quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Maria Cristina Fernandes: O eleitor que vai votar, mas preferia romper

- Valor Econômico

Classe C lamenta oportunidade aberta pelos caminhoneiros

Na véspera do prazo final para o registro das candidaturas que disputarão o 7 de outubro, um grupo de oito brasileiros da classe C, moradores da periferia de São Paulo, de 35 a 55 anos de idade, compartilharam uma nostalgia. Apenas dois mantinham os empregos em que fizeram carreira. Os demais estão subempregados com salários mais baixos ou vivendo de bicos. Mas o lamento não é do tempo de vacas mais gordas ou de eleições em que havia candidatos melhores, mas da greve dos caminhoneiros.

O país deu a largada para a escolha daqueles que comandarão seu destino nos próximos quatro anos, mas, naquele flagrante de Brasil reunido pelo publicitário André Torretta, o sentimento mais vibrante era o de arrependimento por terem deixado passar a oportunidade de, realmente, mudar o país. À luz do realismo com o qual aquele grupo de eleitores encara a disputa de outubro, os programas de governo registrados na justiça eleitoral são panfletos desacreditados.

"Se todo mundo tivesse parado para apoiar os caminhoneiros, os políticos teriam parado para pensar o que eles estão fazendo", diz Carlos, um produtor de eventos de 42 anos. "A gente devia ter aproveitado para fazer uma revolução, mas a população ficou em casa", segue Paulo, 43 anos, corretor de seguros. "As coisas só vão mudar quando cada um deixar de pensar no seu próprio bem estar e se unir para mudar", conclui Carla, 35 anos, ex-operadora de telefonia, hoje cabeleleira em domicílio nas horas que ficaram todas vagas depois que perdeu o emprego.

O eleitor revoltado também é o mais escolarizado da história. Desde que recuperou o direito de escolher seus governantes pelo voto direto, o país viu a taxa de analfabetismo se reduzir a um terço daquela prevalecente no final dos anos 1980. Não se atribua a indefinição, portanto, à falta de informação, mas ao excesso de enfado. A virtude mais apreciada é a coerência, seguida da honestidade. Mas candidatos transparentes, experientes, determinados e justos têm alguma chance ali.

Não espanta, portanto que, ao início da conversa, quase todos se revelassem sem um nome. Ao longo das duas horas do encontro, porém, mostraram-se sensíveis aos argumentos dos colegas de roda. Ao final, já começaram a exprimir preferências, que quase nunca coincidia com a percepção de quem iria para o segundo turno.

Sem um único voto naquela plateia, os candidatos do PSDB e do PSL, Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro, lideraram a bolsa de apostas de segundo turno, seguidos, de perto, por Ciro Gomes, do PDT, e, de longe, por Fernando Haddad, que todos tratam como o candidato do PT. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não desperta paixões no grupo. O candidato, em nome de quem o partido protagonizaria o espetáculo do registro eleitoral no dia seguinte, é mais defendido por aqueles que nunca lhe deram um voto do que por ex-eleitores desiludidos.

"Votaria nele se fosse minha única opção para derrotar a direita", diz Ivan, representante comercial de 39 anos e o mais articulado. Patrícia, produtora de eventos de 41 anos, e Edson, um técnico de informática de 51, desempregado, foram eleitores do PT mas se decepcionaram com a passagem de Haddad pela prefeitura de São Paulo. Fátima, vendedora de 52 anos, também ex-eleitora petista, até votaria, ainda que sem entusiasmo, pela ausência de alternativas.

Ivan elogia a redução de velocidade nas marginais, mas Haddad não é seu primeiro voto. Formado em marketing, teve passagens por multinacionais e hoje mal consegue pagar suas contas. Define-se como um ex-alienado que nunca havia votado na vida. O interesse por política é filho do desemprego. Há três anos resolveu começar a se informar. Discorre com propriedade sobre cada candidato até chegar em Ciro, nome com o qual carimbou seu passaporte para 2019.

Cita a ficha limpa do candidato e a revogação da reforma trabalhista, mas é com a proposta de zerar as dívidas no SPC, uma espécie de refis da classe C ainda sem previsão fiscal, que Ivan emplaca adesões. Soraya, 50 anos, sustenta-se hoje vendendo caldinhos em bares. E lembra o sucesso que as Casas Bahia fizeram quando liberaram o crediário para quem estava com o nome sujo no praça. Eleitor de Haddad, Carlos diz que tem antipatia pela figura mas, para se livrar das dívidas, até se dispõe a cravar seu nome na urna eletrônica. Em meio à euforia geral, Wagner, um corretor de seguros de 54 anos, crítico de todos os candidatos, estragou a festa: "Meus pais me ensinaram que a coisa mais valiosa que se tem é o nome. Vocês vão vender seu voto para poder limpá-lo?"

Jair Bolsonaro leva as quatro mulheres do grupo a espumar de raiva: "Nem pagando"(Patrícia), "hipócrita" (Soraya), "sou mulher e negra"(Carla), "ele é um absurdo" (Fátima). Mas vem de Paulo a melhor definição para o candidato do PSL: "É o coelho da cartola. Tá chamando todo mundo para a frente da corrida mas não chega ao fim".

Geraldo Alckmin desperta menos paixões e uma ressalva comum, "pelo histórico". Paulo lembra as visitas com o pai, aposentado do metrô, nos depósitos da empresa, quando viu vagões novinhos, inutilizados pelo tempo em que ficaram parados. "Brincaram com nosso dinheiro". "Maluf pelo menos fez, e ele?" (Wagner), "Está fechado com empresários que sempre querem levar vantagem" (Ivan).

Naquele grupo, Marina Silva tampouco faz sucesso. "Muito paz e amor para um país que precisa de pulso" (Carla), "volta a cada quatro anos, mas por que não faz nada entre as eleições?" (Edson), "é lenta, não desenrola" (Soraya), "preparou-se mas não está pronta" (Wagner).

Duas horas depois de concluído aquele grupo, Torretta encontraria um outro, do pico da pirâmide. Numa conversa com empresários, colheu desalento semelhante com a corrida prestes a se iniciar. Espantam-se com um texto de Drauzio Varella ("Queremos um Brasil sem violência nem políticos ladrões, é o que repetem todos. Acho lindo, mas com essa disparidade de renda? Por bem ou mal, os que mais têm ou cedem uma parte ou correm risco de perder tudo; eventualmente a vida").

Até acreditam que Alckmin possa levar, mas não esperam que consiga fazer muita coisa. Por razões distintas do grupo da base da pirâmide, mas igualmente fortes, também enxergam limitações na disputa que acabou de começar. E a constatação lhes traz mais medo que desesperança.

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