domingo, 10 de abril de 2016

‘Efeitos da crise ainda devem durar muito’

• Especialista em sistemas eleitorais, cientista político acredita que turbulências vão se estender e prevê dificuldades para os partidos, qualquer que seja o desfecho do impeachment: ‘Temos um encontro marcado com uma economia destruída’, afirma.

Marco Grillo - O Globo

O cientista político Jairo Nicolau diz que hoje não há no país uma força política capaz de promover a união nacional e prevê uma crise longa.

• O desgaste do PT inviabiliza um novo governo de esquerda no país?

Os partidos de esquerda têm conseguido, juntos, entre 20% e 25% das cadeiras da Câmara dos Deputados. A esquerda governa o país nestes 13 anos porque fez uma coalizão com as forças de centro e centro-direita. Essa aliança parece ter chegado ao fim. O PT perdeu quadros importantes e tem visto seu apoio na opinião pública desmanchar. Uma parte do espólio petista provavelmente vai ser capturada por outras legendas. Mas nenhuma delas parece ter a força e o magnetismo do PT no seu momento de crescimento. Outro fator é que as forças que se juntaram em defesa da presidente são muitos díspares, com diferenças que reaparecerão em breve. O PSOL fazia oposição cerrada ao governo. Meses atrás, um documento do PT fez duras críticas à condução econômica do governo.

• Em caso de impeachment, o PMDB é capaz de comandar um governo de união nacional?

Não tenho grandes ilusões com o dia seguinte à votação do pedido de impeachment no plenário da Câmara. Os desafios são gigantescos. Concentramos uma enorme energia nas discussões sobre o impedimento da presidente, e os temas fundamentais sumiram da agenda. Temos um encontro marcado com uma economia destruída e com a piora das condições de vida da população. Não creio que nenhuma das forças políticas tenha condição de promover um governo de união nacional, como já assistimos em outros países em momentos de crise. Vejo fortes semelhanças entre a base parlamentar de um eventual governo Temer e a de Itamar Franco (ex-presidente): PMDB, DEM, PSDB, PPS e pequenos partidos de centro-direita. A diferença é que Temer terá uma oposição de esquerda muito mais consistente no Legislativo e fora dele, comandada por Lula e Dilma. A mobilização contra o impedimento não vai parar, pelo menos até a decisão do Senado. Sem contar que as investigações da Lava-Jato estão longe do fim, e diversos líderes do PMDB estão sendo investigados pelo STF.

• Caso o impeachment não passe, qual será o futuro do PMDB?

O PMDB nunca esteve completo em nenhum governo. Sempre deu espaço para que lideranças individuais e diretórios estaduais não participassem e até fizessem oposição. Foi assim com o governo de Fernando Henrique, tem sido assim na era petista. Mas, depois dessa polarização a que estamos assistindo, creio que setores expressivos do partido não tenham como voltar para o governo.

• Em um cenário de impeachment, como ficará o PSDB?

O conflito PT versus PMDB tirou o protagonismo do PSDB no processo de impedimento. Diga-se de passagem, o partido nunca foi um grande entusiasta da ideia. Imagino que o PSDB estará na base de um eventual governo Temer. Não tem outro jeito. Mas o partido não tem força para condicionar esse apoio a qualquer compromisso eleitoral para 2018.

• Com qual coalizão Dilma poderá contar se ficar no poder?

A base da coalizão é essa que estamos vendo para bloquear o impeachment: PT, PCdoB, PDT, pequenos partidos de centro-direita e setores do PMDB. O governo recorreu às negociações individuais, à pequena política e às promessas de futura participação no governo para sobreviver. Até ao PTN, com 13 deputados, foi prometido um ministério. Com isso, o governo perdeu uma parte do centro mais tradicional e terá que se ancorar em setores mais pragmáticos da direita. Uma péssima troca.

• Essa base é suficiente para sustentar o governo?

Esses partidos, somados aos de esquerda, dão ao governo entre 150 e 200 votos na Câmara dos Deputados. O que garante a aprovação da legislação ordinária. Mas não podemos esquecer que, desde meados de 2014, o governo praticamente não conseguiu aprovar nada relevante no Congresso. Para piorar, o deputado Eduardo Cunha tem conseguido sobreviver e, se não for afastado, ainda deve ser um fator de desestabilização para o governo até acabar o seu mandato, em 31 de janeiro de 2017.

• O parlamentarismo seria uma boa solução para o país?

Não acredito que seja hora de trazer esse tema à discussão. Já tivemos a péssima experiência de 1961, de buscar na mudança do sistema de governo a solução de uma crise política. Ninguém foi iludido com uma característica fundamental do presidencialismo, que é o mandato fixo. Se os governos acabam antes do prazo, paciência. O parlamentarismo também tem problemas. A Bélgica levou mais de um ano em negociações parlamentares para formar um governo. Sem contar que governos altamente impopulares, como o de John Major (ex-primeiro-ministro inglês), não caíram, mesmo com a possibilidade de o voto de desconfiança ser utilizado.

• A antecipação das eleições para outubro seria uma boa solução?

Eleição para presidente somente se o TSE anular as eleições de 2014. A outra alternativa, a renúncia simultânea de Dilma e Temer, me parece uma quimera. Também não vejo base política ou legal para encurtar um mandato por meio de emenda constitucional.

• A presidente sempre foi criticada pelo isolamento. Faltou a ela fazer política?

Esta característica foi agravada pela incapacidade de ter um operador político, um ministro da Casa Civil, que comandasse as negociações com o Congresso.

• Há uma análise de que o funcionamento das instituições, mesmo na crise, é um sinal de amadurecimento do país. Concorda?

Só depois de passarmos esta tormenta é que conseguiremos fazer uma avaliação cuidadosa das instituições brasileiras. Tendo a concordar com a visão de que elas estão funcionando, mas algumas questões me preocupam. A primeira é o crescente divórcio entre o sistema representativo e a sociedade brasileira. Os primeiros sinais apareceram em 2013, se aprofundaram nas eleições de 2014, com a alta taxa de votos nulos e em branco para o Congresso e, mais recentemente, na rejeição aos partidos políticos. Acho que o sistema partidário que organizou a política pós-1988 vive uma crise sem precedentes. A segunda é o poder discricionário de algumas figuras individuais sobre instâncias coletivas das suas instituições. Por exemplo: o que o (presidente da Câmara) Eduardo Cunha tem feito para retardar os trabalhos da Comissão de Ética e para decidir sobre o impeachment; e algumas decisões solitárias de ministros do STF sobre temas fundamentais, como a posse do (ex-presidente) Lula no Ministério, ou o pedido de abertura de impeachment do Michel Temer.

• Há condições para que as pontes entre governo e oposição sejam refeitas, seja qual for o resultado do processo de impeachment?

O clima não está para isso, e a votação em plenário tenderá a esgarçar mais as relações. A tendência é que os efeitos da crise ainda durem muito.

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