Uma expansão monetária agressiva dos últimos anos evitou uma nova depressão mundial. As lições da década de 1930 foram aprendidas. O fim das bolhas financeiras não é o momento para apego à ortodoxia monetária. Houve um consenso sobre o uso dos balanços dos bancos centrais para absorver a dívida privada e monetizar a dívida pública. Hoje, mais de cinco anos após o início da crise, as economias desenvolvidas continuam estagnadas. Quando a questão passa a ser como promover a recuperação, o consenso se rompe e as velhas controvérsias ressurgem sob novos disfarces.
Em função dos custos sociais elevados de uma depressão, não se deveria poupar esforços para evitar o colapso da economia. No entanto, há nisso um aspecto negativo. Com um colapso, o endividamento excessivo teria desaparecido, mas como a depressão foi evitada, o fardo do endividamento excessivo continua aí para ser digerido. As empresas estão conseguindo se ajustar mais rapidamente, mas as famílias continuam desconfortavelmente alavancadase o endividamento público está muito maior do que antes da crise.
As propostas sobre como promover o crescimento estão divididas em três campos. No primeiro estão aqueles que acreditam que o mesmo experimento monetário que conseguiu evitar o colapso também acabará promovendo a recuperação. Para isso, é necessária uma posição ainda mais agressiva dos bancos centrais. Aqueles que defendem o afrouxamento quantitativo [QE, na sigla em inglês] como meio para sair da estagnação seguem a velha escola monetarista. Isso não deveria ser uma surpresa, já que o QE foi originalmente sugerido por Milton Friedman em uma visita ao Japão no fim da década de 1990. Assim como os Estados Unidos e a Europa hoje, o Japão já estava estagnado havia mais de cinco anos, as taxas de juros estavam próximas de zero, mas as pressões deflacionárias continuavam fortes. Coerente com a crença da vida inteira na proporcionalidade da renda nominal sobre os agregados monetários, Friedman sugeriu que o Banco do Japão deveria simplesmente imprimir dinheiro. A renda nominal em algum momento seguiria a expansão da base monetária. Friedman sempre acreditou que - embora não muito bem especificados - os chamados canais de transmissão da política monetária não estavam restritos ao papel das taxas de juros, sendo muito mais difusos. O Japão implementou a sugestão de Friedman e cunhou a expressão afrouxamento quantitativo. Mais de uma década depois, com sua economia ainda estagnada, o Japão decidiu insistir no remédio. A abenomics [nome dado à política expansionista do primeiro-ministro Shinzo Abe] é o experimento monetarista em dose maciça. Conforme recentemente citado por Walter Munchau no "Financial Times", John K. Galbraith certa vez disse que "o azar de Friedman é que suas políticas foram testadas". Podemos acrescentar que sua sorte é que as crenças em teorias simples podem desafiar as evidências.
A experiência monetarista com o QE não leva em consideração uma das mais importantes contribuições de Keynes ao entendimento de uma economia deflacionária: a armadilha da liquidez. Quando há um endividamento excessivo e a expectativa é de uma queda nos preços, a proporcionalidade entre o dinheiro e a renda nominal, estabelecida pela teoria quatitativa da moeda, se rompe. Dois de seus parâmetros críticos - a chamada velocidade de circulação da moeda e o multiplicador bancário -, que deveriam ser estáveis sob condições normais, caem quando o banco central imprime dinheiro em um cenário deflacionário. Franco Modigliani, um dos críticos mais ácidos do monetarismo de Friedman na década de 1970, costumava dizer a seus alunos no MIT que a renda nominal mantém sua proporção fixa em relação à base monetária da mesma maneira que a velocidade de um carro em movimento mantém uma relação fixa com sua antena: é verdade, contanto que você não tente parar o carro segurando na antena.
Tentar controlar a inflação elevada com o controle da base monetária- conforme nós, brasileiros, aprendemos da maneira mais dura nas décadas de 1980 e 1990 - não apenas é impossível, como também representa o caminho mais curto para uma crise bancária. Estimular uma economia deflacionária com a expansão da base monetária é tão ineficaz quanto tentar empurrar um carro morro acima por sua antena. Como Ben Bernanke também foi aluno de Modigliani, acredito que deve se lembrar da analogia da antena. Provavelmente, ele está ciente da ineficácia do QE para tirar a economia da armadilha deflacionária, mas como essa política também não é nociva - pelo menos no curto prazo -, por que não usá-lo como um placebo para acalmar os mercados?
O segundo campo é o neokeynesiano. Michael Woodford, embora não seja um participante muito ativo do debate público, é a voz mais influente entre os acadêmicos e os banqueiros centrais. É o principal nome por trás do atual modelo de referência macroeconômica. Em um estudo singularmente longo, apresentado na reunião dos bancos centrais em Jackson Hole no ano passado, ele explicitou os motivos da ineficiência do QE monetarista e defendeu o uso da política de taxas de juros além do chamado limite inferior. Seu argumento é que os bancos centrais podem continuar estimulando a demanda mesmo depois de as taxas de juros estarem próximas de zero, se conseguirem criar expectativas inflacionárias. Isso se faz por meio de "orientação futura", no jargão dos bancos centrais. Estes deveriam estimular as expectativas inflacionárias e garantir, por meio da "orientação futura", que não aumentarão as taxas de juros quando essas expectativas se materializarem. A ideia é garantir taxas de juros reais negativas.
A proposta neokeynesiana de estimulo à recuperação é baseada na hipótese implícita de que juros reais mais baixos continuam estimulando a demanda mesmo quando se tornam negativos. Em termos do modelo macroeconômico IS-LM [que explica decisões do investidor em função da sua disponibilidade de dinheiro e juros esperados], pressupõe-se que não há descontinuidade na forma de curva IS quando nos movemos para o quadrante das taxas de juros reais negativas. Essa continuidade é uma hipótese altamente questionável. É verdade que os juros negativos são capazes de estimular a demanda, mas não é a demanda que aumenta a oferta e promove o crescimento. Os juros reais negativos estimulam a demanda pelo que é percebido como reserva de valor, pelos bens não reproduzíveis, como obras de arte, propriedades extraordinárias e até mesmo "relíquias bárbaras", como o ouro [no dizer de Keynes]. É a demanda por ativos em que poupanças podem ser estacionadas sem serem corroídas pela inflação, e não a demanda por bens de capital ou de consumo.
Os brasileiros e outros cidadãos de países que experimentaram a inflação crônica até poucas décadas atrás estão bem conscientes dos efeitos perturbadores e distorcivos da repressão financeira e dos juros reais negativos. Não é necessário passar por uma hiperinflação aberta, como aconteceu na Alemanha na década de 1920, para continuar traumatizado com a possibilidade da corrosão das economias de uma vida inteira.
Se o novo monetarismo do QE é ineficiente e o neokeynesianismo dos juros reais negativos é distorcivo e perigoso, resta-nos o campo keynesiano clássico. Os keynesianos ortodoxos alegam que o neokeynesianismo não é, na verdade, keynesiano, uma vez que esquece as principais lições da "Teoria Geral": a armadilha da liquidez e a função do consumo. Para os keynesianos ortodoxos, a única maneira de sair da atual estagnação é aumentar os gastos do governo. Na expressão de seu principal representante, Paul Krugman, os gastos públicos deveriam ser usados como uma "ignição" da economia. Mas as atuais circunstâncias são diferentes das de uma economia em pós-depressão, das quais a "Teoria Geral" se ocupava.
Com os lares ainda desconfortáveis com seus altos graus de endividamento, a propensão marginal ao consumo continua singularmente baixa. O mundo está hoje mais integrado e nem mesmo uma economia continental como a dos Estados Unidos pode ser pensada como uma economia fechada. A menor propensão marginal ao consumo e a maior propensão marginal à importação reduzem a eficácia do multiplicador de renda keynesiano. Mesmo que ele fosse eficiente, o keynesianismo ortodoxo desconsidera o fato de que, hoje, o endividamento público não está apenas alto demais, mas está aumentando rapidamente. Os keynesianos ortodoxos afirmam que, com juro zero, isso é um almoço grátis. No curto prazo, provavelmente eles estejam certos, mas desprezam demais os riscos de uma alta dos juros no futuro. O endividamento público poderá subitamente ser percebido como não financiável. Esta é uma possibilidade especialmente ameaçadora para países como os Estados Unidos, onde, diferentemente do Japão, os estrangeiros mantêm uma parcela significativa da dívida.
Com os lares ainda desconfortáveis com seus altos graus de endividamento, a propensão marginal ao consumo continua singularmente baixa. O mundo está hoje mais integrado e nem mesmo uma economia continental como a dos Estados Unidos pode ser pensada como uma economia fechada. A menor propensão marginal ao consumo e a maior propensão marginal à importação reduzem a eficácia do multiplicador de renda keynesiano. Mesmo que ele fosse eficiente, o keynesianismo ortodoxo desconsidera o fato de que, hoje, o endividamento público não está apenas alto demais, mas está aumentando rapidamente. Os keynesianos ortodoxos afirmam que, com juro zero, isso é um almoço grátis. No curto prazo, provavelmente eles estejam certos, mas desprezam demais os riscos de uma alta dos juros no futuro. O endividamento público poderá subitamente ser percebido como não financiável. Esta é uma possibilidade especialmente ameaçadora para países como os Estados Unidos, onde, diferentemente do Japão, os estrangeiros mantêm uma parcela significativa da dívida.
Se não há um caminho claro e livre de riscos para uma recuperação rápida, por que é considerado imperativo que o crescimento deve ser perseguido a qualquer custo? O crescimento domina o debate público, define os bons e os maus governos, elege ou derrota candidatos. O ritmo acelerado das economias na fronteira tecnológica definiu o crescimento como um imperativo no século XX. Mas o crescimento é um fenômeno relativamente novo; praticamente, não houve crescimento até a Revolução Industrial do século XVIII. Se alguém pergunta por que crescer, provavelmente a resposta será que o emprego exige isso. É verdade, mas o desemprego é um problema apenas quando a economia cresce menos que a taxa de crescimento da força de trabalho. O que provoca um aumento maior do desemprego são as flutuações do crescimento, especialmente aquelas associadas às crises financeiras. O desemprego está mais correlacionado às flutuações do crescimento do que ao baixo crescimento, contanto que seja pelo menos igual ao crescimento demográfico.
Então, por que, após uma grande crise financeira, depois de conseguirmos por pouco evitar outra Grande Depressão, estamos tão ansiosos por crescer? Por que estamos querendo usar todo tipo de experiência não testada para estimular artificialmente a demanda e correr o risco do estouro de uma nova e mais destruidora bolha no futuro? Uma possível resposta é que o crescimento mais lento é percebido como um fenômeno cíclico, o que hoje, após a síntese keynesiana, é entendido como um sinal de má administração macroeconômica. Uma explicação mais elementar é que queremos crescer simplesmente porque mais é melhor. Precisamos crescer para ficarmos mais ricos. Por que essa necessidade de ficar rico a qualquer custo?
Em um ensaio de 1930, "Possibilidades econômicas de nossos netos", a resposta de Keynes a essa pergunta contradiz o consenso moderno: o motivo para crescer e ficar rico é poder trabalhar menos. O número de horas de trabalho de fato caiu nos países ricos, mas bem menos que o esperado. O trabalho nunca foi considerado tão importante, um componente essencial de nossa vida e personalidade. O próprio Keynes intuiu por quê. No mesmo ensaio, disse que, uma vez garantidas as necessidades básicas, o homem então se depara com esta dúvida eterna: o que fazer com o tempo e a liberdade que os juros acumulados e a ciência lhe deram?
A correlação entre o crescimento e o bem-estar fica muito mais fraca depois de alcançado um nível de renda surpreendentemente baixo. O fato de não haver um substituto claro e quantificável para o crescimento enquanto representante do bem-estar ajuda a explicar por que continua sendo um objetivo tão perseguido. A felicidade, se quantificável como um estado mental objetivo, não pode servir de medida do bem-estar. Se entendida como uma condição existencial, não é quantificável. Quando fica claro que os limites físicos do planeta serão duramente pressionados pela tentativa de proporcionar à população mundial o nível de consumo material dos países avançados, a obsessão em promover o crescimento no curto prazo a qualquer preço é ainda mais questionável.
Hoje, somos todos keynesianos, no sentido que a palavra adquiriu, de um foco excessivo no curto prazo. Horrorizados com a possibilidade de uma demanda insuficiente, interpretamos erroneamente as condições de longo prazo como problemas de curto prazo. A sagacidade de Keynes no debate público é melhor lembrada por sua observação de que "no longo prazo todos estaremos mortos", mas Keynes não se reconheceria nessa indiferença contemporânea pelos riscos de longo prazo. Recentemente, ouvi a história de que, ao sair de uma reunião de economistas keynesianos no Canadá, após o acordo de Bretton Woods, Keynes observou que provavelmente era o único economista não keynesiano na sala.
Parece que esquecemos a lição do modelo neoclássico de crescimento de Solow-Swan: na fronteira tecnológica, o crescimento é uma função do crescimento demográfico e do progresso tecnológico. Não há sentido em forçar artificialmente a demanda. Certa vez, ao falar sobre os anos 1930, Keynes disse que as economias avançadas sofreram as dores do crescimento do passado, e não de problemas da idade avançada. Podemos finalmente ter batido à porta da velhice, mas insistimos em tratar nossos problemas como dores do crescimento acelerado, pois nosso olhar não vão além do curto prazo. (Tradução: Mario Zamarian)
André Lara Resende é economista. O texto, em inglês, foi apresentado em seminário na Casa das Garças, homenagem aos 70 anos do Pedro Malan
Fonte: Valor Econômico
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