domingo, 5 de novembro de 2017

Clóvis Rossi: Muito voto, pouca democracia

Na América Latina, Brasil inclusive, 2/3 irão às urnas em 12 meses, em cenário de desconfiança com o sistema

Nos 12 meses a partir de novembro, haverá uma chuva de eleições na América Latina: cerca de dois de cada três eleitores serão convocados às urnas.

Eleições presidenciais ocorrerão em todos os principais países da região, com exceção da Argentina : Chile, já em novembro, Colômbia, México, Brasil e Venezuela (se a ditadura não modificar a data como tem feito regularmente). O Paraguai também trocará de presidente.

Não deixa de ser uma demonstração da vitalidade da democracia no subcontinente. Afinal, não faz tanto tempo assim (anos 70 e 80 do século passado), o mapa regional estava manchado por um punhado de ditaduras. O Brasil, por exemplo, ficou sem voto para presidente de 1960 a 1989.

Pena que essa aparente vitalidade esteja sendo assombrada por uma desconfiança, talvez inédita, no funcionamento da democracia.

É bom deixar claro que não há descrença majoritária na democracia como modelo; o que há é insatisfação com a maneira como o modelo está funcionando.

Essa distinção já aparecia claramente na pesquisa com 18 países latino-americanos feita pelo "Latinobarómetro" que esta Folha resumiu na semana passada. Reaparece agora em pesquisa divulgada no dia 30 pelo badalado Pew Research Center.

Esta última cobre 38 países, não apenas da América Latina. Em todos eles, mais da metade dos pesquisados diz que a democracia é boa ou muito boa para conduzir o país. No Brasil, por exemplo, 59% concordam com essa afirmação.

O problema é que a democracia representativa está perdendo terreno para outro modelo, a democracia direta.

O Pew descreve democracia direta como "sistema democrático em que os cidadãos, não funcionários eleitos, votam diretamente nos grandes temas nacionais para decidir o que vira lei".

Em três dos sete países latino-americanos que o Pew pesquisou, a democracia direta ganha da democracia representativa e ainda empata em um quarto (Peru, com 58% para cada um dos dois sistemas). No Chile, deu 65% para a democracia direta contra 58% para a representativa; na Colômbia, 63% a 58%; e, no México, 62% a 58%.

No Brasil, o velho modelo de democracia representativa ainda ganha (59% a 52%).

Em todos os sete países, avança igualmente um terceiro sistema, no qual "especialistas, não funcionários eleitos, tomam decisões de acordo com o que acham que é melhor para o país".

Este último sistema me parece pouco democrático, mas os resultados obtidos pelos modelos alternativos ao da democracia representativa demonstram, muito claramente, o disseminado desprestígio dos políticos.

É nesse cenário de mau funcionamento da democracia e de desprestígio dos políticos que se dará a chuva eleitoral dos próximos 12 meses. Qual será a consequência?

Arriscam Robert Muggah (Instituto Igarapé) e Brian Winter, editor-chefe de "Americas Quarterly": "Há um risco real de uma virada populista dura para a direita e para a esquerda que poderia alterar radicalmente as políticas de segurança e de comércio, a economia e as relações da America Latina com o mundo, incluindo os Estados Unidos".

Emoções fortes à frente, portanto.

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