sábado, 8 de junho de 2013

Um silêncio que incomoda – Denise Rothenburg

Se houve algum efeito a longo prazo do debate travado nas eleições de 2010, ele certamente deixou uma herança maldita ao país. De tudo o que foi posto sobre a mesa durante a disputa daquele ano, a chamada pauta religiosa e a discussão sobre o meio ambiente perduram até hoje, quase três anos depois de as urnas serem abertas. Na época, para ter a "garantia de vitória", a então candidata à Presidência da República Dilma Rousseff amarrou o futuro governo em ambos os debates. Primeiro, se comprometeu a não reduzir áreas de proteção ambiental e reservas, como forma de garantir a neutralidade da então candidata verde, Marina Silva, no segundo turno. Depois, se comprometeu com entidades religiosas a não tomar a iniciativa em qualquer debate referente ao aborto ou à união homoafetiva no Congresso Nacional, para fugir da pecha de abortista e garantir os votos de católicos e protestantes.

Na questão referente ao Código Florestal, o compromisso assumido turbinou a tramitação conturbada do projeto no Congresso — onde Dilma travou uma guerra de nervos com ruralistas. Embora amarrado, o Planalto participou das discussões sobre uma política de Estado para a ocupação do solo brasileiro. Tudo porque esse posicionamento lhe era conveniente. Por outro lado, no debate referente ao aborto, não houve um único sinal de fumaça da presidente nem de seus subordinados. Se Dilma deveria carregar um arrependimento da campanha de 2010, ele certamente é a assinatura da "Carta aberta ao povo de Deus". Lá no meio do texto, a então candidata escreveu: "Cabe ao Congresso Nacional a função básica de encontrar o ponto de equilíbrio nas posições que envolvam valores éticos e fundamentais, muitas vezes contraditórios, como aborto, formação familiar, uniões estáveis e outros temas relevantes, tanto para as minorias como para toda sociedade brasileira". Estrago feito, o que hoje se vê é um governo mudo, quase impassível diante da pauta conservadora.

As marchas religiosas que ocuparam a Esplanada e miraram o Congresso tiveram como resultado imediato a aprovação do Estatuto do Nascituro na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. A proposta abre um buraco jurídico imenso para que mesmo o aborto em caso de estupro não seja mais descriminalizado ali adiante. Para ser definitivamente carimbado pelo Legislativo, faltam ainda o plenário da Casa baixa, além de toda a tramitação no Senado. A pauta defendida por igrejas de toda sorte é legítima, além de ter considerável poder de ressonância na sociedade. Assim não fosse, não teria carregado cerca de 50 mil pessoas em dois dias para a Esplanada — vale lembrar que as marchas de servidores públicos promovidas pelas centrais sindicais, na maior parte das vezes, não reúnem nem um décimo disso. Legítima também era a ideia de que esse debate deveria nortear a escolha do presidente da República para o quadriênio 2011-2014. Em uma democracia, cada um escolhe os critérios que bem entende para decidir qual tecla apertar no tête-à-tête com a urna.

O problema é ver os órgãos criados pelo Palácio do Planalto para discutir exatamente esses temas serem imobilizados por quatro anos. Para conseguir ao menos se pronunciar sobre a aprovação do Estatuto do Nascituro, a Secretaria de Políticas para as Mulheres replicou uma nota do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, formado também por integrantes da sociedade civil — externo, portanto, ao governo. É muita timidez se comparado, por exemplo, ao volume utilizado pela então ministra Iriny Lopes, em 2011, na tentativa de censura à campanha de uma empresa de lingerie estrelando a modelo Gisele Bundchen por suposto teor sexista. O paradoxo não para aí. Não faz um mês, a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, lançou-se em uma rede social para atribuir à oposição a responsabilidade pelos boatos que geraram pânico sobre o fim do Bolsa Família. Não externou o mesmo ímpeto para comentar o posicionamento acerca da pauta conservadora do Congresso Nacional — que vai além do debate em torno do aborto, diga-se. Neste momento, poucos silêncios são mais incômodos.

Explicação aguardada

Já que o assunto é o silêncio do governo, há outro a ser abordado. Mais cedo ou mais tarde, o Planalto terá de romper a postura atual sobre os boatos do Bolsa Família. Depois de toda a confusão armada em torno do suposto fim do programa, não há entrevista mais aguardada em Brasília do que aquela a ser agendada para anunciar o resultado das "investigações" comandadas pela Polícia Federal. Certamente, faltará autoridade disposta a mostrar quais das suspeitas levantadas pelos titulares da Esplanada se confirmaram. Até aqui, já se falou em "ações orquestradas" e "centrais de boatos da oposição". Resta apenas um erro do próprio governo. Alguém se candidata a assumir esse ônus?

Fonte: Correio Braziliense

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