- Folha de S. Paulo
Desde 2009 a responsabilidade fiscal tem piorado. Partimos de um superavit primário, obtido somente com receitas recorrentes, de 3,5% do PIB em 2008 para um deficit primário recorrente de provavelmente 2,5% do PIB em 2016.
A responsabilidade fiscal foi construída no segundo mandato do presidente FHC, tendo como princípio básico que o Executivo nacional era responsável, perante o eleitor, pelo equilíbrio macroeconômico. Era necessário, portanto, controlar os Estados e os municípios, que, no afã de resolver seus problemas locais, acabaram produzindo nossa hiperinflação nos anos 1990.
A construção do segundo mandato de FHC impediu os Estados e os municípios de aumentar seus gastos sem ter receitas, bem como limitou pesadamente a capacidade deles de contrair dívidas.
Não houve muita preocupação com a União. A ideia, como vimos, era que a estrutura de incentivos de nossa democracia é suficiente para garantir a responsabilidade fiscal da União.
A irresponsabilidade fiscal que assolou crescentemente a União desde 2009 sugere que a construção do segundo mandato de FHC superestimou a inteligência dos futuros governantes: ao serem irresponsáveis, acabaram gerando brutal problema para si mesmos, além de atolarem o país na pior crise fiscal de nossa história.
Como escreveu meu colega Alexandre Schwartsman neste espaço na semana passada, não é a crise econômica que causou a crise fiscal. A crise fiscal, ao encurtar muito o horizonte de cálculo empresarial, fez o investimento despencar, processo que está na raiz da atual crise, além dos efeitos sobre a produtividade da desastrosa "nova matriz econômica".
O diagnóstico do governo e do Congresso Nacional de que a crise fiscal é consequência, e não causa, da crise econômica tem produzido uma agenda legislativa que está destruindo a construção mais importante do segundo mandato de FHC: o equilíbrio fiscal dos Estados e dos municípios.
Foi aprovado no Senado, na semana passada, o projeto de lei complementar 315, de 2015, que elimina a punição –barrar as transferências voluntárias; a obtenção de garantia, direta ou indireta, de outro ente federativo; e as contratações de operações de crédito– aos municípios cuja despesa de pessoal exceda o limite de 60% da receita corrente líquida, quando há queda de 10% da receita.
Não importa se o município já estava desenquadrado antes da queda da receita e consideram-se, no cômputo da receita total, os royalties de petróleo, que não deveriam ser computados, pois são de caráter não recorrente. Não poderiam ser empregados para financiar gastos de custeio.
Tramita também no Congresso Nacional o projeto de lei complementar 257, de 2016, que renegocia as dívidas dos Estados em troca de diversas contrapartidas. O objetivo do PLC é, como foi o caso do projeto dos municípios, aumentar o espaço fiscal atual dos Estados e empurrar para a frente o problema fiscal.
A nota positiva do alívio é que ele requer algumas contrapartidas dos Estados: vedação à concessão de reajustes acima da inflação a servidores e benefícios fiscais a empresas e limitação do crescimento de outras despesas correntes à taxa de inflação, entre outras.
Mas há um movimento para que, como no caso dos municípios, o projeto seja aprovado sem contrapartidas! Vai-se o último bastião da responsabilidade fiscal. Retorno aos anos 1980.
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