Com elegância, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, tratou de afastar qualquer possibilidade de atrito entre ele e seu colega Marco Aurélio Mello.
Este, na terça-feira (5), determinou que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) desarquivasse um pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer (PMDB). Na visão do ministro, caberia ao plenário da Câmara dos Deputados, e não ao presidente da Casa, avaliar a pertinência de instaurar tal processo.
Na quarta, analisando recurso de igual natureza, Celso de Mello respeitou a jurisprudência do STF e manteve outra decisão de Cunha, no sentido de arquivar um segundo pedido de afastamento de Temer. O decano da corte argumentou, com razão, que não deveria interferir no funcionamento do Legislativo.
Um dia depois, respondendo a perguntas sobre a divergência com o colega, disse que conflitos interpretativos são normais. "Não temos uma situação que possa ser considerada atípica", afirmou o decano.
Celso de Mello está certo quando lembra que são comuns os conflitos de interpretação. Exagera na mesura, contudo, ao asseverar que a situação não era atípica.
Era. O princípio da separação entre os Poderes está bem assentado na Constituição. Não que o Judiciário não possa se imiscuir nos assuntos do Executivo ou do Legislativo; o sistema funciona com freios e contrapesos, de forma que um possa conter excessos do outro.
Investidas judiciais, entretanto, deveriam ocorrer somente em face de patente violação legal e, sobretudo nas circunstâncias duvidosas, mediante aprovação do plenário do STF, quando se tratar de interferir em atos do governo federal ou do Congresso. Nunca por resolução de um único ministro.
Dúvidas não faltavam no caso decidido por Marco Aurélio Mello. Primeiro porque o regimento da Câmara prevê recursos contra o arquivamento de pedido de impeachment, sendo desnecessária a intervenção judicial. Segundo porque o Supremo jamais havia adotado essa linha em pedidos anteriores.
Ministros podem, naturalmente, questionar a tradição da corte; em temas tão delicados, todavia, deveriam sempre levar a discussão para o plenário.
Crítica semelhante cabe a Gilmar Mendes. Igualmente de forma monocrática, o ministro anulou a posse do ex-presidente Lula no Ministério da Casa Civil -um ato discricionário da chefia do Executivo. Pior, feriados e viagens pessoais garantiram que a decisão tenha validade por no mínimo um mês, embora ela seja provisória.
O Executivo e o Legislativo, dada a magnitude dos escândalos, sairão menores desta crise. O Judiciário pode sair maior; precisa, para isso, utilizar como critério apenas a lei, dividindo as demandas em certas e erradas, sem considerar consequências para amigos e inimigos -um salto de maturidade, aliás, que toda a sociedade precisa dar.
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