- O Globo
É nossa a responsabilidade pela indigência ambiental a que o Brasil desceu. Do país inteiro — de quem vota e de quem não vota
Mesmo não estando mais em janeiro de 1822, vale pegar carona em D. Pedro I para registrar o momento atual, tão decisivo para o futuro do Brasil. É para o bem de todos e informação geral da nação — sobretudo dos habitantes palacianos em Brasília — que transcrevemos abaixo um trecho do livro-choque “A Terra inabitável: Uma história do futuro”, de David Wallace-Wells. Best-seller nos Estados Unidos e recém-lançado no Brasil (Cia. das Letras), a obra é solidamente referenciada: às 281 páginas de texto seguem-se outras 77 só de notas e fontes bibliográficas.
O trecho pinçado é de compreensão universal, mesmo para quem é avesso a leituras sobre a questão ambiental:
“[...]Quando uma árvore morre — por processos naturais, incêndio, ou ação humana —libera na atmosfera o carbono armazenado, às vezes por séculos. Nesse sentido, ela é como um carvão. E é por isso que o efeito dos incêndios florestais sobre as emissões é um dos ciclos de retroalimentação climáticos mais temidos — o medo de que as florestas do mundo, normalmente sumidouros de carbono, se tornem fontes de carbono, liberando todo esse gás armazenado... E mais incêndios significam mais aquecimento, que significa mais incêndios. Simples assim. Na Califórnia, um único incêndio florestal pode eliminar por completo os ganhos de emissões conquistados no mesmo ano graças a todas as políticas ambientais agressivas promovidas pelo estado.
[...] Hoje, as árvores da Amazônia ficam com um quarto de todo o carbono absorvido por ano pelas florestas do planeta. Mas em 2018, o presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu abrir a selva tropical para o desenvolvimento — ou seja, para o desflorestamento. Quanto estrago uma só pessoa consegue causar ao planeta? Um grupo de cientistas brasileiros estimou que entre 2021 e 2030 esse desflorestamento liberaria o equivalente a 13,12 gigatoneladas de carbono. No ano passado, os Estados Unidos emitiram cerca de 5 gigatoneladas. Isso significa que essa política, sozinha, teria o dobro ou o triplo do impacto de carbono anual de toda a economia americana, com todos os seus aviões, automóveis, usinas a carvão. Ninguém emite mais carbono do que a China, o país foi responsável por despejar 9,1 gigatoneladas no ar em 2017. Isso quer dizer que a política de Bolsonaro equivale a acrescentar, mesmo que apenas por um ano, uma segunda China inteira ao problema do combustível fóssil mundial — sem contar os Estados Unidos.[...]”.
As queimadas amazônicas que esta semana colocaram o Brasil no epicentro do caos climático ainda não haviam ocorrido quando Wallace-Wells publicou o seu catálogo de transformações à nossa espreita. Mas em entrevista recente já elencara Bolsonaro e Donald Trump como representantes de uma “nova política que prega a inação ambiental”. Eles formam uma espécie de dupla sertaneja daninha para a terra, a água, o ar, a vida. E confirmam o adágio político convencional de que defesa do meio ambiente não dá voto, mesmo de quem professa ter ouvido fervoroso à causa.
Tome-se o exemplo da atual corrida democrata à sucessão de Trump em 2020. Da plêiade inicial de 20 candidatos cujas biografias, origens, raça, orientação sexual e plataformas não poderiam ser mais variadas, apenas um — Jay Inslee — tinha a mudança climática como prioridade número 1, o filtro essencial para a economia, a saúde pública, a segurança nacional, tudo. Esta semana, Inslee, que é governador do Estado de Washington, desistiu da disputa. Por falta de interesse de financiadores, de eleitores e da mídia em focar na atualíssima agenda ambiental do candidato. Isso, num partido que diariamente denuncia o desmonte ambiental colocado em marcha pelo governo Trump.
Nenhum dos poderosos do G-7 que este fim de semana se reúnem em Biarritz foi eleito por suas preocupações e propostas ambientais. Eles foram sendo catequizados à ação pela força das evidências, e para não perder a sua conexão com o coletivo humano. Exceto Trump, é claro. O “Washington Post” definiu o encontro das sete maiores potencias econômicas democráticas como “uma reunião anual cuja principal meta é evitar uma explosão em família” — leia-se, de Trump, o estranho no ninho que acaba de romper nova fronteira de irracionalidade em sua guerra comercial com a China.
Dadas as sandices e aberrações de alta periculosidade proferidas sobre nossas queimadas por membros do governo Bolsonaro, a começar pelo próprio presidente, é um alívio o Brasil estar a um oceano de distância do que se discutirá em Biarritz. Mas é nossa a responsabilidade pelo estado de indigência ambiental a que o Brasil desceu. Do país inteiro — de quem vota e de quem não vota. Ou de quem só vota.
Tristes trópicos em chamas.
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