Rio de Janeiro, Ateliê de Humanidades, 2023.
INTRODUÇÃO
O presente livro se propõe a interpelar a sociedade e o modo como vivemos, privilegiando alguns de seus aspectos principais, hoje submetidos a amplo debate público. Não pretende oferecer uma teoria abrangente, que dê conta dos múltiplos aspectos da vida como ela é. Trata-se de um ensaio. Não há nele nenhum estudo de caso. Poderei me deixar sensibilizar pelos fatos que transcorrem em meu país, o Brasil, mas o interesse não estará aí. Meu propósito é assumidamente modesto e circunscrito: chamar atenção para certos gargalos que asfixiam a vida atual e sugerir caminhos para compreendê-los.
No centro dos capítulos que se seguirão está
a questão da democracia. Trata-se de uma escolha sustentada pela convicção de
que não teremos um futuro promissor sem arranjos democráticos sustentáveis.
Podemos e devemos discutir de “qual democracia” estamos a falar, que peso
deverão ter nela os princípios liberais e socialistas, de que modo será feita a
participação dos cidadãos, se os partidos políticos devem ter maior relevo do
que as redes sociais, qual o melhor regime para a tomada de decisões, e assim
por diante. Mas não há como renunciar à democracia como valor estratégico. Sem
isso estaremos sempre a um passo da escuridão autoritária.
Somos protagonistas de uma grande transição.
Ela se estrutura sobre três eixos dominantes: (a) a vida nacional se
globalizou; (b) o capitalismo industrial se converteu em capitalismo
informacional; e (c) a modernidade se radicalizou e se tornou hipermodernidade.
Cada um desses eixos tem repercussões fortíssimas no dia-a-dia, na organização
social, nas formas da política, no Estado, na economia e na cultura, no corpo e
na alma das pessoas.
Nos diferentes capítulos do livro, pretendo explorar a hipótese de que essa grande transição está se materializando mediante o avanço de alguns processos perturbadores: a fragmentação, que problematiza a coesão e o pacto social; a individualização, que exacerba o distanciamento entre os indivíduos e os grupos de referência; a aceleração, que altera o ritmo existencial; e a digitalização, que modifica o modo como interagimos uns com os outros e nos relacionamos com a tecnologia.
O transcorrer desses processos assemelha-se a um vulcão que entra em erupção e, ao fazê-lo, libera uma lava que corrói as defesas sociais e existenciais. Vulcões, como se sabe, não liberam somente lava, mas também fumaça, poeira, vapor e pedra, que descem enlouquecidamente por suas laterais. O calor por eles produzido é insuportável. Emitem toneladas de gás e partículas finas que permanecem suspensas na atmosfera durante anos, formando uma neblina que não se vê a olho nu, mas que tem efeitos catastróficos. Empregá-los como metáfora significa dizer que o mundo atual está sendo atacado por múltiplos desastres.
Os processos em curso se desorganizam e se
reorganizam, fazendo com que a vida seja vivida como se estivesse em ebulição
permanente. Por estarem em plena eclosão, convivem com restos de épocas
pretéritas e ainda não deram origem a novas rotinas e instituições. Donde a
sensação de insegurança e incerteza prevalecer em cada um de nós. Donde as
crises sucessivas e as dificuldades governamentais, o declínio dos partidos
políticos e os problemas de realização da democracia.
Escrito entre maio de 2022 e maio de 2023,
este não é um livro acadêmico. Foi pensado para o grande público, leitores não
especializados e pessoas interessadas em compreender a vida atual. Nasceu
carregando uma inquietação e um desejo de diálogo e comunicação.
Nossa época é estranha. Todas as épocas
talvez sejam assim: quem vive nelas sempre tem a sensação do inusitado, de algo
que não se manifestou antes, de que seu tempo é diferente dos anteriores. Mas a
nossa é paradoxal demais. Encanta e assusta. Confunde, perturba, excita. Parece
vazia de esperança e otimismo, como se não conseguíssemos enxergar o quanto
avançamos e temêssemos o que nos aguarda à frente.
O estranhamento vem em pílulas. Um belo dia, percebemos que há algo esquisito no mundo que nos cerca, algo que parece não encaixar. A sensação surge no modo como consumimos, como processamos informações, como nos relacionamos com a cultura, o entretenimento e a inovação. Nossos gadgets (televisores, celulares, computadores, tablets, traquitanas eletrônicas) envelhecem antes mesmo de serem utilizados. A linguagem muda, movida a memes e neologismos. Os pais se surpreendem com o comportamento precoce dos filhos, com a demora deles de amadurecer, com o jeito como tratam a escola, o estudo, o emprego, o futuro. Formas aberrantes de violência e discriminação chegam-nos ao conhecimento dia após dia.
São pílulas que se esparramam e nos
angustiam.
Atravessamos dois anos de pandemia, mas hoje, na metade de 2023, não é certo que tenhamos absorvido, assimilado e compreendido o impacto do coronavírus sobre nossas vidas e nosso mundo. Sabemos muito mais a respeito de ataques virais, temos vacinas e medicamentos para combatê-los, mas faltam-nos políticas sanitárias, coordenação e cooperação mundiais. Dentro de cada país, as orientações seguem ritmo próprio. Na pandemia, houve de tudo: solidariedade e negacionismo, cuidados e desleixo. Muitos governos e muitas lideranças, por exemplo, usaram o vírus para açular seus cidadãos e lhes vender falsas ilusões.
Vivemos em sociedades sempre mais abertas,
individualizadas, repletas de opções. Os lugares já não estão mais demarcados.
Há muita mobilidade. As forças subterrâneas e as instituições que organizavam
os espaços sociais, as posições, os modos de pensar e se comportar, perderam
vivacidade, tornaram-se opacas, sem poder de coesão ou de imposição.
Há margens maiores de liberdade e autonomia. Podemos escolher como viver a vida. Nem sequer percebemos as orientações que, em silêncio, insidiosamente, valendo-se de algoritmos e estratégias de marketing, modulam e padronizam os comportamentos coletivos, onde quer que estejamos. Vivemos em sociedades de massas e de indivíduos, autônomos mas homogeneizados, em boa medida controlados. Não há exagero na hipótese de Shoshana Zuboff de que estamos imersos em uma “era do capitalismo de vigilância”, na qual redes sociais, empresas e aplicativos têm mais poder do que muitos Estados nacionais. É uma era que problematiza a democracia e exige sua defesa permanente.
Mistura-se a isso a enxurrada de notícias
falsas que recebemos. Agindo simultaneamente com as informações que temos de
processar diariamente, querendo ou não, a desinformação forma uma massa tóxica,
que nos perturba e nos rouba sabedoria. A informação desvirtuada e o excesso de
informações ajudam a que se forme uma cortina de fumaça que contamina e cega.
E o que dizer da multiplicação de lideranças autoritárias, cujas atitudes e estratégias minam os valores democráticos e manipulam parcelas importantes da população? Há governantes que governam contra seu povo, outros que combatem o sistema eleitoral de seu próprio país, depois de terem dele se beneficiado. Chegam ao poder embalados por mentiras e falsas expectativas, vestem-se de nacional-populistas e se dedicam a introduzir medidas reacionárias no plano da moral, dos costumes e das políticas sociais. Agridem a imprensa, rasgam Constituições, esvaziam instituições concebidas para proteger a democracia e as liberdades. Dividem a sociedade e constroem muros para separar “bons” e “maus”. Tudo é ressignificado e deformado por eles.
Nossa época não está sendo caracterizada por
uma onda de bons políticos, daqueles que reúnem carisma, postura de estadista,
convicções, firmeza, elegância, capacidade analítica, conteúdo programático e
boa comunicação. Há muitos apelos populistas, à esquerda e à direita, pouca
atenção para as transformações em curso. Juntamente com as elites (políticas,
intelectuais, empresariais, artísticas), os representantes do povo parecem confusos,
concentrados em seus interesses particulares e na captura de votos. Nem sequer oferecem
sonhos e fantasias razoáveis. Ficaram tomados pelo pragmatismo e pelo realismo duro.
Vivemos em redes. A cada dia, mais pessoas caem nelas, voluntariamente, cedendo a seus encantos e facilidades. Redes são prisões ou estradas para a liberdade? Isolam-nos em bolhas e nos roubam do contato com o mundo exterior, alienando-nos? Ou são estratégias de sobrevivência, lugares de fuga de uma realidade sempre mais difícil de ser suportada e compreendida?
O que há de pernicioso, alienante e
dispersivo nas redes pode ser, sem muita dificuldade, contraposto ao que elas
trazem de retomada de contatos e de manutenção de uma conversação frugal que
também faz parte da vida. Estar em redes é usufruir de uma fonte de contatos e
oportunidades, é adquirir uma visibilidade que, bem dimensionada, nos retira da
privacidade excessiva e da individualidade fechada. É poder trabalhar com maior
agilidade e viver como “nômades digitais”, para quem o lugar e a localização não
são indispensáveis. É poder interagir e dialogar com públicos amplos. É fazer
política de um modo novo.
Em nossa época, há mais liberdade e mais
igualdade, mas também enfado, repetição, cansaço. Podemos compreender as razões
disso. Cada indivíduo tem de traçar seus próprios caminhos existenciais,
construir as “narrativas” com que se insere no tecido social e nos ambientes de
convivência. As pessoas fazem isso no silêncio de seus quartos, nas interações com
os outros e sobretudo nas redes sociais, que exigem posicionamentos contínuos, embaralham
as cartas do pensamento e subvertem valores e verdades estabelecidas. O ciberespaço
superpõe-se às atividades presenciais, físicas, que perdem visibilidade e ficam
menos importantes. A frenética interação digital ajuda a deixar as pessoas sem
suportes existenciais seguros.
Nossas sociedades ficaram inapelavelmente
mundializadas: interagem com um mundo que está estruturado, mas não regulado ou
controlado politicamente. Já não temos uma guerra fria entre Estados Unidos e
União Soviética, como houve até 1991. Aquele sistema internacional conseguia gerar,
por vias tortas, algum equilíbrio e certa estabilidade. O mundo atual, repleto
de crises, conflitos e tensões, gira em falso, desgovernado. Parte dos problemas
decorre do próprio capitalismo e dos regimes econômicos dominados pela financeirização.
Outra parte deriva da irrupção política de forças de extrema-direita, regra geral
populistas, que se dedicam a questionar a democracia liberal e a mobilizar as populações
contra o “Ocidente”. No Leste Europeu, essa configuração de alguma maneira gira
em torno da Rússia de Putin, desejosa de recuperar sua posição imperial. Outros
conflitos vêm da ascensão da China como potência global. Só que, agora, as
disputas entre as potências não têm mais uma roupagem ideológica (tipo
capitalismo vs. socialismo), organizam-se no terreno da supremacia econômica,
comercial, tecnológica, além de se distribuírem no eixo democracia-autocracia.
O que também abala a paz e a harmonia entre as nações, além de servir de
alimento para exacerbações nacionalistas e étnicas.
O mundo globalizado arrasta indivíduos,
grupos, Estados e empresas para um mesmo circuito de conexão. Cria uma sensação
de pertencimento cosmopolita, que, no entanto, permanece em um plano mais
abstrato do que concreto. Todos sabem que integram um só mundo, mas cada um
cuida mais de seus próprios interesses do que de um generoso interesse comum.
A hiperconectividade abre mil portas em
termos de comunicação e conhecimentos, mas cria, simultaneamente, fantasias
igualitaristas, como se estivéssemos todos inseridos do mesmo modo nas searas
digitais que frequentamos. A liberdade não é igual para todos, assim como não
há igualdade em termos de renda, de possibilidades de escolha e de oportunidades.
As épocas humanas sempre foram ricas em desigualdades. Não é diferente com a
nossa. Hoje, elas são exuberantes, acachapantes. Atingem os mais variados
aspectos da existência humana: a qualidade e a expectativa de vida, a posse de
bens e propriedades, a higiene e a saúde, os efeitos climáticos e ambientais, a
educação, a paridade de gêneros, a educação, os direitos, a justiça, a renda, a
cultura. Não há, a rigor, nada que seja distribuído de modo justo.
A percepção disso pesa como uma rocha sobre
os ombros de cada um de nós, independentemente do nível de consciência crítica
que tenhamos da realidade. Tira-nos o fôlego, rouba-nos a esperança, sem que
consigamos nos dar conta. Sentimo-nos incomodados pelas atrocidades diárias,
pela miséria, pela violência, pela fome, pelo desemprego, pelos deslocamentos
populacionais, por guerras insensatas, pelo descaso público, pela falta de
civismo e generosidade, pela truculência. Transitamos pela vida tentando não
tropeçar nessas armadilhas, que incomodam, deprimem, geram indiferença. Em
termos morais e emocionais, o mal-estar é corrosivo.
Hoje temos de responder a perguntas
incômodas. Antes de tudo, desejamos continuar a viver de modo tecnológico,
digital, em redes? Prosseguiremos aceitando o domínio do mercado? Continuaremos
a assistir sem reação à destruição do planeta, ao aquecimento global, à crise
climática? Como estamos assimilando as postulações identitárias e as lutas por
reconhecimento? Que pensar diante do avanço das máquinas inteligentes, da
Inteligência Artificial? Temos algum poder de escolha? Temos à disposição um
modelo alternativo de “boa vida” e “boa sociedade”? A democracia
institucionalizada está nos ajudando? Estamos cooperando o suficiente?
Podemos reunir essas perguntas aos problemas dramáticos do mundo em que vivemos: a guerra russa na Ucrânia, o desmatamento da Amazônia, o desrespeito desumano pelos povos originários, a violência generalizada, a crise econômica recorrente, o desemprego, o desentendimento, as polarizações que abalam a democracia, a fome que assola muitas regiões, as desigualdades que não cessam de se reproduzir, as inúmeras manifestações de ódio e soberanismo. A esperança fica impotente diante de tanto descalabro. O conhecimento também.
Os temas e problemas desse modo angustiante
de vida compõem um elenco que não tem obtido respostas cabais, categóricas, que
expliquem a realidade social como um todo articulado, cujas partes e segmentos
dialogam entre si, como um complexo de complexos, sistemas e subsistemas
entrelaçados. Temos de compreender as razões dessa lacuna. Épocas de
transformação rápida, de transições sistêmicas, de metamorfoses, não são épocas
de fácil tradução teórica. As ciências sociais também se postam com espanto
diante dessa realidade mutante, que escapa de modelos, esquemas interpretativos
e conceitos. O caráter fluido e fragmentado da vida chega mesmo a vetar
construções teóricas abrangentes, empurrando os cientistas sociais para a
especialização e a compartimentação.
A dificuldade de compreender o presente embaça o futuro e força o olhar para trás, como um esforço para, quem sabe, deslindar épocas em que a maior simplicidade estrutural fornecia bases mais sólidas de segurança. O medo e a perda do futuro latejam em cada um de nós, ferindo particularmente os jovens, que têm uma vida pela frente mas não dispõem de mapas confiáveis para delinear o que virá para além do agora imediato. Agarram-se ao presente que lhes dá alguma orientação e com isso deixam de construir utopias realistas que poderiam movê-los mais além. Protestam, reclamam, esperneiam, agitam as agendas, produzem ruídos críticos e novos direitos: de algum modo são atores relevantes, que irrompem no palco sem um roteiro claramente concebido. Rejeitam a política tradicional, politizam-se pelas redes, ocupam praças e ruas, mas não conseguem passar para o campo político institucionalizado.
Na outra ponta, a valorização ingênua de
épocas pretéritas, tidas como mais palpáveis e “ordenadas”, faz com que
integrantes das velhas gerações sejam capturados por ideologias e narrativas
reacionárias, quase sempre impulsionadas pela desinformação. A operação também
seduz os ressentidos, os que se julgam castigados pelas injustiças sistêmicas
ou por escolhas governamentais. Há um gatilho de raiva disparando toxinas sobre
os cidadãos.
As aceleradas mudanças tecnológicas, sociais,
culturais e ecológicas dificultam a compreensão da realidade complexa, pondo em
xeque as estratégias educacionais até então seguidas. Os jovens passam a ficar expostos
a uma espécie de “desorientação” geral, com pouca privacidade, quase nada de
proteção institucional e muita ilusão comunicacional.
Nossa época está repleta de recursos para
alavancar um novo tipo de Iluminismo – um pós-Iluminismo, que não mais
celebrará o império unilateral da racionalidade e do progresso. O conhecimento
acumulado é fabuloso. Já não é mais hegemônica a visão que pregava a submissão unilateral
da natureza aos desígnios humanos. Hoje, há mais compreensão do valor
intrínseco da diversidade cultural, mais respeito pelas culturas originárias. A
sustentabilidade é uma ideia que se generaliza, assim como a preocupação com um
trato não destrutivo da natureza. A tecnologia da informação, que avança aceleradamente,
mostra sua utilidade estratégica em diversos setores, da economia à gestão pública,
do ensino à democracia.
A democracia permanece como valor e
aspiração, mas não goza de prestígio inconteste quando passa para a vida
política prática, aquela na qual atuam os governos, os partidos políticos, os
Estados-nacionais, as burocracias públicas, as grandes empresas. A situação é
tão complicada que é como se a democracia atuasse de algum modo contra ela mesma:
eleições se sucedem, mas os governos governam pouco e mal, muitas decisões são tomadas
longe do olhar público, as oligarquias se reproduzem, sacrificando os destinos coletivos.
Há no ar mais frustração do que confiança.
Vivemos pressionados, com futuros incertos. A
tranquilidade e a serenidade não são companheiros da viagem que somos obrigados
a fazer dia após dia. Essa pressão despenca sobre cada um de nós em função de
múltiplas exigências: a obtenção de sucesso, a busca de reconhecimento dos
próprios direitos e da própria dignidade, a conquista de renda e emprego, a
produtividade, a competição, a felicidade, a eliminação das desigualdades.
Minha convicção é que a política é o
principal recurso que possuímos para construir saídas coletivas. Ela, hoje,
está igualmente sufocada pelas transformações aceleradas que reviram a vida.
Faltam-lhe bases sólidas de sustentação, que lhe deem ao mesmo tempo sinalizações
e referências. Faltam-lhe, também e sobretudo, programas de ação, atores organizados
e lideranças. O mundo está sem estadistas e dentro de cada país o que prevalece
são líderes de baixa consistência, governos erráticos e pouco produtivos.
Uma mudança de rota é nossa boia de salvação. É onde estamos hoje: mudar ou sofrer, quem sabe perecer. Uma “política de civilização”, que também seja uma política de civilidade, é o caminho sugerido por Edgar Morin para resistirmos às catástrofes anunciadas, a corrosão da democracia, a violência, as epidemias virais, as guerras, a desigualdade, a fome, a emergência climática, o desemprego, as manifestações de ódio, as polarizações improdutivas. O descalabro é tão grande que parece faltar frestas por onde escapar. Temos de aprender a “não ignorar as nossas ignorâncias” e a não perder a esperança e a paixão pela diversidade.
Há processos de longa duração em curso, que
pedem cautela analítica. Vivemos um tempo de metamorfoses e assimilações.
Estamos sendo forçados a incorporar novos processos aos nossos cálculos
existenciais. Precisamos recuperar sabedorias básicas, fundamentos da
convivência, da educação, da saúde, da higiene. Fazer com que o diálogo volte a
prevalecer sobre a defesa categórica de posições, a generosidade afaste o ódio,
a paciência vença a raiva.
Estamos encharcados de informações e
melhoramos nosso entendimento de inúmeras coisas que antes nos intimidavam e
assustavam. Distanciamo-nos da aceitação passiva dos problemas que nos
desafiavam. Aperfeiçoamos nossa compreensão de que o passado ficou no passado,
como uma concha que nos explica de onde viemos, que modela parte importante da
vida mas que não determina tudo e está sendo literalmente varrido pelo processo
de transformação em curso. Aquilo que era sólido se dissolveu no ar. Intuímos
que nada mais será como antes, tamanha é a percepção de que as mudanças, as
descobertas, as novidades científicas e tecnológicas, os novos valores se
impõem a cada um de nós, sem apelação. É uma situação que assusta e desorienta,
turbinada pelo volume avassalador de informações. O fato é que não sabemos como
desvendar o futuro, que se aproxima velozmente, impulsionado pela aceleração
geral, pela rápida inovação tecnológica e científica.
Os capítulos deste livro pretendem fornecer uma visão organizada de alguns dos principais temas que estão em discussão. A expectativa é que se possa desenhar uma agenda reflexiva.
O drama que se descortina no palco não é
animador. Mas a história é sempre um espocar de contradições, avanço e
retrocesso, paralisia e transformação. Não estamos partindo do zero. Quando
olhamos o conjunto da obra, temos muito que comemorar. Em períodos de
transições aceleradas, como são os nossos, o perigo nos ronda o tempo todo, oportunidades
se abrem e se fecham. Estamos aprendendo a viver sob pressão e com futuros incertos.
Novas perspectivas e novos abismos se anunciam sem que tenhamos pontes para atravessá-los.
No entanto, a capacidade humana de reação – o
homem é um ser que responde às suas circunstâncias – impede que fechemos os
olhos para o que já foi conquistado e para a vida que flui. Ela pulsa nas
batalhas cotidianas pela felicidade e nas lutas pela liberdade, pela democracia,
pelo futuro.
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