domingo, 10 de abril de 2016

Juristas enxergam ‘desvio de finalidade’ em trocas de cargos

• Especialistas em direito afirmam que nomeações com objetivo de barrar o impeachment afrontam o interesse público

Gustavo Aguiar, Pedro Venceslau, Gilberto Amendola e Gabriela Caesar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As denúncias de que o governo criou um balcão de negócios no Congresso para comprar os votos de deputados contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff configuram desvio de finalidade, segundo juristas consultados pelo Estado. De acordo com Modesto Carvalhosa, autor de livros sobre a corrupção no Brasil, o PT adotou a prática desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

“A prática não surpreende. Desde o tempo do mensalão, está provado que essa é a maneira de governar, é esse método de comprar os deputados, à base de dinheiro”, afirmou o jurista. Para ele, o governo tem até estratégia: convencer deputados cujos eleitores estejam distantes do debate público e que, por isso, não mudariam de opinião sobre o parlamentar caso ele votasse a favor de Dilma.

Em artigo publicado do blog do jornalista Fausto Macedo, no Estadão.com.br, Hamilton Dias de Souza, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP e membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), sustenta que “não há interesse público que legitime tal manobra. Toda ela é pautada por interesses essencialmente particulares e partidários atrelados à manutenção e continuidade de um projeto de poder. O interesse não é público, é único e exclusivo da presidente e do partido da situação.”

Segundo ele, se for comprovado que as nomeações não estão amparadas pelo interesse público, fica caracterizado “desvio de finalidade” da presidente.

Para Carvalhosa, “a ida de Lula ao Ceará demonstra a tentativa de comprar votos”. “O governo deve estar procurando deputados eleitos por um Brasil profundo formado por gente que não tem opinião crítica sobre o impeachment. Esse deputado não vai ser afetado se votar a favor do governo.”

Para Carvalhosa, a atuação pregressa do deputado será a maior prova sobre sua posição no impeachment, e votos que destoarem muito do perfil de cada congressista poderão ser questionados.

Princípios. Para o jurista Ives Gandra, a troca de cargos por votos contra o impeachment fere quatro dos cinco princípios fundamentais da administração pública presentes no artigo 37 da Constituição de 1988: moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência. O quinto princípio é a publicidade. “Se for comprovado que o cidadão ganhou cargos ou dinheiro para votar contra o impeachment ou se ausentar, isso será um verdadeiro mensalão da Dilma. Trata-se de um desvio brutal de finalidade do poder público.”

Segundo Ives Gandra, esse processo pode resultar em um novo pedido de impeachment da presidente caso ela consiga barrar pedido assinado por Miguel Reale Júnior, Janaina Paschoal e Hélio Bicudo. “O fato é grave e configura um desvio de finalidade. Se ela escapar desse pedido, outros poderão ser abertos em função disso.”

Crise. O jurista Miguel Reale Jr., coautor do pedido de impeachment, diz que a compra por apoio está acontecendo somente do lado do governo. “Trata-se de um outro crime de responsabilidade, um crime contra a moralidade administrativa. Mais um motivo para ser a favor do impeachment.”

Para ele, o governo está agindo deliberadamente na compra de apoio: “Estão dando cargos e liberando emendas em um momento de crise. Em um momento em que não se pode ter novos gastos, estão comprometendo um orçamento que já não podem cumprir”.

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