Autonomia
exige cautela de presidente do BC
No
seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado
deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram
pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém,
deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco
Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão
do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano,
não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.
Embora
real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é
difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de
campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles
se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o
movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do
mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um
tempo, retornam aos antigos empregadores.
O pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e horário do início e do fim de cada deslocamento.
Interessado
em mapear o relacionamento entre funcionários do Banco Central americano e
executivos das grandes instituições financeiras, Finer analisou cuidadosamente
os padrões dos trajetos dos famosos táxis amarelos entre o prédio do FED, na 33
Liberty Street, e as sedes de gigantes como Bank of America, Citigroup, Goldman
Sachs e Morgan Stanley. Lembrando que os encontros também podem se dar fora dos
escritórios, o pesquisador incluiu no seu rastreamento as viagens que partiam
de ambos os endereços para um terceiro destino (que poderia ser um restaurante
ou um bar, por exemplo) num curto espaço de tempo.
Buscando
minimizar o risco de vazamento de informações que podem abalar o mercado (e
enriquecer muita gente), o FED impõe restrições a seus diretores e
funcionários, como um período de silêncio em que são proibidas reuniões com o
público externo e declarações à imprensa nos dias que antecedem os encontros do
Comitê de Política Monetária (o FOMC, na sigla em inglês).
Após
garimpar uma montanha de dados, Finer obteve evidências de que as movimentações
entre as sedes do FED e dos bancos, ou de ambos para centros de lazer e
alimentação, se intensificam na proximidade das datas em que as taxas de juros
básicas são estabelecidas, particularmente no horário de almoço. Há também um
aumento atípico nas corridas entre os mesmos destinos nas primeiras horas da
madrugada após o encerramento do período de silêncio - o que sugere uma busca
de integrantes do mercado por explicações sobre as decisões tomadas pela
autoridade monetária.
Com
uma metodologia inovadora, a pesquisa de David Finer aponta para a necessidade
de se aprofundar os instrumentos para que a independência dos Bancos Centrais
seja para valer e valha para ambos os lados - perante o governo e o mercado.
No
Brasil, depois de pelo menos duas décadas de discussão legislativa, somente no
final do mês passado a autonomia operacional do Bacen virou lei. Embora nosso
Banco Central já tenha incorporado muitas das melhores práticas internacionais,
como o próprio período de silêncio antes das decisões do Copom, ainda temos um
longo caminho a percorrer para torná-la efetiva.
Não
é preciso GPS para observar que são cada vez mais frequentes os deslocamentos
feitos pelo presidente Roberto Campos Neto entre o Setor Bancário Sul, onde se
localiza a sede do Banco Central, e a Praça dos Três Poderes, para atender a
chamados de Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.
É
bem verdade que o BC brasileiro possui atribuições que extrapolam aquelas
típicas de uma autoridade monetária - como a regulação e a fiscalização do
sistema financeiro - e a nova Lei Complementar nº 179/2021 ainda exige que a
instituição zele para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomente o
pleno emprego, ao lado de manter a inflação sob controle. Tudo isso acaba
exigindo que o presidente do Bacen compareça ao Palácio do Planalto ou ao
Congresso Nacional para prestar contas de suas decisões.
O
grande problema é que Roberto Campos Neto, pela sua capacidade técnica e
habilidades interpessoais, tem entrado de cabeça na negociação política da
agenda econômica do governo - e com isso tem avançado perigosamente a linha de
independência exigida de um central banker.
Na
semana passada, quando o governo se dividia entre as votações da PEC
Emergencial e as tratativas com a farmacêutica Pfizer para a compra de um novo
lote de vacinas, Roberto Campos Neto esteve duas vezes com Jair Bolsonaro no
Palácio do Planalto. Além disso, visitou o presidente da Câmara em sua
residência oficial para convencer diversos deputados da necessidade de aprovação
de dispositivos de ajuste fiscal como contrapartida à nova rodada do auxílio
emergencial.
Não
há dúvidas que o presidente do BC tem um excelente trânsito com os
parlamentares e tem se mostrado um ativo valioso do governo para construir
pontes e aparar as arestas, muitas vezes afiadas, criadas por Paulo Guedes nas
suas relações com o Congresso. Mas não pode se prestar a esse papel, sob pena
de perder sua credibilidade.
Caso
queira continuar contando com a capacidade técnica e o fino trato do neto de
Bob Fields nas negociações de sua agenda econômica, Bolsonaro tem uma saída. O
art. 8º da lei da autonomia lhe deu 90 dias para referendar a atual diretoria
do Bacen e empossá-los nos novos mandatos.
Com os rumores cada vez mais constantes de que Paulo Guedes balança no cargo, de repente a solução para uma transição suave, que não assuste o mercado e ainda agrade ao Centrão, está mais próxima do que se imagina. Nem precisa chamar um táxi.
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