terça-feira, 1 de julho de 2025

A nova política digital - Pedro Doria

O Globo

Muçulmano de 33 anos gastou seu dinheiro, principalmente, em vídeos curtos no TikTok e no Instagram

A escolha pelo Partido Democrata do deputado estadual Zohran Mamdani como seu candidato a prefeito de Nova York abre algumas conversas sobre o momento da política. Mamdani é muçulmano, bastante jovem aos 33, bem de esquerda para padrões americanos e era um completo desconhecido até uns meses atrás. Ainda assim, os filiados ao partido o preferiram ao ex-governador Andrew Cuomo, próximo da liderança tradicional democrata. Um dos aspectos mais interessantes da eleição primária pode ser o seguinte: acabou a fase Twitter das campanhas eleitorais e entramos numa fase TikTok. As duas plataformas são muito diferentes, e o predomínio de uma sobre a outra muda como pensamos a transformação das democracias pelo meio digital.

A tese sobre essa mudança de fases foi apresentada pelos jornalistas Ezra Klein (New York Times) e Chris Hayes (MSNBC) num podcast na semana passada. Cuomo, que renunciou ao governo do estado em 2021 depois de inúmeras denúncias de assédio sexual, fez uma campanha tradicional: encheu as televisões com propaganda. Mamdani, não. Gastou seu dinheiro, principalmente, em vídeos curtos no TikTok e no Instagram. O resultado de ordem prática é que os nova-iorquinos viram mais do segundo que do primeiro.

Redes sociais entraram no mapa das campanhas políticas em 2016, com o plebiscito do Brexit no Reino Unido e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Ali, as plataformas dominantes eram Facebook e Twitter (hoje X). Nelas, boa parte das interações se dava por textos curtos. Mesmo que o Face permitisse parágrafos e mais parágrafos, a preferência dos usuários era escrever pouco. Em ambas, os algoritmos de recomendação buscavam, principalmente, o atrito. As emoções carregadas. Expor grupos àquilo que os inflamasse.

Talvez a principal característica das redes de textos predominantemente curtos seja o esvaziamento de nuance somado a certo tribalismo ideológico. Hayes trata ambas como “redes iliberais”, no sentido de sepultarem qualquer possibilidade de diálogo, dando preferência à organização do público em grupos consolidados e em conflito. Não eram, como seguem não sendo, espaços de reflexão. O tamanho do texto não permite, e o algoritmo dificulta o encontro entre pessoas dispostas a conversar.

TikTok e Instagram são muito diferentes. Segue não havendo nuance, mas a lógica do vídeo curto exige empatia. Em ambas, é preciso ser agradável. Quem arranca um sorriso ligeiro faz inevitavelmente mais sucesso. No caso do Instagram, há estímulo a que os influenciadores compartilhem parte da vida pessoal com o público. Mamdani, muito pela idade, é um consumidor dessas redes. Quem melhor produz para elas é quem está habituado a sua linguagem, inevitavelmente. De desconhecido, tornou-se um sucesso imenso em poucas semanas. E terminou escolhido candidato.

Ainda é cedo para determinar que essa mudança tenha vindo para ficar. Se as redes de texto estiverem mesmo menos populares, teremos menos políticos que se destacam pela agressividade como Donald Trump ou Jair Bolsonaro. São, ambos, produtos daquele ambiente. Mas isso não quer dizer que os problemas das democracias tenham passado. Nas redes de vídeo curto, políticos radicais têm a oportunidade de disfarçar o extremismo. Tornam-se afáveis. O público passa a tratá-los como artistas mais que políticos. Nos Estados Unidos, já há palavra para descrever isso: politainment. Política enquanto entretenimento.

Lá os políticos que mais se destacam em ambas as redes são a deputada federal Alexandria Ocasio-Cortez e o próprio Mamdani. Ambos muito carismáticos, hábeis no vídeo e na ponta mais à esquerda do Partido Democrata. Não são antidemocráticos, não são golpistas, mas defendem ideias radicais para os padrões americanos. Pode querer dizer que o domínio da direita das plataformas digitais talvez esteja ameaçado. Mas não aponta no rumo da moderação. Na verdade, consolida a polarização afetiva, erode pontes. É ir para a guerra. Ao menos, agora, com um sorriso no rosto.

 

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