O Globo
O comportamento de deputados e senadores
catalisou uma reação negativa que aproximou eleitores e opositores de Lula
O governo foi às cordas; reagiu com tática, até então, exclusiva da oposição; voltou ao ringue. Tomara a freada de arrumação empurre o país para o tão necessário quanto urgente debate sobre equilíbrio fiscal e justiça tributária. Faz um par de semanas, um Congresso Nacional, ao mesmo tempo empoderado e hostil ao presidente da República, tramou o enfrentamento que ameaçava minar, na avaliação do Planalto, o espaço que ainda resta a Lula para governar o país. Além de impor a aplicação de mais de R$ 50 bilhões do Orçamento via emendas parlamentares, deputados e senadores avançaram contra um decreto presidencial, prerrogativa do Executivo. De quebra, alinharam-se a medidas que vão de encontro aos interesses do eleitorado.
O que fez diferença na recente queda de braço
entre os Poderes foram as redes sociais. Não foi a primeira vez que o Congresso
pisou no freio pela repercussão negativa de votações e projetos. Para ficar em
dois exemplos, aconteceu com a PEC das Praias, para alterar a legislação sobre
terrenos de marinha, e com o PL do Estupro, projeto que equipara aborto a
homicídio, mesmo nos casos permitidos por lei. A novidade da hora foi, se não o
protagonismo, o embarque do governo na reação:
— Foi a primeira vez que o governo ganhou o
embate nas redes sociais — afirma Felipe Nunes, diretor da Quaest.
A empresa de pesquisas acompanhou, a meu
pedido, a movimentação nas plataformas digitais, de 17 a 30 de junho. O embate
entre Executivo e Congresso produziu 2,2 milhões de menções e alcançou 10
milhões de contas por hora. Um feito.
O primeiro impulso veio da repercussão para
lá de negativa na opinião pública da votação que derrubou vetos do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva à lei que pode onerar em quase R$ 200 bilhões a conta
de luz dos brasileiros, até 2050. O Congresso restabeleceu oito de 24
dispositivos vetados pelo Lula no texto de estabelece normas para usinas
eólicas offshore (distante da costa, no mar). Dali viralizou a hashtag
“inimigos do povo” contra deputados e senadores.
A segunda onda identificada pela Quaest
começou com a derrubada do decreto presidencial que elevou alíquotas do Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF), bem como a aprovação do número de deputados
de 513 para 531, a partir de 2027. Assim, multiplicaram-se as menções contra o
Congresso, contra os ricos e até contra o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
O levantamento mostrou que, “diferentemente de outros episódios de disputa
política nas redes, quando prevalecia a polarização, as últimas semanas foram
marcadas por ampla vantagem no volume e no alcance de menções do lado de
defensores do governo e por alto volume de críticas diretas contra o
Congresso”, completa Nunes.
O comportamento de deputados e senadores
catalisou uma reação negativa que aproximou eleitores e opositores de Lula. O
presidentes da Câmara, Motta, e do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), apostaram na ojeriza à tributação e na
desidratação de um presidente com popularidade cadente. Esbarraram no
sentimento generalizado de que o Parlamento age por interesses próprios. É a
percepção perigosa que difunde desprezo pela política e catapulta
aproveitadores.
O governo, por sua vez, enxergou a janela de
oportunidade para voltar à cena com a agenda de justiça tributária, expressão
recorrente no vocabulário do ministro da Fazenda. Fernando
Haddad, não é de hoje, apela à redução de desonerações, benefícios e
isenções fiscais. No início de 2025, ao elencar as prioridades legislativas da
pasta, indicou os projetos de restrição aos supersalários e de reforma da
Previdência dos militares, ambos adormecidos no Congresso. Foi também do
ministro a proposta de alterar o IOF que levantou a ira, ainda em maio, do
mercado financeiro e, no mês passado, de deputados e senadores.
A Fazenda concordou em recuar da garfada na
maior parte do IOF, em troca de taxação maior das empresas de apostas (de 12%
para 18%) e serviços financeiros (fintechs), bem como de títulos, hoje isentos,
de financiamento à agricultura e ao mercado imobiliário. O Congresso brecou,
sob ação de lobby. Há muita pressão por interromper a política de reajuste do
salário mínimo e/ou desvincular do piso as políticas sociais, além de rever a
vinculação de receitas aos orçamentos da Saúde e da Educação, pautas caras a Lula
e sua base eleitoral. Também do governo é a popularíssima proposta de isenção
de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, compensada pela tributação
maior dos que ganham mais de R$ 600 mil por ano.
O futuro está em disputa, como sempre. Mas o
embate das últimas semanas lançou novas peças ao tabuleiro. A mais importante
delas é o debate público sobre justiça tributária: aliviar a carga da base da
pirâmide e dos setores médios, aumentar a contribuição ou reduzir benefícios de
quem foi historicamente privilegiado. A reforma orçamentária tem de englobar o
todo, não parte. Congresso e governo não podem ser reféns, tampouco cúmplices,
de uns poucos.
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