As
corporações mostraram mais uma vez sua força
É
como naquelas brincadeiras de expectativa versus realidade que aparecem nas
redes sociais. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial era para
ser uma soma do útil ao agradável para a equipe econômica: num mesmo embrulho,
seria autorizada a necessária retomada do auxílio emergencial e dado o pontapé
inicial para um ajuste estrutural nas contas públicas. A realidade é uma versão
magra, desdentada e gastona dessa construção.
Logo
de início, ainda no Senado, a PEC perdeu um dos dispositivos mais potentes em
termos de ajuste: a supressão, do texto constitucional, dos gastos mínimos com
saúde e educação. Embora a equipe econômica tenha encontrado na Câmara dos
Deputados entusiastas da ideia, a iniciativa não prosperou entre os senadores.
Até porque um passo dessa magnitude não poderia de forma alguma ser dado às
pressas, no bojo de medidas emergenciais para lidar com uma pandemia.
Mas
não é possível ao governo creditar ao Congresso todo o desmonte dos mecanismos
de ajuste da proposta de emenda constitucional. O próprio Executivo cortou pela
metade, logo de saída, o potencial de economia que se poderia obter com a
revisão dos gastos tributários. Deixou de fora os maiores programas, como
Simples, Zona Franca de Manaus, entidades filantrópicas. É verdade que as
chances de sucesso no corte desses itens tenderiam a zero. Mas, o governo não
quis nem sinalizar a intenção.
Também
partiu do Executivo, e não do Congresso, a redação de um dispositivo que, na
prática, vai adiar para o próximo governo o ajuste das contas da União. A PEC
diz que as medidas de corte de despesas, como suspensão de reajustes e
contratações, serão disparadas quando os gastos obrigatórios atingirem 95% dos
gastos primários totais, ambos sujeitos ao teto. Pelas contas da Instituição
Fiscal Independente (IFI), isso só acontecerá em 2025. Se o índice fosse 93%,
os gatilhos seriam acionados em 2022.
Com essa calibragem que parece sob medida, as “maldades” que restaram na PEC Emergencial não serão usadas pelo governo federal no próximo ano eleitoral. Como notou o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, será possível até conceder reajustes salariais em 2022. A inflação alta da virada do ano, combinada com uma queda da taxa ao longo de 2021, poderá produzir uma folga no teto de gastos para acomodar essa e outras “bondades”.
Esse
espaço para gastos adicionais casa perfeitamente com a possibilidade de haver
progressões e promoções para os funcionários públicos, mesmo em estado de
calamidade. O presidente Jair Bolsonaro empenhou-se pessoal e explicitamente
por mais essa brecha para elevar despesas. O Congresso Nacional, que nunca quis
confusão com o funcionalismo, concordou. Mais uma vez as corporações saíram
ganhando, em detrimento do todo da população.
As
corporações mostraram sua força também ao derrubar um dispositivo que acabava
com a vinculação de recursos para custear ações de fiscalização da Receita
Federal e dos fiscos estaduais. Enquanto os auditores faziam uma paralisação e
ameaçavam entregar coletivamente seus cargos de chefia, o secretário da
Receita, José Tostes Neto, pressionava o ministro da Economia, Paulo Guedes. A
desvinculação foi desfeita.
A
mudança no texto da Constituição para pagar o auxílio emergencial reflete outro
problema dos bastidores do governo: o risco do “apagão das canetas”. Nenhum
funcionário quis assumir os riscos jurídicos e administrativos de viabilizar o
benefício por meio de um crédito extraordinário, como autorizado no atual
arcabouço. Por segurança, foi preciso mexer na Carta. É de se temer o que pode
acontecer com o texto constitucional, se a moda pegar. A Constituição de 1988
já é longa o bastante e possui diversos dispositivos que precisam de
regulamentação.
O
ajuste estrutural sonhado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, foi
desconstruído mais pelo próprio governo, cada vez mais preocupado com a
campanha eleitoral, do que pelo Congresso, onde Bolsonaro encontrou uma base de
apoio no Centrão. O principal agente desse desmonte foi o presidente da
República, cuja carreira como parlamentar foi pautada pela defesa de interesses
corporativos. Não existem dois governos no Brasil. É um só, e quem apostou numa
espécie de tutela em temas econômicos por parte do “posto Ipiranga” está vendo
os resultados.
Manobras contra o voto – Opinião / O Estado de S. Paulo
Reforma
eleitoral em discussão na Câmara tem dois temas que afetam capacidade de o
eleitor definir seus representantes
O direito ao voto é elemento essencial de um Estado Democrático de Direito. Esse direito fundamental pode ser ameaçado não apenas pela suspensão de uma eleição, por exemplo. Há muitas maneiras de distorcer a expressão da vontade popular nas urnas. Em concreto, a reforma eleitoral em discussão na Câmara tem dois temas que afetam diretamente a capacidade de o eleitor definir livremente quem serão seus representantes.
Há
a tentativa de voltar a permitir as coligações partidárias nas eleições
proporcionais. Trata-se de um claro retrocesso, cujo objetivo é revogar uma das
medidas mais positivas ocorridas nos últimos anos na legislação eleitoral.
Antes
de 2017, era permitido que os partidos estabelecessem coligações nas eleições
proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador), o que fazia com
que o voto num determinado candidato pudesse eleger outro candidato, de outro
partido, simplesmente em razão de uma coligação entre as legendas. Nesse
sistema, o eleitor não tem controle sobre os efeitos do seu voto, o que traz
problemas sérios em relação à representação.
Perante
esse problema, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional (EC) 97/2017,
proibindo as coligações partidárias nas eleições proporcionais, com vigência a
partir de 2020. Foi uma importante conquista que, até o momento, só foi
aplicada nas eleições municipais do ano passado. Não faz nenhum sentido que,
antes mesmo de começar a produzir seus efeitos nas esferas federal e estadual,
a proibição das coligações seja revista.
Vale
lembrar que se trata de matéria constitucional, aprovada em 2017 por mais de
três quintos das duas Casas Legislativas, em dois turnos. A pretensão de
revisar agora a proibição das coligações partidárias em eleições proporcionais
manifesta descaso com a Constituição, que deve dispor de um mínimo de
estabilidade e perenidade, bem como com o próprio Legislativo, que há pouco se
debruçou sobre o tema e proferiu uma decisão.
O
segundo tema capaz de piorar a qualidade da representação refere-se à criação
do chamado “distritão”.
Ressalta-se
que, apesar do nome, essa medida nada tem a ver com o voto distrital, vigente
em muitos países. No sistema distrital, há uma divisão do território em
pequenas circunscrições eleitorais, nas quais há apenas um candidato por partido,
permitindo uma melhor avaliação das propostas partidárias e, por consequência,
um melhor acompanhamento do candidato eleito ao longo do mandato. O voto
distrital aproxima o candidato do eleitor e, com isso, contribui para diminuir
o custo das campanhas eleitorais.
Já
no “distritão” não se trata de aproximar o eleitor dos candidatos, e sim de
assegurar domínio político sobre determinado (e grande) território. A
estratégia não é nada sutil. Trata-se de implantar o sistema de eleição
majoritária em grandes circunscrições, chamando cada Estado de distrito.
Com
isso, a representação partidária é desvalorizada. O “distritão” beneficia os
candidatos conhecidos, notadamente aqueles que já têm mandato. Nessa nova
dinâmica, ganham as personalidades do mundo do entretenimento e os oligarcas da
política, cujos nomes são facilmente reconhecidos pelos eleitores. Saem
ganhando também grupos que detêm poder territorial – milícias, igrejas e
coronéis.
O
“distritão”, para muitos, é uma manobra para assegurar a reeleição – ou melhor,
a perpetuidade – de chefes partidários e seus prepostos. Além de prejudicar a
sempre necessária renovação do Legislativo, esse sistema avilta a democracia
representativa, uma vez que os eleitos não representam nada senão eles mesmos,
em total desacordo com o regime representativo inscrito na Constituição, com
participação fundamental dos partidos.
A
reforma política deve aperfeiçoar o sistema, e não piorá-lo. Coligações em
eleições proporcionais e “distritão” diminuem a liberdade do eleitor, seja
distorcendo a vontade expressa nas urnas, seja impondo um sistema que apenas
consolida o poder de alguns. A liberdade política dá direito a escolher, e não
simplesmente a obedecer.
Comida ainda é o problema – Opinião / O Estado de S. Paulo
Com
o consumidor tão apertado, não há como falar de inflação de demanda
Como o coronavírus, a inflação ataca sem preconceito e sem discriminação. Comer carne ficou 29,51% mais caro nos 12 meses terminados em fevereiro. Para o vegetariano a pancada também foi forte. Os preços de hortaliças e verduras subiram 23,30% nesse período. Cereais, leguminosas e oleaginosas, grupo onde se enquadram arroz, feijão e trigo, encareceram 57,83%. No caso de leite e derivados, a alta acumulada chegou a 15,44%. Na média, o custo de alimentação e bebidas aumentou 15% no intervalo de um ano. Convém pensar nesses dados para avaliar os números atualizados da inflação oficial, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), publicados na quinta-feira passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Comida
e bebida ainda são, para a maior parte das famílias, um dos itens principais do
orçamento mensal. Além disso, comer é algo especialmente complicado neste país.
O desemprego no Brasil é um dos maiores do mundo capitalista, o dobro do
registrado, em média, nos 37 países-membros da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico. Além disso, os mais pobres perderam desde o começo
do ano o auxílio emergencial. O auxílio deve voltar, mas será mais limitado que
o de 2020. Apesar de tudo, o IPCA de fevereiro parece ter trazido uma notícia
animadora sobre o custo da comida. Animadora, mesmo?
No
mês passado o IPCA subiu 0,86%, a taxa mais alta para fevereiro desde 2016,
quando a variação foi de 0,90%. Encareceram oito dos nove grandes itens
considerados na pesquisa. O item alimentação e bebidas também subiu, mas bem
menos que em janeiro. De um mês para outro a taxa recuou de 1,02% para 0,27%. A
desaceleração é clara, mas, antes de festejá-la, convém observar alguns
detalhes.
Para
comer e beber, o consumidor brasileiro enfrentou uma alta de custos de 15% nos
12 meses até fevereiro. Alguns componentes da alimentação, como carnes e
verduras, subiram além dessa média. A desaceleração ocorreu, portanto, quando o
nível de preços já era muito alto.
Um
exemplo simples pode esclarecer esse ponto. Um carro sobe o espigão da Avenida
Paulista a partir do Ibirapuera e perde impulso uma ou duas quadras antes do
topo. A velocidade diminui, mas o carro já está lá em cima. Qualquer movimento
depois, digamos, do penúltimo quarteirão, ocorrerá a partir de um ponto muito
elevado. Houve algo semelhante, em fevereiro, na evolução do custo da comida.
Para
avaliar a situação do consumidor e identificar seus maiores problemas é preciso
considerar mais que os dados de curto prazo, como os de janeiro e fevereiro.
Com alta de 2,28% no mês passado, o item transportes teve impacto de 0,45 ponto
na formação do índice geral (0,86%). Com variação de 0,27%, o grupo alimentação
e comidas produziu efeito de apenas 0,06 ponto porcentual. Mas o gasto efetivo
das famílias foi realizado com base em preços acumulados durante meses – muitos
meses, em alguns casos.
A
alta de alimentação e bebidas, 15% em 12 meses, foi a maior dos nove grandes
itens cobertos pela pesquisa. A segunda maior variação, de 7,78%, foi do grupo
artigos de residência, mas esse item pesa bem menos, no dia a dia, que
habitação, transportes, saúde e cuidados pessoais e, naturalmente, alimentação
e bebidas.
Com
o resultado de fevereiro, a alta do IPCA chegou a 5,20% em 12 meses, superando
a meta deste ano, de 3,75%, e quase batendo no limite superior de tolerância
(5,25%). Números maiores ainda poderão surgir, estima-se no mercado. O dólar
instável, com valores muito altos diante do real, poderá ser, como tem sido, um
fator inflacionário. As ações do governo e o quadro político poderão
influenciar o mercado cambial.
Falta
verificar se o Banco Central (BC) tentará conter os preços elevando os juros
básicos. Isso seria defensável se a inflação fosse atribuível à demanda, mas a
situação dos consumidores impede essa explicação. Além disso, taxas maiores aumentarão
os custos do Tesouro e poderão travar a reação econômica. Na próxima semana o
BC anunciará sua nova decisão sobre os juros.
O escândalo das nulidades – Opinião / O Estado de S. Paulo
Como
é possível que órgãos e agentes públicos sigam atuando à revelia da lei?
É frequente a acusação de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) seria um “cemitério de Operações”, em razão de ter invalidado, ao longo dos anos, diversas investigações criminais. De fato, a Corte anulou operações policiais importantes, como a Castelo de Areia, a Satiagraha e a Boi Barrica. Recentemente, o STJ anulou, por falta de fundamentação, a decisão judicial que decretou a quebra de sigilo no caso das “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
No
entanto, esse histórico de decisões do STJ a respeito de ilegalidades
praticadas em operações policiais não deixa mal o tribunal, que em tese apenas
cumpriu o seu papel de aplicar uniformemente a legislação nacional. Nessa
história de operações anuladas, quem fica rigorosamente mal são os órgãos
policiais, o Ministério Público e os juízes que acompanharam os respectivos
inquéritos.
Em
abril de 2011, a Sexta Turma do STJ anulou as provas da Operação Castelo de
Areia. Segundo o tribunal, as escutas e as operações de busca e apreensão de
documentos não tinham validade legal, pois foram autorizadas com base em uma
única denúncia anônima.
No
julgamento, os ministros do STJ censuraram os promotores e juízes que atuaram
no caso na primeira instância, por terem acolhido várias petições formuladas em
termos excessivamente genéricos, o que viola direitos fundamentais e liberdades
públicas. “A concessão indiscriminada de senhas foi uma autorização em branco,
dando ensejo a uma verdadeira devassa na vida dos suspeitos e de qualquer
pessoa. Se a Polícia desrespeita a norma e se o Ministério Público passa por
cima da irregularidade, não deve o Judiciário conceder beneplácitos às
violações da lei”, disse na época o desembargador Celso Limongi, que participou
do julgamento.
Dois
meses depois, o STJ declarou a nulidade das provas obtidas pela Operação
Satiagraha, envolvendo o banqueiro Daniel Dantas. Os ministros do STJ
concluíram que os métodos do delegado Protógenes Queiroz, com a participação
clandestina de 75 agentes da Abin que tiveram acesso a dados sigilosos, não
tinham respeitado os ditames legais.
“O
combate ao crime tem de ser feito nos termos da lei. Aquela prova colhida na
clandestinidade era natimorta, e cabe a nós, do Judiciário, passar o atestado
de óbito antes que seja tarde”, disse Jorge Mussi, atual vice-presidente do
STJ, que votou pela nulidade das provas obtidas na Satiagraha.
Em
2013, por unanimidade, a Sexta Turma do STJ declarou a ilicitude das provas
produzidas pelas interceptações telefônicas da Operação Suíça, que investigava
suposto esquema de evasão de divisas e lavagem de dinheiro envolvendo
executivos e diretores do banco Credit Suisse. Os grampos tinham sido
autorizados judicialmente com base em denúncia anônima.
A
cada decisão do STJ a respeito de nulidades processuais tem-se a esperança de
que, nas futuras investigações, delegados federais e procuradores atuarão
dentro dos limites estabelecidos pela lei e recordados pela Corte. No entanto,
o conjunto de operações anuladas indica uma realidade muito diferente, como se
não houvesse um aprendizado. Renovam-se as operações, mas parece que as
práticas permanecem as mesmas.
De
fato, as várias operações anuladas constituem um escândalo, mas não em relação
ao STJ, e sim a quem tem produzido essas nulidades. Como é possível que órgãos
e agentes públicos, financiados com recursos do contribuinte, sigam atuando à
revelia da lei, mesmo sabendo que esse tipo de trabalho, num Estado Democrático
de Direito, não tem – não pode ter – utilidade nenhuma?
É
injusto atribuir à defesa da lei – que, muitas vezes, nada mais é do que o
respeito a liberdades e garantias fundamentais – um caráter de conivência com a
impunidade. Todos sabem que as investigações devem ser feitas dentro da lei.
Assim, a impunidade não é consequência de quem protege a lei, e sim de quem
repetidamente não parece se importar com os limites legais, abrindo caminho
para novas e repetidas nulidades.
Viés bolsonarista – Opinião / Folha de S. Paulo
Novos
comandos de comissões da Câmara dos Deputados inspiram preocupação
Desde
a redemocratização, a dinâmica institucional entre os Poderes Executivo e
Legislativo sempre obedeceu a uma certa lógica decorrente das características
imperiais do sistema presidencial do Brasil.
Por
regra, o Congresso seguia uma agenda ditada pelo Palácio do Planalto, desde que
algumas condições fossem respeitadas, em especial divisão do butim do poder na
forma de cargos e verbas.
Houve
distorções, como o mensalão no governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas, passado
o escândalo, o petista com força eleitoral não teve maior dificuldade em
restabelecer a governabilidade.
Ruptura
do padrão mesmo ocorreu nos momentos em que o Executivo se mostrou enfraquecido
demais. Nesses momentos, o Parlamento passou a ditar o ritmo da pauta nacional.
Neste ambiente, caíram sob a espada do impeachment Fernando Collor e Dilma
Rousseff.
Jair
Bolsonaro trouxe uma novidade ao arranjo vigente: um presidente de considerável
popularidade sem apoio firme no Congresso.
Em
seu primeiro ano de mandato, os principais avanços legislativos tiveram mais a
anuência do que a promoção ativa do governo. A tramitação da reforma da
Previdência, uma obra do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
exemplifica o ocorrido.
Ao
mesmo tempo, propostas mais polêmicas da pauta bolsonarista, como decretos
armamentistas de 2019, eram derrubados. Já em 2020, quando namorou uma crise
institucional, Bolsonaro viu sua agenda ser travada por Maia.
Com
a ascensão do centrão, personificado pelo novo chefe da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), o jogo se realinha em favor do Planalto.
A
vital Comissão de Constituição e Justiça, que veta ou não qualquer matéria na
casa, está na mão da bolsonarista
Bia Kicis (PSL-DF), tristemente celebrizada por propagar informações
falsas nas redes sociais, em particular na pandemia.
Já
Carla Zambelli (PSL-SP), deputada que acusou ONGs de provocar queimadas, abocanhou
a Comissão do Meio Ambiente. Em comum, ambas são investigadas no inquérito
dos atos antidemocráticos do Supremo Tribunal Federal.
O
acerto comporta outros atores. Emergindo após o episódio Joesley Batista, Aécio
Neves (PSDB-MG) ganhou a Comissão de Relações Exteriores. Para horror do
tucanato contrário a Bolsonaro, disse
à Folha que
o seu partido não tem vocação de oposição radical.
Nada
disso significa que o presidente vá impor sua agenda retrógrada e minoritária
na sociedade, mas decerto o Congresso não ganha em altivez nem qualidade.
Duelo de titãs – Opinião / Folha de S. Paulo
Competição
geopolítica entre as superpotências EUA e China entra em nova etapa
Aceleradas
ou inauguradas pela pandemia, estão em curso profundas transformações na
economia e na geopolítica mundiais. Se ainda é cedo para distinguir todas as
suas ramificações, uma delas já é nítida —uma nova etapa na competição entre as
duas grandes potências mundiais, EUA e China.
No
caso dos Estados Unidos, o enorme avanço obtido na vacinação e a luz no final
do túnel da pandemia abrem espaço para um período de crescimento e inovação.
Com
o novo
estímulo fiscal de US$ 1,9 trilhão, o maior da história, acredita-se que o
PIB americano possa crescer pelo menos 6% em 2021, a maior taxa em décadas, e
viabilizar o retorno ao pleno emprego já no ano que vem.
O
experimento conta com o apoio do Federal Reserve, que deve manter os juros
muito baixos ao menos até quando a inflação ameaçar superar 2% ao ano.
Além
da cifra agigantada, a significância do programa decorre do que sinaliza do
ponto de vista ideológico —haverá tentativa séria de combater a desigualdade.
Tendo assistido suas consequências políticas, como a presidência de Donald
Trump, a democracia americana tem nova chance de renovação se criar mais
oportunidades.
Outra
parte do programa de Joe Biden é ampliar investimentos em tecnologias
sustentáveis e infraestrutura, além de garantir a liderança em áreas cruciais
para a próxima etapa de desenvolvimento, como inteligência artificial,
computação quântica e biotecnologia.
Biden
promete ainda trabalhar com aliados para reforçar aos olhos do mundo o apelo da
democracia ocidental, de modo a conter a expansão da influência chinesa.
A
China, por seu turno, não dorme. O governo acaba de divulgar seu 14º plano
quinquenal, que prevê recursos direcionados para inovação, domínio das mesmas
tecnologias essenciais para o futuro, reforço de industrias de ponta e redução
de emissões de carbono.
Permanece
o foco na infraestrutura, área de projeção de influência por meio de
investimentos em países em desenvolvimento. E haverá esforço para a
internacionalização da moeda chinesa.
De
ambos os lados, há preocupação crescente com a segurança das cadeias de
fornecimento. Controles de exportação de tecnologias sensíveis e que possam ter
uso militar e garantia de suprimento doméstico, entre outros, manterão a
competição acirrada.
Nos
desafios comuns, como a mudança climática, espera-se cooperação, mas a
rivalidade geopolítica deverá mobilizar mais dos recursos das duas grandes
potências.
É preciso mais solidariedade para vencer o vírus – Opinião / O Globo
Em meio à pandemia devastadora, o Brasil convive com dois cenários distintos. Num deles, trágico, o número de mortes por Covid-19 em 24 horas bate recordes sucessivos, aproximando-se rapidamente dos três mil; na maior parte dos estados, já não há leitos de UTI disponíveis; secretarias de Saúde tentam em vão transferir pacientes para outras unidades da Federação, mas estão todas à beira do colapso; pacientes morrem nas filas de espera. No outro, surreal, cidadãos agem como se não houvesse o novo coronavírus. Promovem festas, shows e bailes clandestinos, aglomeram, desprezam máscaras; desrespeitam as normas de restrição impostas por estados e prefeituras.
O
agravamento da pandemia levou a maioria dos estados e capitais a decretar
medidas de restrição para conter a transmissão do vírus, como toques de
recolher e fechamento de atividades não essenciais. Para garantir o cumprimento
das normas, governos têm despachado batalhões de fiscais, policiais e guardas
às ruas. No Rio, após dois dias de fiscalizações no fim de semana, a prefeitura
fechou 97 estabelecimentos. Em São Paulo, a Polícia Civil interrompeu, na
madrugada de sábado, uma festa com 500 pessoas, a maioria sem máscaras. Também
em São Paulo, na madrugada de domingo, policiais interditaram um cassino
clandestino onde se aglomeravam cerca de 200 pessoas, entre elas o jogador
Gabigol, do Flamengo, e o cantor de funk MC Gui.
Infelizmente,
quem deveria dar o exemplo faz o oposto. Desde o início da pandemia, o
presidente Jair Bolsonaro despreza máscaras, ataca o isolamento, mina a
confiança na vacinação. É verdade que, na última quarta-feira, quando o número
de mortes chegou a 2.349, presidente e equipe apareceram de máscara em público
e adotaram discurso mais amigável aos protocolos. Não se sabe se a mudança será
duradora.
O
episódio da comitiva que foi a Israel conhecer um spray nasal contra a Covid-19
em fase inicial de testes é revelador. As fotos da delegação mostram todos sem
máscaras no embarque no Brasil e todos com máscaras no desembarque em Israel. É
o triste retrato de um pária internacional. O chanceler Ernesto Araújo foi
repreendido pelo cerimonial quando posava sem máscara ao lado do par
israelense, Gabi Ashkenazi. Teve de colocá-la.
Além
de sempre ter dado mau exemplo, o governo federal não se preocupou em fazer
campanhas para conscientizar a população sobre a importância dos protocolos
sanitários e das medidas de restrição para conter a pandemia. Ao contrário,
Bolsonaro faz questão de rechaçá-las: “Meu Exército não vai para a rua obrigar
o povo a ficar em casa”. Como se o Exército fosse dele.
Medidas
de restrição representam remédio amargo, mas são uma tentativa de salvar vidas.
É lamentável que, com tanto a fazer na crise, o Estado tenha que exercer papel
de polícia para convencer as pessoas do óbvio: é preciso usar máscara e manter
distância. A esta altura, todos deveriam saber a importância de se proteger e
aos outros.
Tem
razão a ministra Cármen Lúcia, do STF, quando diz que mortes poderiam ser
evitadas se houvesse mais solidariedade. Depois de mais de 278 mil baixas, já
deveria estar claro que só teremos chance de vencer se governos e sociedade
firmarem um pacto pela vida. Isso pressupõe que estejam todos do mesmo lado. Do
outro, só o vírus.
Nome oficial do Maracanã deveria continuar a ser Estádio Mário Filho – Opinião / O Globo
É inoportuna e despropositada a mudança do nome do estádio do Maracanã, aprovada pela Alerj, de Jornalista Mário Filho para Edson Arantes do Nascimento, Rei Pelé. Os deputados deveriam estar preocupados com a pandemia que se alastra no país em discutir ações para enfrentá-la. É isso o que preocupa a população.
Pelé
foi um jogador extraordinário, o maior de todos. Mas seu nome poderia estar
gravado em qualquer estádio do país, como já acontece em Maceió, onde o Estádio
Rei Pelé foi inaugurado em 1970. Mário Filho, em contrapartida, é um nome
indissociável da história do Maracanã, do Rio de Janeiro e do jornalismo
esportivo. Tanto que, quando morreu, em 1966, tornou-se sem controvérsia o nome
oficial do estádio.
Mário
Filho foi um intenso promotor dos esportes entre nós. Entre outros eventos,
criou os Jogos da Primavera, em 1947, teve a ideia do Torneio Rio-São Paulo,
embrião do Campeonato Brasileiro, e ainda lançou termos que se popularizaram,
como Fla-Flu. Para não falar no desfile oficial das escolas de samba, outra de
suas iniciativas.
Não
fosse Mário Filho, o Maracanã, vizinho à Tijuca, de fácil acesso por metrô,
trem e ônibus, poderia estar em Jacarepaguá, se dependesse da vontade do
vereador Carlos Lacerda. Foi Mário quem promoveu intensa campanha em seu
"Jornal dos Sports" para que o estádio, construído para a Copa de
1950, ficasse no terreno do antigo Derby Club, no bairro do Maracanã. Também
lutou para que fosse projetado para ser o maior do mundo. Chegou a receber
perto de 200 mil pessoas, embora reformas necessárias para modernizá-lo e
garantir a segurança da torcida tenham reduzido essa capacidade.
Esporte
mais popular do planeta, o futebol acaba por impregnar os locais onde é jogado.
Um estádio não é mero amontoado de concreto e aço. Cada um tem sua alma, erguida
pela sucessão de feitos extraordinários ou dissabores dolorosos, acumulados por
jogadores e torcedores. A alma do setentão Maracanã é a alma de Mário Filho.
É
um dos poucos estádios onde se jogaram mais de uma final de Copa do Mundo. A
mais dolorosa foi a derrota do Brasil para o Uruguai em 1950, evento que
despertou no garoto Pelé o instinto e a fome de bola que o tornaria o maior
gênio na história do futebol.
Pelé
exorcizou o fantasma de 1950 e viveu momentos de glória nos gramados do
Maracanã. Foi na baliza à esquerda da tribuna de honra que marcou o milésimo
gol, contra o Vasco. Ele e o Santos, no auge, eram tão queridos pelos cariocas
que preferiam jogar no Maracanã algumas partidas internacionais, não em São
Paulo. Também foi lá que Pelé marcou em 1961 aquele gol que, identificado por
uma placa no estádio, foi o primeiro “gol de placa”.
Continuar a chamar o estádio de Mário Filho em nada desmerecerá as glórias de Pelé, que continua fazendo jus a todas as homenagens dos brasileiros. Há e haverá outra formas de honrar o nome do Rei. Além do mais, todas as torcidas sabem que, independentemente da mudança, o Estádio Jornalista Mário Filho será conhecido como sempre foi: pelo apelido, Maracanã.
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