atento aos efeitos secundários - se haverá impacto
em outros preços e nas expectativas de inflação. É, em resumo, um fator que
eleva a incerteza.
O novo ciclo de alta da Selic se deve, aliás,
em boa parte a incertezas, que levaram as expectativas de inflação a se
distanciar da meta perseguida pelo BC, de 3%, e a pressionar o câmbio. As
contas públicas são a principal fonte de indefinição. O arcabouço fiscal não
estabiliza a dívida pública como proporção do PIB e o governo segue sem um
plano para enfrentar a expansão dos gastos obrigatórios. Também há dúvidas
sobre como será a política monetária a partir de 2025, quando Roberto Campos
Neto será substituído por Gabriel Galípolo na presidência do BC.
Para tentar mostrar o compromisso com o
regime de metas de inflação, Galípolo, atual diretor de política monetária da
instituição, deu declarações duras há algumas semanas, depois em parte
suavizadas. De qualquer modo, as falas de Galípolo e de Campos Neto apontam
para uma alta dos juros. Na visão da maior parte dos analistas, o aumento será
de 0,25 ponto percentual.
Além das incertezas fiscais e monetárias, o
aquecimento da atividade econômica é um dos fatores que levam os analistas a
esperar um novo aumento dos juros. O mercado de trabalho segue robusto e há uma
retomada do crédito. A política fiscal também tem sido muito expansionista,
especialmente por meio de transferências de renda. A avaliação, porém, é que o
emprego e a renda vão perder algum gás, ao mesmo tempo em que haverá alguma
desaceleração nos gastos públicos nos próximos meses.
A inflação, por sua vez, está próxima do teto
de intervalo de tolerância da meta, de 4,5% - nos 12 meses até agosto, por
exemplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 4,24%.
O quadro inflacionário, contudo, não é explosivo. O resultado do IPCA do mês de
agosto trouxe boas notícias, como a desaceleração dos serviços e dos núcleos,
as medidas que buscam reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis.
As projeções, no entanto, mostram que o indicador ficará acima da meta de 3%. A
LCA projeta um IPCA de 4,4% em 2024 e de 4% em 2025.
Na visão da maior parte dos economistas, esse
conjunto de fatores justifica um ciclo de aumento da Selic. Mas é importante
ter em mente que a taxa parte de um nível já elevado - uma Selic de 10,5%
significa um juro real de 6,3%, descontando a inflação esperada para os
próximos 12 meses, enquanto a taxa real de um ano está em 7,5%. Além disso, os
juros deverão começar a cair nos EUA e já recuaram na zona do euro, o que vai
aumentar ainda mais diferença entre as taxas internas e externas. Para
completar, o mercado de trabalho deve ser menos exuberante daqui para frente e
o estímulo fiscal deverá ser menor. Nesse cenário, não faz sentido um aperto
monetário muito forte e prolongado. Um ajuste moderado pode contribuir para
valorizar um pouco o câmbio e deter ou reverter em parte o processo de piora
das expectativas de inflação, combinação que pode melhorar o cenário para o
IPCA. Movimentos mais fortes de queda do dólar e das estimativas para a
inflação, porém, exigiriam uma redução mais expressiva das incertezas sobre as
contas públicas e sobre a atuação do BC a partir de 2025.
Em resumo, uma alta mais forte da Selic não
parece necessária e não está no radar dos analistas. Se houver a colaboração do
governo no front fiscal, o aperto monetário poderá ser mais breve e não
atrapalhar, ou atrapalhar menos, a retomada que o investimento começa a
esboçar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário