sexta-feira, 4 de julho de 2025

Um colapso anunciado - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

Executivo, Parlamento e Judiciário caminham celeremente para o colapso não porque escolhem essa saída, mas porque são incapazes de mudar seu comportamento

Num ano em que o Brasil recebe a COP-30 e, certamente, falará de seu imenso potencial, estamos às voltas com uma situação difícil, que aponta para um colapso financeiro em 2027.

Será que isso acontecerá como alguns economistas preveem? E se acontecer, corremos o risco de repetição de algo como a crise grega de 2010? O que vimos acontecer na Grécia é suficiente para um grande esforço para evitar o colapso, mesmo que tenha proporções menores. De qualquer forma, será um sofrimento desnecessário.

Executivo, Parlamento e Judiciário caminham celeremente para o colapso não porque escolham essa saída, mas porque são incapazes de mudar seu comportamento, porque foram contaminados pelo poder num país em que fazem e desfazem diante de uma certa passividade social.

No momento, os principais atores da crise parecem rumar inevitavelmente para o pior cenário. O Congresso, depois de votar inúmeras medidas que aumentam as despesas, recusa-se a avaliar a sua parte leonina no Orçamento. Não só bloqueia o espaço para discutir a redução de gastos como mantém uma parte deles com um grau de segredo inaceitável.

Um dos grandes problemas para que não haja espaço para cortes nas emendas é a eleição de 2026. Todos esperam se reeleger e dependem de obras nas cidades.

Em torno das emendas impositivas não só foi conquistada a independência do governo, mas também foi estabelecida uma aliança com os prefeitos, criando uma força política nacional.

O governo, por seu lado, não consegue fazer as economias que o Congresso recomenda, pelas mesmas razões de seus conselheiros parlamentares: a redução nos gastos sociais ameaça seu projeto de continuidade.

Esse diálogo impossível certamente vai desaguar na Justiça, como parece ser o destino do projeto de IOF. É uma situação desconfortável para a justiça arbitrar sobre cortes de gastos.

Logo ela carregada de supersalários e penduricalhos de toda a natureza, despontando muito mais como parte do problema do que como artífice da solução.

A sociedade acompanha um pouco passivamente essa dança dos três grandes atores institucionais. Mas a verdade é que há pouca esperança.

Como evitar que o Congresso abocanhe uma parte tão grande do Orçamento? Neste momento, há uma tentativa no Supremo Tribunal Federal (STF). A questão que os juízes precisam responder é esta: emendas impositivas são constitucionais?

As emendas, antigamente, não eram impositivas. O governo escolhia as que iria financiar. Com isso, ganhava mais poder e obtinha uma certa fidelidade de setores do Congresso, manipulando o dinheiro: tudo para os apoiadores, nada para opositores. Era um sistema perverso, mas por incrível que pareça dava uma certa autonomia ao governo, que assim podia simultaneamente dispor de mais recursos para seu programa e mais capacidade de aprovar projetos.

Com o advento das emenda impositivas, que têm de ser honradas de qualquer maneira, e do próprio Orçamento secreto, o Congresso tornou-se uma força autônoma, reduzindo o poder do presidente e exercendo uma espécie de parlamentarismo tropical, sem necessariamente derrubar o presidencialismo.

Impossível mudar o rumo do Congresso sobretudo agora, pois a maioria quer enfraquecer Lula eleitoralmente. O presidente, por sua vez, encara o corte de gastos, sobretudo nesse momento, como um golpe na continuidade de seu governo, após 2026.

Não é uma análise irrealista. Pesquisas indicam que a socialdemocracia perdeu força em muitos países nos quais tentou aplicar um rígido sistema de corte de gastos.

Esse aspecto é interessante, porque coloca Lula num dilema. Será combatido se não reduzir as despesas, mas será também muito combatido se cortar os gastos sociais. Interessante porque os críticos serão os mesmos, tanto numa situação como na outra.

O que Lula poderia fazer, e isso não é absurdo: uma análise dos gastos que podem ser cortados e, simultaneamente, representam reconhecimento social.

As viagens internacionais, por exemplo, sempre levando caravanas, sempre se hospedando em hotéis de luxo, são gastos que tiram votos.

Da mesma forma, viagens nacionais da burocracia, num país onde a internet permite reuniões virtuais, poderiam ser radicalmente reduzidas, representando economia em passagens, hospedagens e, sobretudo, diárias.

Na verdade, existe uma lista muito grande de cortes que trazem simpatia, bastaria sentar com calma para avaliá-los, inclusive isenções fiscais para quem não precisa disso.

A tática que enfatiza ricos contra pobres, não pode ser apenas uma retórica, aliás, não deveria ser uma retórica, mas uma sucessão de medidas.

O problema é que os anos de poder, a maneira como as forças de centro-esquerda se acomodaram nele, não permitem decisões que arriscam também a cortar na própria carne.

Executivo, Parlamento e Judiciário caminham celeremente para o colapso não porque escolhem essa saída, mas porque são incapazes de mudar seu comportamento, porque foram contaminados pelos interesses pessoais num país em que fazem e desfazem diante de uma certa indiferença popular.

 

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