Revista Veja
Lira se atropelou na sucessão na Câmara. Deixou feridos e rachou o Centrão
O deputado Arthur Lira, do partido
Progressistas de Alagoas, está descobrindo na seca de Brasília aquilo que o
escritor espanhol Lorenzo Villalonga aprendeu observando ondas do Mediterrâneo,
nas Ilhas Baleares. Villalonga resumiu com maestria: o presente é apenas um
ponto entre a ilusão e a saudade.
Faltam cinco meses para Lira deixar a presidência da Câmara. Quando fevereiro chegar, ele sai da cadeira que garante uma posição privilegiada na linha sucessória da República, logo depois do vice. Não é por acaso seu destaque em plano elevado, no centro e de frente para o Plenário Ulysses Guimarães, assim chamado em homenagem ao deputado que passou à história como referência no exercício do poder parlamentar. “Em política, até a raiva é combinada”, ele dizia com um ar de malícia.
Lira, 55 anos, não o conheceu. Quando Ulysses
morreu em acidente aéreo, em 1992, ele estava imerso na sua primeira eleição
para vereador em Maceió. Chegou à Câmara dos Deputados dezoito anos depois, na
etapa de consolidação do baixo clero no comando do Legislativo. Identificou-se
com o modelo de atuação dos presidentes da época, Henrique Eduardo Alves, do
Rio Grande do Norte, e Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro —ambos acabaram
acusados de corrupção e seus derivativos em negócios da Petrobras e da Caixa Econômica
Federal.
Lira planejou uma volta à planície em
condições mais confortáveis, e seguras, preservando a liderança no Centrão, o
agrupamento de duas centenas de deputados cujos votos lhe garantiram influência
ímpar nos governos Jair Bolsonaro e
Lula.
Enlevado na ambição de governar a própria
sucessão, até se permitiu pressagiar manobra afoita: ungir seu candidato e
assegurar a vitória por aclamação vinte semanas antes da eleição interna.
Exorcizaria, desde já, o risco de vaguear por dois anos no plenário como mais
um presidente derrotado, que fracassou ao não conduzir, ou mal dirigir, a
escolha do sucessor.
“Lira se atropelou na sucessão na Câmara.
Deixou feridos e rachou o Centrão”
Foi a Lula,
voltou; conversou com Jair Bolsonaro, retornou; impressionou uns e preocupou
outros com a possibilidade de inédita demonstração de força na Praça dos Três
Poderes. Acabou tropeçando na realidade de Lula, que dizia não querer, mas já
estava interferindo na eleição do presidente da Câmara, e de Bolsonaro, que
atualmente condiciona tudo e qualquer coisa à sua anistia cada vez mais remota,
apesar dos arrufos do seu Partido Liberal.
Deu tudo errado. Atropelando-se, Lira chamou
os candidatos Elmar Nascimento, líder do União Brasil e até então visto como
seu predileto, e Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara e chefe do
Republicanos. Disse-lhes que estava ruim, por circunstâncias diversas no
governo de Lula e na ala da oposição governada por Bolsonaro. Pereira renunciou
à disputa, com lamentos. Elmar expôs sua frustração. Então, Lira improvisou a
candidatura de Hugo Motta, líder do Republicanos, contra os deputados Antonio
Brito (PSD) e Isnaldo Bulhões (MDB). Era tarde. “O Centrão virou centrinho”,
disse Elmar à repórter Vera Rosa.
Em poucos dias, Lira transitou do paraíso ao
inferno. Ainda comanda a Câmara, com poder sobre pauta de votações, tem
influência no disfuncional colégio de líderes e leva no bolso a caneta temida
por presidentes da República, com legitimidade para assinar, por exemplo, a
abertura de um pedido de impeachment. É muito para fora e pouco na mesa de jogo
de poder do Legislativo, onde conta quem lidera mais votos. Sem respaldo
expressivo, a presidência se esvai no placar eletrônico do plenário.
Ele já havia perdido o controle do ruído
coletivo nas reuniões, como registram os processos por falta de decoro no
Conselho de Ética. Sua autoridade remanescia pelos arranjos sobre a gestão das
emendas ao Orçamento. No entanto, na virada do semestre, o Supremo
Tribunal Federal bloqueou, por falta de transparência, o manejo
de uma parcela expressiva do dinheiro (cerca de 5 bilhões de reais). Deputados
aguardavam esses recursos para azeitar sua participação nesta temporada de
eleições municipais.
Sem dinheiro das emendas para distribuir e
com o Centrão rachado, ele terminou a semana alquebrado. “Como nos impérios, o
ponto frágil dessa história está na sucessão”, observa o cientista político
Leonardo Barreto. Pode vir a recuperar parte do terreno perdido, porque na
política tudo é possível — até a ressurreição, como se vê em Lula tentando
plasmar modos e métodos de Getúlio Vargas. Mas, o infortúnio aconteceu: Lira
virou pato manco na presidência da Câmara, cinco meses antes do prazo de
validade.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de
2024, edição nº
2910
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