domingo, 25 de agosto de 2019

Bruno Boghossian: Não era pela corrupção

- Folha de S. Paulo

Interferências frustram Moro e Deltan, mas bolsonarismo nunca ligou para corrupção

A Lava Jato vestiu o figurino de vítima de traição. Deltan Dallagnol disse que Jair Bolsonaro contribui com um movimento para enfraquecer o combate à corrupção. Em entrevista à Gazeta do Povo, o procurador afirmou que o presidente “se apropriou” da pauta na eleição e, agora, “vem se distanciando” dela.

A turma de Curitiba pegou carona com Bolsonaro para ampliar seus poderes. Percebeu, tarde demais, que os passageiros não têm direito a escolher a rota e o destino da viagem.

Embora a entrada de Sergio Moro no governo tenha lustrado a imagem de Bolsonaro, o presidente se mostra disposto a provar que não será dependente do lavajatismo. Ele faz questão de exercer sua intromissão sobre a Polícia Federal, a Receita e o Coaf com espalhafato (“fui presidente para interferir mesmo”) e sadismo (“eu que indico, não o Moro”).

Deltan apontou para uma fenda que já estava aberta no chão. Às vésperas do segundo turno de 2018, o Datafolha perguntou aos eleitores de Bolsonaro por que eles votariam naquele candidato. Só 10% deles citaram o combate à corrupção. A maioria mencionou a renovação (30%) ou a rejeição ao PT (25%).

A onda da Lava Jato ajudou Bolsonaro —não porque ele personificasse o esforço anticorrupção, como se vê, mas talvez por ter arrasado a política tradicional e o campo petista.

Passada a votação, dias antes da posse, apenas 4% do grupo que votou em Bolsonaro citavam a corrupção como a área em que o novo governo se sairia melhor. Mais da metade (51%) preferia apontar a segurança.

O combate à corrupção não foi prioridade para aqueles eleitores. Eles não quiseram saber se o candidato havia embolsado auxílio-moradia ou contratado a Wal do Açaí com dinheiro público. Depois, fizeram vista grossa para o caso Queiroz.

O choque com a Lava Jato testa o prestígio do presidente. O distanciamento pode levar o bolsonarismo ao colapso ou mostrar que ele não precisa partilhar sua autoridade. Nos dois casos, Moro e Deltan precisariam buscar outros caminhos.

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