Mercado
pressiona por aperto monetário forte e acelerado
O
mercado financeiro está pressionando o Banco Central para subir os juros com
mais vigor em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa
amanhã. Os juros futuros fecharam com forte alta na sexta-feira, precificando
quase 30% de chance de uma alta de 0,75 ponto percentual na Selic. Os ativos
gritam para que o BC elimine rapidamente os estímulos monetários, levando a
taxa para 6% ao ano.
A
tese defendida por muitos no mercado é que uma alta forte e rápida da taxa
Selic vai ter efeitos positivos na atividade econômica. Ou seja, com movimentos
corajosos, o Banco Central vai convencer o mercado de que vai ser implacável
com a inflação, fazendo com que a curva de juros fique menos inclinada, o dólar
recue e as condições financeiras gerais da economia fiquem mais favoráveis - o
que é bom para a economia.
“É um argumento completamente maluco”, diz um experiente economista que deu aulas para muitos dos que operam hoje no mercado. “Quanto mais ‘hawk’ você age, mais ‘dove’ você fica. Isso não faz sentido”, afirma, usando o jargão dos economistas para banqueiros centrais inclinados ao aperto monetário (“hawk”, falcão em inglês) e inclinados a distensão (“dove”, ou pombo).
“O
aperto monetário não é expansionista no curto prazo”, diz outro especialista,
também ex-professor. “O Banco Central que é expansionista vai colher
repercussões expansionista para a atividade, o que for contracionista vai ter
repercussões contracionista.” Eventuais ganhos do bom manejo da política
monetária só aparecem no médio e longo prazos. Um banqueiro central hábil, que
sobe os juros no tempo certo e na medida certa, sem ser leniente nem exagerar
na dose, colhe ganhos de credibilidade e consegue ancorar mais facilmente as
expectativas. Isso, no longo prazo, reduz a taxa de sacrifício em termos de
crescimento para cumprir as metas de inflação.
E
qual é o ritmo correto de ajustar a política monetária? Os operadores do mercado,
em geral, defendem rapidez. Eles tendem a olhar as repercussões de curto prazo
das ações do BC nas telas dos terminais, em ativos como juros e câmbio. O
perigo de agir de forma açodada é errar. Quando se está no mercado, isso pode
ser corrigido fechando posições. Se os banqueiros centrais agirem assim, a
economia real vai sofrer solavancos à toa.
Nós
ultimos anos, houve pelo menos dois momentos em que os mercados pediram mais
ação do BC e estavam errados. Em setembro de 2015, queriam que então presidente
do BC, Alexandre Tombini, subisse os juros dos 14,25% ao ano então vigentes
para perto de 20% ao ano. A economia já estava em recessão. Tombini disse numa
entrevista que não iria sancionar os preços de mercado, e a curva de juros
futuros caiu rapidamente.
Em
2018, foi a vez de Ilan Goldfajn ser pressionado a subir os juros fortemente,
depois que a taxa de juros disparou, acompanhando o dólar. A economia, na
época, crescia muito pouco, lembra um ex-integrante do colegiado. O BC de Ilan
indicou que só reagiria se a alta do dólar ameaçasse as expectativas de
inflação, o que nunca ocorreu.
Se
Tombini e Ilan tivessem sucumbido às pressões do mercado, a economia teria
sofrido ainda mais, e depois seria necessário mexer nos juros para desfazer o
malfeito. “Existe um livrinho básico do economista Alan Blinder sobre bancos
centrais que todos leem”, diz um especialista. “Nele, está escrito que o banco
central deve ser independente não só do governo, mas também dos mercados
financeiros.”
O
ritmo certo de alta de juros depende da situação. Quando a economia sofre um
grande choque, como foi a pandemia, faz-se um ajuste mais rápido para
contrapô-lo. Foi o que aconteceu no ano passado. Nessas condições extremas,
alguns membros do Copom defenderam fazer um ajuste de 1,5 ponto percentual de
uma vez, mas ainda assim venceu a posição cautelosa de dois movimentos de baixa
de 0,75 ponto. A boa prática diz que, uma vez feito o ajuste, segue vida
normal. O princípio básico é fazer movimentos de juros aos poucos, porque a economia
real é sempre cheia de incertezas.
Campos
Neto fez carreira no mercado financeiro, mas, no último recado público que deu
antes do período de silêncio do Copom, o estilo é de banqueiro central. “É
importante manter a calma, a tranquilidade”, afirmou. “Temos uma meta de
inflação de longo prazo e estamos olhando todas as variáveis, não só locais,
como as internacionais.”
O
costume do BC de Campos Neto tem sido seguir a retórica da reunião anterior do
Copom. Em janeiro, havia consenso de que seria adequado retirar os estímulos
monetários injetados durante a pandemia. A discussão foi sobre quando. Pelo
menos três membros do comitê defenderam o início de “um processo de
normalização parcial” em março. Ou seja, queriam subir de forma organizada (“um
processo”) para os níveis de antes da pandemia (4,25%). Nada indicava um ritmo
mais forte de subida de juros nem uma normalização completa. Já a maioria do
comitê, antes de decidir, gostaria de ver mais dados sobre “a evolução da
pandemia, da atividade econômica e da política fiscal”.
De
lá para cá esses indicadores não evoluíram da melhor maneira possível,
sobretudo a política fiscal. A visão otimista é que não houve ruptura, por isso
o BC não precisa reagir com desespero. A visão pessimista é que o balanço de
riscos ficou mais assimétrico, pendendo mais para o lado negativo. A inflação
esperada subiu, e a alta de juros deve ser maior ou mais antecipada do que se
previa em janeiro. Daí os economistas de mercado, que diferentemente dos
operadores costumam pensar de forma parecida com o Banco Central, acreditarem
em altas de 0,5 ponto percentual na Selic.
Mas uma incerteza importante é a evolução da pandemia. Há duas semanas apenas Campos Neto previa um “lockdown” ameno. “Se a gente tiver um maior lockdown que o esperado, não é o nosso cenário central, pode gerar um primeiro semestre um pouquinho pior”, disse. Alguns economistas acham que vale esperar para ver se o lockdown vai desacelerar a inflação. Outros acreditam que teremos uma estagflação.
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