É imperativo o combate a fraudes no auxílio-doença
O Globo
Explosão na concessão do benefício com novo
aplicativo não se explica apenas pela demanda represada
Toda medida para reduzir a burocracia na concessão de serviços à população é bem-vinda. Mas é fundamental que não abra brechas para fraudes. A partir de maio de 2023, a Previdência lançou o Atestmed, um aplicativo que facilita a obtenção de auxílio-doença para segurados do INSS. O novo serviço permitiu a 1,5 milhão obter o benefício apenas com o atestado médico, sem esperar a perícia médica. Em consequência, os gastos com auxílio-doença dispararam. Em 2022, antes do Atestmed, somaram R$ 27,6 bilhões. No ano seguinte, aumentaram para R$ 33,4 bilhões. De dezembro de 2022 a julho de 2024, os benefícios concedidos cresceram 57%, de 1,08 milhão para 1,69 milhão. Mantida a tendência, as despesas com auxílio-doença alcançarão R$ 40 bilhões neste ano.
Não está em questão a importância do
benefício, essencial para o sustento de quem está afastado do emprego, dos
desempregados ou de autônomos com enfermidades ou vítimas de acidentes que os
impeçam de trabalhar. Muito menos a necessidade de agilizar a concessão para
quem tem direito ao auxílio e antes permanecia meses à espera da perícia. Mas a
explosão nas concessões e pagamentos não pode ser explicada apenas pela
liberação da fila antes represada. De acordo com o ex-presidente do INSS
Leonardo Rolim, o fluxo de benefícios tem se mantido alto, traduzindo não
apenas a liberação do estoque represado, mas provavelmente fraudes e pagamentos
indevidos.
Há algo de errado em medidas que, a pretexto
de simplificar processos, eliminam etapas essenciais para sua lisura, caso da
perícia médica. A defesa do Atestmed por técnicos da Previdência sustenta que
ele economizaria recursos, pois, ao facilitar a liberação do auxílio, evitaria
o pagamento de atrasados corrigidos pela inflação. É um argumento falacioso.
Não existem apenas duas opções: usar o aplicativo ou voltar ao método
burocrático anterior. A melhor alternativa obviamente é aperfeiçoar o Atestmed
para facilitar as perícias.
Estão em estudo medidas sensatas, como
reduzir o prazo máximo de concessão do auxílio pelo aplicativo de 180 para 90
dias (mais que os 70 dias hoje registrados na média). Outra é comparar o tempo
do auxílio concedido pelo Atesmed à média anterior dos benefícios para cada
enfermidade. Se uma fratura costuma justificar 45 dias de afastamento, e o
beneficiário obtiver três meses de licença, seria encaminhado à perícia para
mantê-lo. Outras ideias dessa natureza facilitariam a fiscalização. Hoje os que
mais usam o Atestmed são desempregados, dentro do período de carência de um ano
para pedir o auxílio-doença; autônomos; contribuintes individuais e
trabalhadores rurais. Para esses, os prazos máximos poderão cair para 30 e 60
dias.
O governo só decidiu agir para conseguir
cumprir as metas fiscais. Causa surpresa que evidências tão nítidas de desvios
de fraudes já não tivessem mobilizado o próprio INSS, independentemente da
necessidade premente de equilíbrio nas contas públicas. O dinheiro do Erário
precisa sempre ser despendido com a devida parcimônia, até para não faltar para
quem de fato precisa.
China abre novas possibilidades de integração
para economia brasileira
O Globo
Há oportunidade de diversificar pauta de
exportações desenvolvendo cadeias globais de baixa pegada de carbono
Passados 50 anos do restabelecimento das
relações diplomáticas entre Brasil e China, o comércio entre os
dois países explodiu — e hoje os chineses são nossos maiores parceiros
comerciais. Mas ainda se reproduz o modelo de exportação de matérias-primas e
importação de manufaturados. Não se deve menosprezar a importância para a
economia brasileira da venda de grãos, carnes e minérios à China. Sem o salto
dado pela economia chinesa nas últimas décadas, seria pouco provável que o
agronegócio brasileiro tivesse o tamanho que tem. Mas é preciso pensar também
em melhorar a composição das vendas, com o aumento da exportação de produtos
manufaturados.
No ano passado, a China foi o primeiro país a
importar mais de US$ 100 bilhões do Brasil. No comércio bilateral, o Brasil
obteve um superávit de US$ 51,1 bilhões, mais da metade do saldo comercial do
ano. Soja, minério de ferro, petróleo e celulose compõem grande parcela das
exportações brasileiras. A pauta de importações aos chineses reúne uma
diversidade de manufaturados como eletrônicos, material de escritório ou
geradores elétricos. É importante o Brasil preservar e ampliar os mercados para
a exportação de produtos agrícolas, cuja competitividade é assegurada por
tecnologias avançadas. Mas não pode deixar de lado a venda de bens de maior
valor agregado, protegidos das variações de preços dos mercados de commodities.
Os investimentos chineses no Brasil
aumentaram 33% em 2023 ante 2022, alcançando US$ 1,73 bilhão, segundo o
Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Já houve anos melhores, como 2016 e
2017, quando se aproximaram de US$ 9 bilhões. Mesmo considerando os efeitos da
desvalorização cambial, a partir de 2017 houve queda. Também houve pulverização
dos investimentos por mais projetos. Em 2010, os chineses investiram US$ 12,8
bilhões em 12 projetos. No ano passado, o total se distribuiu por 29
empreendimentos. O Brasil não pode perder a oportunidade de aproveitar sua
matriz energética de baixa emissão de carbono para atrair investimentos
industriais. Fato importante foi a chegada das montadoras chinesas GWM e BYD,
líderes no mercado de veículos elétricos.
De modo geral, o Brasil precisa atrair
projetos industriais que se conectem a novas cadeias globais de produção,
criadas para explorar o mercado mundial de manufaturados com baixa pegada de
carbono. Não é admissível cometer novamente o erro das políticas de
substituição de importações do século passado, com altas barreiras tarifárias
que se eternizam e protegem ineficiência. A chegada das montadoras chinesas
pode servir para criar uma plataforma de exportação que alcance mercados para
além das fronteiras do Mercosul.
O mesmo pode ser feito com outros produtos industrializados. Estamos diante de
mais uma chance de permitir que a economia brasileira aumente a conexão com o
mundo. É assim que se ganha produtividade, criam-se empregos mais qualificados
e se combatem com mais eficácia pobreza e miséria.
Reforma administrativa tem de ser adotada em
todas as esferas
Valor Econômico
Setor público bateu recorde de servidores, com municípios, que tiveram déficit primário em 2023, à frente
A taxa de desemprego no Brasil, no trimestre
encerrado em julho, foi de 6,8%, a menor da série histórica iniciada em 2012. O
setor público teve papel importante nessa estatística: bateu o recorde de
funcionários, atingindo 12,69 milhões de pessoas. As contratações deram um
salto no período: foram criadas 641,1 mil vagas no serviço público, a
esmagadora maioria delas (90%) nos municípios, que tiveram déficit primário em
2023. O aumento de números de servidores municipais no primeiro semestre de um
ano eleitoral está relacionado à legislação (gastos deste tipo não podem ser
feitos no segundo semestre) e a interesses políticos de atração de eleitores. A
situação financeira dos municípios, que piorou no ano passado, deve se
enfraquecer ainda mais com a ampliação dos gastos com pessoal.
O avanço da ocupação do setor público foi
mais modesto na União e nos Estados, avalia Bruno Imaizumi, economista da LCA
Consultores e autor da pesquisa. Entre o primeiro e o segundo trimestres, eles
aumentaram o número de servidores (de todos os tipos: estatutários, CLT e
temporários) em 1% e 1,5%, respectivamente. A demanda seria naturalmente maior
nos municípios, que somam 58,7% do contingente total de servidores da máquina
pública do país, mas a proporção surpreendeu. A alta de gastos com servidores das
prefeituras, interrompidas, como em todo o setor público, durante a pandemia,
quando volumosos repasses de recursos exigiam como contrapartida o congelamento
dos dispêndios com pessoal, foi uma constante nos últimos 14 anos (Valor, 12/9).
Segundo Bráulio Borges, também da LCA, a
ampliação do efetivo de funcionários da União cresceu até 2010 para declinar
nos anos seguintes, com gastos situando-se em pouco mais de 3% do PIB nos anos
recentes, ante mais de 4% na primeira década do século. Desde 2010, as despesas
dos Estados com esse item foram mais ou menos constantes, em torno de 4,3% do
PIB. Nas prefeituras, foi diferente: cresceram de pouco menos de 3,5% do PIB
para 4,3% do PIB.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
estabelece um limite para essas despesas - 54% da receita corrente líquida - e
criou uma série de alertas, inicial, prudencial e máximo, à medida que os
gastos se aproximam do teto permitido. Em 2023, segundo estudo da Confederação
Nacional dos Municípios, 15% das prefeituras (764 das 4.593 da amostra) haviam
passado 48,6% da RCL, 14% (ou 696) estavam no limite prudencial (acima de 51,3%
da RCL) e outras 14% já tinham ultrapassado o teto das despesas com pessoal.
Os gastos com pessoal podem crescer mais no
futuro, ultrapassando o limite da lei atual, se for aprovado no Senado o
projeto de lei 164/12, que já passou pela Câmara dos Deputados com apenas 15
votos contrários. Ele retira das despesas com pessoal os gastos com
terceirização, por exemplo, recursos pagos a ONGs, empresas, cooperativas etc.
Essa brecha havia sido fechada e os dispêndios foram obrigados a constar das
“outras despesas de pessoal”, mas o projeto de lei os exclui do teto.
Há despesas de pessoal que crescem, como
deveriam, com a ampliação dos serviços públicos - no caso dos municípios, com o
progresso dos ensinos infantil e fundamental. Há também a taxa de reposição
natural dos funcionários, com o aumento dos inativos por aposentadoria. Mas
ainda assim o limite prudencial fixado pela LRF deveria ser respeitado, porque
é flexível e razoável. Sem o controle do presente há sobrecarga do futuro. No
ano passado, proporcionalmente, os gastos com aposentadoria das prefeituras cresceram
mais que os de educação (14,7% e 14,3%, respectivamente) e de pessoal (13,2%).
Os valores são nominais e mostram avanços bem acima da inflação (de 4,3% no
ano) e até acima do crescimento da receita, de 13,4%. Em valores correntes, os
gastos com a folha salarial das prefeituras aumentaram R$ 114,3 bilhões e o
déficit total chegou a R$ 16,1 bilhões.
No entanto, os números da CNM permitem
indicar que os déficits primários não são inchados primordialmente, como
poderia se supor, pelas prefeituras pequenas com baixa capacidade de
arrecadação, ainda que 48% delas estejam no vermelho. Do déficit total de 2023,
último número disponível, 72%, ou R$ 11,7 bilhões, foram provenientes das
grandes cidades, com mais de 300 mil habitantes. Elas estão situadas não nos
Estados mais pobres, mas nos mais ricos, com São Paulo, Rio, Minas e Bahia
fechando 90% do total. A exceção é o Pará (rombo de R$ 1,4 bilhão, o terceiro
maior). Isso ocorreu apesar de que, nos últimos anos, aumentou a cota do Fundo
de Participação dos Municípios e dobrou de tamanho o Fundeb para os gastos com
pagamento de professores e despesas educacionais.
Ainda que o excesso de funcionários públicos
não seja a regra, pelas métricas internacionais, o aumento dos gastos com
pagamento de salários acompanha ou ultrapassa a evolução das receitas, o que é
insustentável. Como a ineficiência dos serviços públicos prestados na ponta dos
municípios é a regra, não a exceção, é preciso não só conter esses gastos, como
dar apoio aos municípios para que façam isso. A reforma administrativa, tarefa
urgente para a União, deveria se estender a todas as cidades.
Com alta dos juros, BC precisa ajustar
mensagem
Folha de S. Paulo
Há razões para a elevação esperada da Selic,
em especial os gastos do governo; Copom precisa mostrar que cumprirá metas
Na próxima quarta-feira (18) haverá decisões
sobre as taxas de juros no
Brasil e nos Estados
Unidos. Espera-se alta por aqui e baixa no principal centro
financeiro global.
Por boas razões em ambos os casos, já que a
trajetória das duas economias diverge e as pressões inflacionárias apontam para
lados opostos aqui e lá. Nos EUA há evidencia de perda de ritmo da atividade,
com sinais de elevação nos últimos meses do desemprego,
hoje em 4,2%.
Outras variáveis do mercado de trabalho —como
os números de vagas em aberto, contratações e demissões— sugerem menor pressão
salarial no futuro próximo. Com isso, torna-se mais palpável a esperada
convergência da inflação para
a meta oficial de 2% até o próximo ano.
Na visão já explicitada pelo Federal Reserve,
a autoridade monetária americana, qualquer enfraquecimento adicional do mercado
de trabalho não seria bem-vindo. Daí a indicação de que no dia 18 começará um
ciclo de cortes da taxa básica, hoje no intervalo de 5,25% a 5,5% ao
ano.
Os mercados financeiros já incorporam redução
para cerca de 3% nos próximos 12 a 18 meses.
Menor restrição monetária nos EUA em geral favorece países emergentes, pois
tende a estar associada (desde que não haja recessão) a queda das cotações do
dólar e espaço para juros mais baixos no restante do mundo.
No Brasil, contudo, espera-se que o Comitê de
Política Monetária decida por
iniciar um ciclo de alta da Selic, hoje em 10,5% anuais. A discussão
do colegiado parece estar centrada na intensidade da medida, se de 0,25 ou 0,5
ponto percentual.
Com a demanda interna aquecida (avanço de
4,7% no segundo trimestre, ante 2023), sobretudo pelo aumento desmesurado dos
gastos públicos, sobem as projeções para a expansão do PIB deste
ano, que chegam a 3% —e também as pressões inflacionárias.
As surpresas positivas na atividade em geral
são boa notícia, mas a política econômica do governo petista parece querer
apenas colocar mais lenha na fornalha da demanda, sem considerações sobre a
sustentabilidade.
Uma das consequências é a alta da inflação
esperada por analistas para este ano, já em 4,3%, muito acima da meta de 3%.
Mais preocupante ainda é a elevação das expectativas para 2025, que se
aproximam de 4%.
Isso ocorre mesmo diante dos aumentos da
Selic para cerca de 12% já incorporados nas expectativas do mercado, claro
sinal de que não se espera uma convergência fácil para a meta.
Não ajuda que o BC continue a se comunicar de
forma confusa. Além da excessiva frequência, as falas dos membros do Copom passam
dúvida sobre a real disposição de fazer o que é preciso para reduzir a
inflação.
O custo é perda de credibilidade e juros mais
altos do que o necessário se houvesse maior
prudência na gestão das contas públicas e menos ruído nas
mensagens da autoridade monetária.
Proteger quem defende o ambiente
Folha de S. Paulo
Brasil ocupa 2º lugar no ranking de
ambientalistas mortos; é preciso resolver conflitos e punir culpados com
celeridade
Enquanto o Brasil arde
em incêndios florestais, dados mostram um cenário violento contra
aqueles que defendem o ambiente no país.
Segundo relatório da ONG britânica Global
Witness, divulgado no dia 9, o Brasil ficou em segundo lugar
em número de assassinatos de pessoas que atuam nesse setor em
2023, com 25 mortos. No primeiro lugar nefasto, a Colômbia contabilizou
79; no mundo, foram 196 —ou mais de um ativista morto a cada dois dias.
Mesmo com redução de 26% no Brasil em relação
a 2022, não há o que celebrar. Pelo segundo ano consecutivo, ocupamos a infame
vice-liderança do ranking. Quando considerada a série histórica, de 2012 a
2023, as primeiras colocações se repetem: a Colômbia teve 461 mortos, e o
Brasil, 401.
A América
Latina foi a região com mais ambientalistas mortos no ano
passado —85% do total.
Os fatores que mais contribuem para a
estatística local são os conflitos fundiários, que envolvem violações a
direitos de povos indígenas,
comunidades tradicionais e quilombolas, a exploração econômica da terra, por
vezes ilegal e contestada, e a fiscalização deficitária por parte do Estado.
No mundo, 49% das mortes de defensores
ambientais em 2023 foram de indígenas (85) e afrodescendentes (12).
Os números referentes ao Brasil no
levantamento internacional foram fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT), que monitora conflitos no campo.
De acordo com a entidade, os embates
quebraram recorde no Brasil em 2023, com 2.203 ocorrências. Desse total, 1.724
se trataram de disputas por terra. Tal número, possivelmente subnotificado,
mostra que não é só a letalidade que preocupa, mas também expulsões, despejos,
ameaças e destruição de bens.
Tampouco apenas ambientalistas vivem sob
ameaça. Jornalistas, por seu papel fundamental na busca dos fatos em contextos
de conflito, correm risco.
Na Amazônia,
por exemplo, a ONG Instituto Vladimir Herzog registrou 230 casos de violência contra
profissionais da imprensa nos últimos dez anos —entre eles, 9 homicídios. Um
dos mais brutais foram os assassinatos do repórter
britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira em 2022.
Um país que pretende ser exemplo
internacional no tema ambiental tem o dever óbvio de conter a violência nesse
setor. É preciso celeridade e eficiência no sistema de Justiça para resolver
contendas fundiárias, respeitar os direitos dos povos indígenas e punir no
rigor da lei os ataques contra ambientalistas.
Não foi por falta de aviso
O Estado de S. Paulo
Ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e
ações judiciais já avisavam dos riscos da seca e das queimadas. A catástrofe só
confirma letargia de um governo de muito discurso e pouca ação
Se havia alguma dúvida sobre a letargia e a
negligência do presidente Lula da Silva na administração da imensa crise
ambiental do País, não há mais. Desde o início deste ano, o governo recebe
alertas sobre os riscos da seca e das queimadas. Com essa leniência do
Executivo, o Brasil assistiu ao avanço das chamas sobre o Pantanal, a Amazônia
e o Cerrado, à destruição de lavouras em Estados como São Paulo e à dispersão
da fumaça por pequenas e grandes cidades, com danos à saúde da população.
Documentos reunidos pelo Estadão mostram
que ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e processos judiciais já
antecipavam os efeitos da estiagem e do fogo. O material ilustra bem, para
dizer o mínimo, o descaso do governo. E o intolerável de tudo isso é saber que
tantas perdas eram evitáveis ou poderiam ter sido minimizadas.
O cenário de catástrofe começou a ser
desenhado no primeiro semestre. Especialistas já afirmavam que a seca antes da
hora implicaria um quadro alarmante na reta final do ano, ainda mais devastador
do que aquele registrado no governo de Jair Bolsonaro, aquele sobre quem recai
a justa pecha de negacionista do clima e de inimigo da preservação.
Como mostrou o Estadão, o Ministério do
Meio Ambiente publica desde fevereiro portarias com declaração de emergência
ambiental e risco de incêndios em várias regiões do País. Além disso, enquanto
a maior planície alagada do planeta era consumida pelo fogo, a ministra Marina
Silva enviou, em junho, um ofício a Lula citando “emergência climática com alto
risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”. Se a ministra esperava uma ação
contundente do chefe, fracassou na empreitada.
O governo Lula recebeu, ainda, um pedido de
socorro do governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil). Em ofício, o
chefe do Executivo estadual solicitou ajuda para reduzir ou mesmo evitar os
impactos causados por um “possível desastre”.
Já em ações judiciais, os avisos partiram de
Ministérios Públicos, comunidades indígenas e organizações ambientais e
aparentemente também foram ignorados. Relatório do Observatório do Clima,
anexado a uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), alertou que, no Pantanal,
“a ausência de medidas rápidas, eficazes e contundentes contra o fogo levará à
ruína o bioma”. O documento previu, ainda, seca “extremamente forte”, em agosto
e setembro.
Especialistas ouvidos pelo Estadão expressaram
inconformismo diante de tanta letargia do governo Lula da Silva. Trata-se de um
sentimento bastante compreensível.
Como afirmou Pamela Gopi, estrategista da
Frente de Justiça Climática do Greenpeace, “não dá para dizer que a situação
não era esperada”, haja vista que “o governo tinha todos os indícios e
informações para ter ações de mitigação e adaptação para este momento”. E,
segundo o advogado Nauê Azevedo, especialista em litigância estratégica do
Observatório do Clima, “vivemos um cenário de anomalia climática que já vinha
sendo avisado havia muito tempo”.
O governo Lula diz que agiu, sim, mas não
restam dúvidas de que faltou ao Executivo federal a antecipação de medidas, com
mais rapidez e energia, promovendo ações firmes na prevenção e no combate às
queimadas – criminosas ou não. Não bastam pajelança em anúncios tardios de
enfrentamento do fogo nem a terceirização da culpa ao desmonte ambiental do
governo anterior, ao El Niño, à La Niña, ao Congresso ou ao crime organizado.
O Brasil precisa de ações permanentes, e não
apenas reativas, que sempre são adotadas pelo governo lulopetista apenas quando
sob pressão. Um bom começo é colocar todas as estratégias de adaptação às
mudanças climáticas dentro do Orçamento, sem malabarismos fiscais, para que a
sociedade tenha previsibilidade dos efeitos dessa nova realidade e possa
acompanhar o uso do dinheiro público no que é prioritário.
E nada mais prioritário do que o
enfrentamento de eventos climáticos cada vez mais extremos. Que Lula da Silva e
as demais autoridades públicas brasileiras passem do palavrório à ação.
A parábola do Comperj
O Estado de S. Paulo
Projeto petroquímico cercado de denúncias de
desvio de dinheiro começa a operar 16 anos depois do início da obra, ainda como
símbolo de uma era de afrontas à sociedade
Quando em 2006 Lula da Silva, então no final
de seu primeiro mandato, lançou a pedra fundamental do Comperj, o projeto era
anunciado como uma inovação tecnológica que revolucionaria a petroquímica
nacional e faria do Brasil um exportador de derivados de petróleo. Orçado em
cerca de US$ 6 bilhões, no ano seguinte o Comperj integrou o primeiro Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) como a aposta mais cara da segunda gestão
lulopetista.
Mas a obra só começou de fato em 2008, já com
o orçamento inflado para US$ 8,4 bilhões. Agora, 16 anos depois, a Petrobras
anuncia o início das operações do polo que, de um grande parque industrial,
minguou para uma unidade de processamento de gás natural do pré-sal, junto com
unidades de produção de combustíveis e lubrificantes e duas térmicas. Mas a
operação plena, como informou ao Estadão/Broadcast a diretora de
Engenharia da companhia, Renata Baruzzi, está prevista apenas para 2029,
incríveis 21 anos após o início da polêmica construção.
A Petrobras não fornece dados sobre qual
será, afinal, o custo da epopeia do Comperj, mesmo na versão reduzida. Em 2017,
quando o então ex-presidente Lula da Silva, numa de suas caravanas, voltou ao
terreno da obra inacabada em Itaboraí, para fazer as críticas de praxe à Lava
Jato, atribuiu à operação anticorrupção o abandono do projeto, que
originalmente incluía até a construção de linhas de transmissão de energia.
Obviamente, não fez menção às irregularidades
constatadas nos contratos entre a Petrobras e as empreiteiras responsáveis pela
obra. Tampouco ao superdimensionamento do projeto para o qual a Petrobras
adquiriu uma fazenda de 45 milhões de metros quadrados. Paulo Roberto da Costa,
o diretor da estatal que ganhou notoriedade como o primeiro delator da Lava
Jato, dizia que iria atrair ao Rio não só a petroquímica, mas uma nova
indústria de bens de consumo, e alardeava um interesse que não se concretizava.
Ao final, a aventura megalômana teve apenas a previsível parceria do BNDES além
de um grupo privado.
Os desmandos foram tantos que até hoje não se
conseguiu chegar a um cálculo exato dos prejuízos da aventura desvairada que
foi a versão original. Um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) de
fevereiro deste ano destaca que, entre os atos de gestão temerária praticados
entre os anos de 2006 e 2015, provocou prejuízo a aprovação da transformação do
projeto “orçado em US$ 8,4 bilhões na Fase II de desenvolvimento, para o
Complexo Comperj, orçado em US$ 26,9 bilhões”.
O relatório do ministro Vital do Rêgo
ressalta que a própria Petrobras informou ser “autora, seja individualmente,
seja em conjunto com a União e/ou o Ministério Público Federal (MPF), em 32
ações de improbidade administrativa e atua como assistente de acusação do MPF
em 85 ações penais, ações nas quais são pleiteados cerca de R$ 14 bilhões a
título de ressarcimento e R$ 40 bilhões a título de multa”.
Não se sabe qual será o custo da obra após a
retomada. Mas, além das conhecidas denúncias de fraudes e superfaturamento,
chama a atenção o desperdício de dinheiro em razão da necessidade de pôr abaixo
parte do que foi construído. “Vou ter de desfazer para depois fazer”, disse a
executiva da Petrobras, explicando a dificuldade de calcular o orçamento.
O Comperj, que virou Gaslub na gestão
Bolsonaro e agora foi rebatizado para Complexo de Energias Boaventura, é a
expressão de uma era marcada por um sem-número de lançamentos de pedras
fundamentais e “inaugurações” de obras inacabadas, projetos de custo exorbitante,
uso indevido de recursos públicos, corrupção e pressão do governo sobre
investidores privados.
Mas Lula da Silva, como se sabe, não se
emenda. Decerto na expectativa de reescrever a história, quer fazer do Comperj
um dos símbolos de sua vitória sobre a Lava Jato. No discurso lulopetista, foi
a operação anticorrupção que atrapalhou a Petrobras e arruinou o
desenvolvimento do País. Com a retomada e a inauguração do Comperj, Lula
decerto considera que está reparando uma injustiça – ao custo de bilhões para
todos os brasileiros.
Soberania do Júri não é relativa
O Estado de S. Paulo
STF cumpre Constituição ao autorizar prisão
imediata de condenados pelo corpo de jurados
O País só tem a ganhar em termos de
institucionalidade quando o Supremo Tribunal Federal (STF) deixa a política a
cargo dos Poderes competentes e, como um colegiado, cumpre exemplarmente o seu
papel de guardião maior da Constituição. Isso tem sido raro nestes tempos
estranhos, como se sabe. Mas, quando acontece, é um bálsamo para corações
republicanos.
Foi exatamente o que ocorreu no dia 12
passado, quando, por maioria de votos, o STF decidiu que os condenados pelo
Tribunal do Júri podem ser presos imediatamente após a sessão de julgamento,
sem prejuízo de eventual apelação ou pedido de habeas corpus, quando for o
caso.
A decisão está em perfeita harmonia com a
soberania dos veredictos do Tribunal do Júri consagrada pela Constituição em
seu art. 5.º, XXXVIII, alínea c. Cinco dos 11 ministros acompanharam o
entendimento do ministro-presidente, Luís Roberto Barroso, segundo o qual não
há que se falar mais em presunção de inocência quando, de forma soberana, o
corpo de jurados decide que o réu é culpado pelo crime doloso contra a vida que
lhe foi imputado.
O STF se pronunciou sobre o tema ao julgar um
Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina
contra uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou ilegal
a prisão imediata de um homem condenado a 26 anos de prisão pelo Júri
catarinense pelos crimes de feminicídio e posse irregular de arma de fogo. Na
sessão, a Corte fixou a seguinte tese de repercussão geral: “A soberania dos
veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação
imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.
A questão da pena era crucial nesse
julgamento, tanto que foi o ponto que dividiu os ministros. Em 2019, ao aprovar
o chamado “pacote anticrime”, o Congresso autorizou a antecipação do
cumprimento da pena imposta aos condenados pelo Júri apenas quando ela fosse
superior a 15 anos. Corretamente, a maioria dos ministros do STF considerou que
essa parte do art. 492 do Código de Processo Penal (CPP) é inconstitucional,
pois relativiza a soberania dos veredictos do Júri.
De fato, não há soberania “relativa”. Quando
o conselho de sentença, formado por sete cidadãos sorteados para cada sessão de
julgamento, conclui pela culpabilidade do réu, não importa a dosimetria da pena
que lhe será imposta pelo presidente do Tribunal do Júri no que concerne à
presunção de inocência, que já foi afastada. Nesse sentido, a alteração no art.
492 do CPP aprovada pelo Congresso não se coadunava com o art. 5.º da Lei Maior
e deveria mesmo ser declarada inconstitucional.
Nesses últimos cinco anos, o STF tem
corrigido alguns dispositivos do tal “pacote anticrime”, que, a pretexto de
supostamente aumentar a segurança da população, representavam violações
flagrantes de direitos e garantias fundamentais dos acusados, em total
descolamento dos princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
Ao mesmo tempo que traz paz para as famílias
das vítimas de crimes dolosos contra a vida, o STF também traz alento para os
que anseiam por ver a Corte circunscrita à sua missão constitucional.
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