O Globo
Muçulmano de 33 anos gastou seu dinheiro,
principalmente, em vídeos curtos no TikTok e no Instagram
A escolha pelo Partido Democrata do deputado estadual Zohran Mamdani como seu candidato a prefeito de Nova York abre algumas conversas sobre o momento da política. Mamdani é muçulmano, bastante jovem aos 33, bem de esquerda para padrões americanos e era um completo desconhecido até uns meses atrás. Ainda assim, os filiados ao partido o preferiram ao ex-governador Andrew Cuomo, próximo da liderança tradicional democrata. Um dos aspectos mais interessantes da eleição primária pode ser o seguinte: acabou a fase Twitter das campanhas eleitorais e entramos numa fase TikTok. As duas plataformas são muito diferentes, e o predomínio de uma sobre a outra muda como pensamos a transformação das democracias pelo meio digital.
A tese sobre essa mudança de fases foi
apresentada pelos jornalistas Ezra Klein (New York Times) e Chris Hayes (MSNBC)
num podcast na semana passada. Cuomo, que renunciou ao governo do estado em
2021 depois de inúmeras denúncias de assédio sexual, fez uma campanha
tradicional: encheu as televisões com propaganda. Mamdani, não. Gastou seu
dinheiro, principalmente, em vídeos curtos no TikTok e no Instagram. O
resultado de ordem prática é que os nova-iorquinos viram mais do segundo que do
primeiro.
Redes sociais entraram no mapa das campanhas
políticas em 2016, com o plebiscito do Brexit no Reino Unido e a eleição
de Donald
Trump nos Estados Unidos.
Ali, as plataformas dominantes eram Facebook e Twitter (hoje X). Nelas, boa
parte das interações se dava por textos curtos. Mesmo que o Face permitisse
parágrafos e mais parágrafos, a preferência dos usuários era escrever pouco. Em
ambas, os algoritmos de recomendação buscavam, principalmente, o atrito. As
emoções carregadas. Expor grupos àquilo que os inflamasse.
Talvez a principal característica das redes
de textos predominantemente curtos seja o esvaziamento de nuance somado a certo
tribalismo ideológico. Hayes trata ambas como “redes iliberais”, no sentido de
sepultarem qualquer possibilidade de diálogo, dando preferência à organização
do público em grupos consolidados e em conflito. Não eram, como seguem não
sendo, espaços de reflexão. O tamanho do texto não permite, e o algoritmo
dificulta o encontro entre pessoas dispostas a conversar.
TikTok e Instagram são muito diferentes.
Segue não havendo nuance, mas a lógica do vídeo curto exige empatia. Em ambas,
é preciso ser agradável. Quem arranca um sorriso ligeiro faz inevitavelmente
mais sucesso. No caso do Instagram, há estímulo a que os influenciadores
compartilhem parte da vida pessoal com o público. Mamdani, muito pela idade, é
um consumidor dessas redes. Quem melhor produz para elas é quem está habituado
a sua linguagem, inevitavelmente. De desconhecido, tornou-se um sucesso imenso
em poucas semanas. E terminou escolhido candidato.
Ainda é cedo para determinar que essa mudança
tenha vindo para ficar. Se as redes de texto estiverem mesmo menos populares,
teremos menos políticos que se destacam pela agressividade como Donald Trump
ou Jair
Bolsonaro. São, ambos, produtos daquele ambiente. Mas isso não quer dizer
que os problemas das democracias tenham passado. Nas redes de vídeo curto,
políticos radicais têm a oportunidade de disfarçar o extremismo. Tornam-se
afáveis. O público passa a tratá-los como artistas mais que políticos. Nos
Estados Unidos, já há palavra para descrever isso: politainment. Política
enquanto entretenimento.
Lá os políticos que mais se destacam em ambas
as redes são a deputada federal Alexandria Ocasio-Cortez e o próprio Mamdani.
Ambos muito carismáticos, hábeis no vídeo e na ponta mais à esquerda do Partido
Democrata. Não são antidemocráticos, não são golpistas, mas defendem ideias
radicais para os padrões americanos. Pode querer dizer que o domínio da direita
das plataformas digitais talvez esteja ameaçado. Mas não aponta no rumo da
moderação. Na verdade, consolida a polarização afetiva, erode pontes. É ir para
a guerra. Ao menos, agora, com um sorriso no rosto.
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