• Especialistas veem em propostas no Parlamento perigo para investigações
Mudanças em acordos de leniência com empresas infratoras, proibição de que presos façam delação premiada e alteração no prazo para concluir inquéritos são medidas que ameaçam combate a irregularidades, dizem analistas
Enquanto a Lava-Jato revela esquemas de corrupção no país, propostas sobre o tema proliferam no Congresso, mas, na visão de analistas, muitas podem ter o efeito contrário, travando investigações e amenizando punições, conta Cleide carvalho. Algumas já em vigor, como a medida provisória que modificou acordos de leniência com empresas infratoras, são criticadas por especialistas.
Risco de impunidade
• Especialistas alertam que projetos em curso no Congresso podem dificultar investigações
Cleide Carvalho - O Globo
-SÃO PAULO- Nos últimos dois anos, enquanto a Operação Lava-Jato revelava minúcias da corrupção no Brasil, inúmeros projetos foram apresentados ao Congresso para regular o tema. Em 2015, foram cerca de 200 proposições, cinco vezes a média dos últimos dez anos. O que se vê, no entanto, é que a preocupação com o assunto pode não resultar em maior resguardo da população brasileira. As propostas que tramitam com mais rapidez são justamente as que podem criar dificuldades para investigações ou embutem mecanismos que abrandam punições.
No total, 528 proposições que versam sobre corrupção tramitam pelas comissões da Câmara dos Deputados e do Senado sem que se transformem em leis capazes de moralizar a administração pública. Algumas estão no Congresso há uma década. Em 2005, Anselmo de Jesus, um agricultor que chegou à Câmara eleito pelo PT de Rondônia, decidiu cortar na própria carne. Apresentou uma proposta de emenda à Constituição que extingue o foro privilegiado para deputados e senadores. Em dez anos, recebeu um único parecer favorável, até hoje não votado.
— No Congresso, o mais fácil é fazer um projeto parar. Difícil é fazer andar — diz o deputado Mendes Thame (PV-SP), presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção.
Na contramão da proposta de Anselmo de Jesus, parlamentares passaram a discutir nas últimas semanas a ampliação do foro privilegiado a ex-ocupantes de cargos públicos, como presidentes da República. Incomodados com os dois anos de atuação da Lava-Jato, muitos parlamentares já defendem um prazo máximo de duração para as investigações. Um projeto de lei do senador Blairo Maggi (PR-MT), por exemplo, estabelece o prazo de 12 meses, prorrogável por igual período uma única vez, para a conclusão de inquérito. Se esse prazo já estivesse em vigor, muitos inquéritos abertos pela Lava-Jato seriam prejudicados.
Projetos que tramitam com rapidez têm gerado receios entre os adeptos de medidas duras contra a corrupção. No fim de março, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), determinou que o projeto de revisão do Código Penal, apresentado em 2010, passasse a tramitar em comissão especial, agilizando seu andamento. Mais de 80 projetos de lei já foram apensados — 44 deles apresentados depois do início da Lava-Jato. A corrida gera incertezas.
— A sociedade precisa ficar atenta. Chama atenção que mudanças importantes no Código Penal entrem na pauta de discussões neste momento conturbado — afirma Rodrigo Chemin, procurador da República no Paraná.
Para Chemim, o Brasil corre o risco de repetir o que aconteceu na Itália depois da Operações Mãos Limpas, quando os políticos passaram a mudar as leis para garantir a impunidade e evitar que continuassem a ser alcançados por investigações sobre pagamento de propinas.
Em 2014, quando a Polícia Federal cumpriu a primeira fase da Lava-Jato, o alvo ainda era a atuação de doleiros. O esquema de corrupção na Petrobras, com participação de partidos políticos e das maiores empreiteiras do país, só foi desvendado no decorrer das investigações. Até março, haviam sido instaurados 1.114 procedimentos investigatórios.
— É pelo Parlamento que pode começar a mudança para alcançar maior efetividade da legislação penal em crimes do colarinho branco; mas é também pelo Parlamento que o caminho inverso pode se concretizar, permitindo a perpetuação de modelos corruptos de fazer política — alerta Chemim.
Mendes Thame vê nas discussões do marco regulatório de bingos e cassinos no Brasil, hoje proibidos, uma facilitação da lavagem de dinheiro. O lobby, segundo Thame, é poderoso, ao sinalizar com empregos e investimentos internacionais:
— Éa maior lavanderia do mundo. De um lado, o dono do bingo simula perda. De outro, o dono da fortuna ilícita simula ganho e legaliza o dinheiro sujo — explica.
Para Thame, porém, nada é mais grave do que a tentativa do próprio governo de beneficiar as empreiteiras com uma medida provisória que muda as regras do acordo de leniência, permitindo que eles sejam negociados sem a participação do Ministério Público. A medida, que está em vigor mas precisa ser confirmada pelo Congresso até 29 de maio para não perder seus efeitos, também prevê que a celebração do acordo impede a continuação de ações de improbidade.
— Projetos tentam burocratizar as investigações, obrigando que o Ministério Público notifique o advogado do investigado a cada ato. Todos sabemos que a demora leva à impunidade — diz o promotor Roberto Livianu, do Ministério Público Democrático e do Instituto Não Aceito Corrupção.
Segundo Livianu, com a bandeira de moralizar o pagamento a servidores, o Executivo incluiu num projeto o corte de auxílios pagos a juízes e procuradores.
— É uma clara retaliação às investigações feitas pelo Ministério Público.
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