- Valor Econômico
Várias teses terão que ser 'testadas' no Supremo
A atual equipe econômica está elaborando uma série de documentos que pretende entregar aos assessores do próximo presidente da República, durante o período de transição de governo. O objetivo é "mapear todos os fatores de risco para as contas públicas", segundo explicou ao Valor uma autoridade.
Em um dos documentos, serão feitas projeções fiscais para os próximos quatro anos, com as medidas alternativas que podem ser adotadas, quantificando-se a contribuição de cada uma delas para o ajuste. "A gente quer fazer isso de forma exemplar, pois existem riscos que demoramos muito tempo a perceber, mas que agora estão bem mapeados", disse a fonte. "Vamos mostrar as coisas que andaram e aquelas em que não conseguimos avançar, mas que estão em estudo", acrescentou.
Serão elaborados estudos para cada uma das áreas mais sensíveis, do ponto de vista fiscal. Um documento, já produzido, trata das estatais. Outro tratará da situação dos Estados e municípios, e um terceiro, sobre os vários regimes de previdência social. Outros assuntos também serão analisados. Os estudos serão divulgados para toda a sociedade, pois o entendimento é que um maior conhecimento da real situação das contas da União pelo grande público ajudará o futuro governo a realizar as reformas necessárias.
Reequilibrar as contas públicas e obter um superávit primário suficiente para estabilizar a dívida pública, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), exigirá um esforço fiscal em torno de 4% do PIB, avaliam os técnicos. Um ajuste dessa magnitude, mesmo que realizado de forma gradual, dependerá de grandes alterações na legislação ordinária e no texto da Constituição, como é o caso da reforma da Previdência Social.
Um fator de risco importante a ser considerado, na avaliação da autoridade, é que as mudanças na legislação ordinária e no texto da Constituição levantarão questões que ainda dependem de um entendimento final da Justiça, pois não estão pacificadas. "Várias teses serão testadas, com repercussão sobre as contas públicas e sobre o ajuste fiscal", advertiu a fonte.
Um exemplo é a noção de que a contribuição para o regime próprio de Previdência dos servidores não pode exceder 14%. "Ninguém sabe se esse limite de 14% existe ou não", observou a fonte. "Algumas pessoas dizem que uma alíquota superior a essa poderá ser considerada extorsiva pelos juízes", afirmou.
Recentemente, o governo de Goiás elevou de 13,25% para 14,25% a alíquota de contribuição previdenciária dos seus servidores ativos e inativos. A medida está sendo objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), e todos os gestores públicos estão na expectativa da decisão. A elevação da alíquota previdenciária dos servidores é uma das medidas que consta em qualquer proposta de reforma da Previdência, tanto dos Estados, quanto de municípios e da União.
Outra questão que precisa ser resolvida, na avaliação da autoridade, diz respeito às garantias dadas pelos Estados à União. Quando estão em dificuldades financeiras, os governadores recorrem ao STF com pedido de suspensão do pagamento de suas dívidas, renegociadas pela União. Muitas vezes, os ministros acolhem o argumento. "Isso pode ter um efeito adverso e acabar com a credibilidade do sistema de garantias à União", disse a fonte.
Uma terceira questão, que poderá ter consequências no curto prazo, é a ação direta de inconstitucionalidade, apresentada ao STF em 2016 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra a vinculação do Orçamento da saúde à receita corrente líquida do Tesouro Nacional, nos termos da emenda constitucional 86. A ação foi incluída na pauta de julgamento do Supremo do próximo dia 23.
Com a emenda constitucional 29, de 2000, o gasto mínimo anual da União com ações e serviços públicos de saúde passou a ser corrigido pela variação nominal do PIB. Os parlamentares da chamada "bancada da saúde" no Congresso acharam que o melhor seria vincular a despesa à receita do Tesouro, que não parava de subir. Em 2016, depois de intensa mobilização, eles conseguiram aprovar a emenda constitucional 86, que vinculou os gastos da saúde à receita do Tesouro.
O problema é que a mudança ocorreu no meio de uma das maiores recessões econômicas da história do Brasil, com a receita tributária caindo muito. Se as regras da emenda 86 fossem seguidas, a área de saúde ficaria com menos recursos. Janot ingressou no STF com uma ação de inconstitucionalidade, baseado naquilo que os juristas chamam de "princípio de vedação do retrocesso social". De acordo com a tese, se uma medida do governo resultar em diminuição do Orçamento das áreas sociais, consideradas essenciais para a população, ela pode ser considerada contrária ao espírito da Constituição.
Uma decisão favorável do Supremo à ação de Janot poderá, advertiu a autoridade, interferir até mesmo na regra do teto de gastos para a União. No chamado novo regime fiscal, o gasto mínimo com a saúde foi definido com base nas regras da emenda 86, com o governo antecipando de 2019 para 2017 o percentual da receita do Tesouro a ser aplicado na saúde.
Há incertezas também na área de pessoal. A Constituição estabelece que os servidores terão direito a reajuste anual de salários, mas não estabelece critérios para a correção. Pode ser um reajuste de 0,1%? Por último, existem dúvidas sobre a legalidade de aumentos salariais parcelados para o funcionalismo e se uma lei posterior àquela que concedeu o aumento pode adiá-los, como quer fazer agora a equipe econômica com o reajuste previsto para janeiro.
Nos bastidores, a administração pública federal vive um momento de grande turbulência, pois foi quebrada a unicidade salarial que existia até pouco tempo. Embora tenham recebido aumentos reais de salários durante a recessão econômica, os servidores do Executivo estão em pé de guerra por causa de vantagens obtidas por seus colegas da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Receita Federal. "Em algum momento, isso vai explodir", advertiu a fonte.
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