EDITORIAIS
É um abuso acusar Bolsonaro de genocídio
O Globo
É compreensível o interesse político do
senador Renan Calheiros, relator da CPI da Covid, em associar a palavra
“genocídio” ao presidente Jair Bolsonaro. Ao tentar incluir o “genocídio de
indígenas” entre os 11 tipos de crime que pretende atribuir a Bolsonaro em seu
relatório, Renan faz eco ao grito que tomou conta das manifestações
antibolsonaristas e desfralda uma bandeira que todos os adversários do
presidente empunharão na campanha eleitoral de 2022. Mas está errado.
Palavras não são inócuas — e “genocídio” é
uma daquelas que devem ser usadas com a maior parcimônia, sob pena de banalizar
o mais hediondo dos crimes. Genocídio não é sinônimo de extermínio em massa.
Todas as definições do crime — a da convenção das Nações Unidas sobre
genocídio, subscrita pelo Brasil em dezembro de 1948, a da lei 2.889 de outubro
de 1956 e a do artigo 6º do Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal
Internacional (TPI) — o caracterizam como uma série de atos cometidos “com a
intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou
religioso”.
O termo foi cunhado pelo jurista Raphael Lemkin em 1944 para descrever o crime cometido pelos nazistas contra judeus e outras minorias enquanto grupos. Distinguia-se dos crimes contra a humanidade, que descreviam atrocidades cometidas contra os indivíduos (como tortura, escravidão, deportação, violência sexual etc.). Lemkin, que perdera 49 familiares no Holocausto, acreditava que aquele não era um evento único. Os armênios haviam passado por tragédia semelhante, e a legislação precisava ter instrumentos para evitar que os mesmos horrores se repetissem com outros grupos.
Apesar do esforço dele, e embora a palavra
tenha sido citada pela primeira vez no Tribunal de Nuremberg, nenhum nazista
foi condenado na ocasião por genocídio, apenas por crimes contra a humanidade.
Genocídio sempre foi um crime difícil de comprovar nos tribunais, com raras
condenações. Basta lembrar o Khmer Rouge, responsável pelo extermínio de 2
milhões no Camboja. Seus integrantes não foram condenados por genocídio, mas
por crimes de guerra e contra a humanidade, pela dificuldade de demonstrar a
intenção de exterminar um grupo específico. Em cortes internacionais, as
condenações recentes mais relevantes foram contra o morticínio dos tutsis em
Ruanda e o massacre de muçulmanos em Srebrenica, na Bósnia.
No caso dos indígenas brasileiros, parece
claro que a omissão criminosa do governo durante a pandemia foi responsável por
centenas de mortes, resultantes da falta de vacinas, da insistência em
tratamentos ineficazes, da resistência a combater as invasões e o desmatamento
que introduziram o vírus em suas comunidades. A ponto de o Supremo Tribunal
Federal se vir compelido a intervir, obrigando o governo a tomar medidas
emergenciais para proteger a população indígena.
Todos esses crimes devem obviamente ser
punidos com o maior rigor possível. Mas nenhum deles foi cometido
especificamente contra os indígenas. Nem está comprovado que o governo teve a
“intenção de destruir, no todo ou em parte” qualquer grupo étnico específico.
Não se trata, portanto, de genocídio. O abuso da palavra só contribui para
esvaziar seu sentido, trivializando uma ocorrência repugnante e dificultando a
prevenção de um crime que, oxalá, nenhum ser humano jamais deveria ter de
enfrentar.
Câmara precisa rever texto que alivia as
exigências do Código Florestal
O Globo
‘Destruir matos virgens, como até agora se
tem praticado no Brasil, é extravagância insofrível, crime horrendo e grande
insulto feito à natureza.’ O Congresso faria bem se lembrasse a recomendação de
José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência. Seus escritos
ajudaram a convencer o governo a recuperar, no século XIX , as áreas devastadas
para agricultura na Floresta da Tijuca, cuja importância para o regime de
chuvas e para a água no Rio era crítica. Infelizmente, até hoje, muita gente não
entende essa relação tão óbvia.
A Câmara dos Deputados aprovou sem grandes
debates em agosto um projeto de lei que transfere aos municípios a definição
das regras de proteção de margens de rios em áreas urbanas. Sabidamente,
prefeitos são mais suscetíveis à influência do setor imobiliário e menos
propensos a limitar ocupações ilegais de seus potenciais eleitores.
O texto seguiu para o Senado, que o aprovou
na semana passada com mudanças. É certo que, na nova versão, houve avanços na
extensão da área sob proteção em que as construções deverão ser demolidas. Os
senadores incluíram exigências como respeitar os planos das bacias
hidrográficas e da defesa civil para áreas de risco, além das regras de
saneamento e drenagem. “Foi o melhor cenário dentro do que era possível no
sistema atual do Congresso, que aprova projetos sem critério técnico e em prazo
recorde”, afirmou ao GLOBO Roberta Giudice, secretária-executiva do
Observatório do Código Florestal.
Mas a versão “menos ruim” do Senado ainda
precisa melhorar. O Código Florestal atual, aprovado em 2012, prevê distância
mínima de 30 metros nas margens dos cursos d’água, em vez dos 15 metros
aprovados no Senado. Em tempos de crise hídrica, os congressistas precisam dar
atenção ao risco de aumento no desmatamento das faixas marginais de preservação
permanente. Regras diferentes para distintos cursos de água, como rios e
córregos, fariam mais sentido. Agora que o texto voltou para a Câmara, os
deputados têm o dever de trabalhar para aperfeiçoá-lo.
Os argumentos usados no Congresso para
justificar a mudança nas exigências vão do oportunista ao bizarro.
Congressistas dizem que o Código Florestal tornou vários empreendimentos
imobiliários ilegais. É verdade, mas o motivo já era óbvio nos tempos de José
Bonifácio: preservar os recursos hídricos. Anistiar automaticamente todos
aqueles que ocuparam a área que vai de 15 até 30 metros da margem não parece
ser a opção mais sensata.
Outro argumento é ainda mais estapafúrdio.
Parlamentares afirmam que a mudança na lei ajudará a criar oportunidades de
trabalho numa época de desemprego. Em vez de debater o mérito da lei que querem
mudar, malandramente tentam vendê-la como solução de outro problema. Ora,
seguindo essa mesma lógica, alguém poderia sugerir a venda de cigarros a menores
de idade para criar novas vagas na indústria tabagista ou, quem sabe, diminuir
a idade mínima para dirigir a 15 anos e, assim, criar mais empregos no ramo de
funilaria. É ridículo.
A crise nacional é ‘made in Brazil’
O Estado de S. Paulo
No desarranjo dos preços e nos entraves ao crescimento econômico, o Brasil não precisa da ajuda da crise externa, pois é autossuficiente na criação de problemas
Sem governo e sem roteiro, a economia
brasileira pouco deve crescer no próximo ano, com ou sem desaceleração global.
Inflação elevada, problemas de suprimento e desarranjos na cadeia produtiva
afetam a China, os Estados Unidos e outros parceiros comerciais do Brasil. O
quadro poderá piorar se os juros forem elevados para conter os preços no mundo
rico. Isso dará ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Economia, Paulo
Guedes, uma desculpa a mais para o péssimo desempenho nacional. Mas só os
desinformados ou os cidadãos de extraordinária boa vontade levarão a sério essa
conversa. Alguns problemas podem ser mundiais, mas o País já se destaca pela
inflação fora dos padrões, pelo desemprego muito maior que o de outros
emergentes e pela atividade emperrada.
A indústria brasileira e também a
agricultura têm sido prejudicadas, de fato, pela escassez de matérias-primas e
bens intermediários. Fertilizantes estão mais caros e alguns segmentos
industriais, como o automobilístico, têm reduzido a produção por falta de
componentes importados. Mas, apesar dos problemas externos, o superávit
comercial continua robusto. A economia chinesa perdeu impulso e cresceu no
terceiro trimestre à taxa anualizada de 4,9%, depois de ter avançado 18,3% no
primeiro e 7,9% no segundo. Mas o agronegócio faturou em setembro US$ 10,10
bilhões com as vendas externas, um valor recorde, graças aos preços 27,6% mais
altos que os de um ano antes, porque o volume foi 5,1% menor.
No mês passado, a China se manteve como
principal importadora de produtos do agronegócio brasileiro. Suas compras, de
US$ 3,27 bilhões, corresponderam a cerca de um terço das exportações do setor e
o valor foi 42,8% maior que o de um ano antes. Houve aumento de receita nas
vendas para os 20 principais países compradores, em setembro, e o resultado
mensal do setor foi um superávit de US$ 8,85 bilhões.
Por enquanto, o comércio exterior
brasileiro continua proporcionando boa receita e garantindo perspectivas
satisfatórias para o balanço de pagamentos. Apesar de prenúncios de alguma
acomodação da economia internacional, os mercados de fora seguem atraindo
capitais brasileiros.
Esse movimento é atribuível a mais de um
fator. A perspectiva de ganhos e a diversificação, frequentemente recomendadas
pelos profissionais do mercado financeiro, são os mais evidentes, em condições
normais. Mas, no caso brasileiro, o envio de recursos ao exterior tem sido
motivado também pelas incertezas internas, associadas às tensões políticas e à
insegurança quanto ao futuro das contas públicas. Na base dessas incertezas e
temores são facilmente identificáveis o comportamento do presidente da
República e as perspectivas de um ano eleitoral cheio de riscos.
A desaceleração prevista para a atividade
mundial poderá trazer algumas dificuldades, mas as perspectivas da economia
brasileira são determinadas basicamente por fatores internos. No mercado, as
projeções de crescimento do Produto Interno Bruto continuam em queda, segundo
as informações sintetizadas no boletim Focus.
As últimas estimativas apontam expansão de 5,01% neste ano, 1,5% no próximo e
2,1% em 2023. Em contrapartida, continuaram subindo as taxas de inflação
esperadas para o biênio – 8,69% em 2021 e 4,18% em 2022.
Inflação elevada continuará erodindo a
renda familiar já escassa, num quadro de desemprego ainda elevado. Não há como
prever uma firme recuperação do consumo, até porque o Banco Central continuará
usando a alta dos juros básicos para tentar conter o aumento de preços. Segundo
o boletim, esses juros, agora fixados em 6,25%, chegarão a 8,25% até dezembro e
estarão em 8,75% no fim de 2022.
Mantida a insegurança, o dólar seguirá supervalorizado no País e continuará alimentando a inflação. A diferença entre o quadro inflacionário brasileiro e aquele observado no resto do mundo é em boa parte explicável, portanto, por um câmbio influenciado pela insegurança gerada em Brasília. No desarranjo dos preços, assim como nos entraves ao crescimento, o Brasil é autossuficiente.
A condenação de militares no Rio
O Estado de S. Paulo
Condenação de militares pelo fuzilamento de músico e catador no Rio faz justiça às vítimas e expõe o risco detratar as Forças
No dia 7 de abril de 2019, uma desastrosa
operação de patrulhamento do Exército em Guadalupe, zona norte da capital
fluminense, causou a morte do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de
latinhas Luciano Macedo. Pensando se tratar de um veículo de “bonde”, ou seja,
parte de um comboio de traficantes de drogas, os militares, sem averiguar o
alvo, dispararam mais de 250 tiros de fuzil contra o carro em que Evaldo, sua
mulher, o filho de sete anos, o sogro e uma amiga se dirigiam a um chá de bebê
naquela tarde de domingo. O músico morreu na hora. Luciano, que tentou acudir a
família em desespero sob uma saraivada de balas, também foi atingido e morreu
poucos dias depois.
No dia 14 passado, com o rigor que um caso
escabroso como esse impunha, a Justiça Militar condenou o tenente Ítalo da
Silva Nunes, comandante da malfadada operação, a 31 anos e 6 meses de prisão
pelos dois homicídios consumados, além de uma tentativa de homicídio. Outros
sete militares do Exército que participaram do fuzilamento – não há outra forma
de descrever o que houve naquele fatídico dia – foram sentenciados a 28 anos de
prisão. Além da condenação à prisão, os oito militares foram expulsos das
Forças Armadas, mas poderão recorrer em liberdade.
O colegiado que julgou e sentenciou o tenente
Ítalo Nunes e seus comandados era formado por uma juíza civil e quatro oficiais
da ativa. O apertado placar pela condenação (3 a 2) revela que mesmo um caso
claro e paradigmático de mau emprego de militares em ações para as quais não
foram treinados suscita dúvidas que, ao fim e ao cabo, podem levar à
impunidade. Bastaria que um dos três juízes que condenaram os réus tivesse uma
opinião diferente sobre os acontecimentos e os oito militares teriam sido
absolvidos, a despeito dos gravíssimos crimes que cometeram.
A área em que ocorreram os homicídios está
no perímetro da Vila Militar. O patrulhamento, por si só, não era ilegal.
Contudo, a violência desmedida em que se deu, sobretudo porque os militares não
foram atacados em nenhum momento, revela o total despreparo da guarnição
liderada pelo tenente Ítalo Nunes.
O caso chama a atenção para o emprego das
Forças Armadas em ações de segurança pública, que tem ocorrido com mais
frequência do que recomenda a prudência. Essas ações têm evidenciado a
existência de uma espécie de limbo hermenêutico que turva a boa compreensão dos
limites jurídicos de atuação dos militares em operações dessa natureza e,
principalmente, sua responsabilização por eventuais crimes cometidos contra a
população civil no âmbito de ações que, por imperativo constitucional, vale
lembrar, são de responsabilidade dos Estados.
O fuzilamento em Guadalupe lança luz sobre
o enorme risco de designar militares para missões para as quais não foram
devidamente preparados. A intervenção federal na segurança pública do Rio é o
maior exemplo deste mau emprego das Forças Armadas. Não havia justificativa
objetiva para a medida extrema em fevereiro de 2018, como se o caos imposto
pelo crime organizado no Estado não estivesse instalado havia décadas. O que faltava
então – e falta ainda hoje – é uma política de segurança pública bem planejada
e executada pelo governo estadual. Não seria a ação pontual das Forças Armadas
que resolveria um problema complexo e enraizado no Estado, sobretudo porque
militares, repita-se, não são treinados para agir como policiais.
Além da insegurança jurídica trazida pelo
mau emprego das Forças Armadas em áreas urbanas – na prática, os militares, que
não têm poder de polícia, agem como forças auxiliares das polícias estaduais –,
há a insegurança física para a população, como a ação em Guadalupe tristemente
demonstrou.
A dura condenação dos militares, que deve ser mantida pelas instâncias superiores, serve tanto de exemplo para coibir ações desastradas no futuro como também para alertar os Poderes Executivo e Legislativo sobre o perigo de lançar mão de forças concebidas para a guerra em terreno e situação para as quais não são vocacionadas.
Proteção reduzida
Folha de S. Paulo
Mudança no Código Florestal esvazia norma
que busca preservar entorno de rios em áreas urbanas
Aprovado há quase uma década, após extenso
debate envolvendo ruralistas, ambientalistas e a classe política, o Código
Florestal não foi até hoje plenamente implementado no território
brasileiro.
Não bastasse a morosidade, vêm sendo
frequentes nos últimos anos as tentativas de flexibilizar alguns de seus
instrumentos, deturpando o sentido original da legislação.
A mais
recente dessas modificações acaba de passar pelo Senado Federal e,
apesar das melhorias introduzidas no texto, oriundo da Câmara dos Deputados,
suscita preocupações.
Contrariando decisão recente do Superior
Tribunal de Justiça, que reafirmou a validade das regras de preservação
no entorno de cursos d'água em todo o território nacional, os
congressistas criaram para as áreas urbanas normas específicas —e mais brandas.
De acordo com a legislação de 2012, a faixa
de proteção onde construções são vedadas deve variar de 30 a 500 metros de
largura, a depender do leito aquático. Nas áreas urbanas, a nova lei retira da
esfera federal e transfere para os municípios o poder de definir as áreas de
proteção.
Conforme o texto, elas deveriam respeitar
apenas uma faixa mínima de 15 metros e alguns critérios elementares, como o
risco de desastres e a adequação a planos de recursos hídricos ou de saneamento
básico, caso existam.
Desde que respeitadas essas novas balizas,
a norma permitiria a anistia de empreendimentos que tenham sido construídos em
desacordo com o Código Florestal mesmo após sua aprovação —mais uma amostra,
para quem cumpre as regras, de que não há muita vantagem em fazê-lo.
A preservação dessas faixas verdes não é
questão menor. Do ponto de vista ambiental, elas ajudam a proteger da erosão e
do assoreamento rios, córregos e represas, bem como ampliam a permeabilidade do
solo —fatores cruciais para a segurança hídrica de uma região. Elas colaboram,
ademais, para evitar enchentes e desabamentos de encostas.
É salutar, assim, que os senadores tenham
introduzido um item voltado à proteção das áreas urbanas ainda não ocupadas,
nas quais continuariam valendo as regras originais do Código Florestal. Dessa
forma, consegue-se evitar, ao menos no papel, novos desmatamentos na
proximidade das margens.
O texto deverá voltar agora à Câmara, onde
se espera que as modificações feitas no projeto sejam mantidas. Em meio a
tantos retrocessos recentes na área ambiental, essa redução de danos operada
pelo Senado é o mínimo que poderia ser feito para evitar o esvaziamento do
código antes mesmo de sua completa implementação.
Questão de dignidade
Folha de S. Paulo
Ação coordenada para oferecer absorventes
nas escolas deveria ser prioridade do governo federal
Foi mal recebida a decisão do presidente
Jair Bolsonaro de vetar trechos de um projeto de lei que prevê distribuição
gratuita de absorventes a mulheres de baixa renda, aprovado pelo
Congresso neste mês. Os vetos ainda serão analisados pelo Legislativo, que pode
derrubá-los.
Com a justificativa de que a medida não
aponta receitas para financiar as despesas extras, a decisão do mandatário soou
como descaso com uma questão que aflige muitas mulheres, a pobreza
menstrual.
Infelizmente, a falta de ação contra o
problema não é exclusividade do governo federal. Como este jornal mostrou, sete
estados e o Distrito Federal aprovaram leis semelhantes recentemente, mas ainda
não começaram a distribuição dos produtos higiênicos.
Em 2016, o petista Fernando Haddad, então
prefeito de São Paulo, barrou a distribuição gratuita de absorventes na capital
com justificativa semelhante à dada por Bolsonaro agora ao vetar a nova lei.
Faceta especialmente perversa da questão é
o fato de meninas e jovens que frequentam a rede pública de ensino perderem
dias de aula mensalmente por falta de dinheiro para comprar
absorventes, tornando ainda mais vulnerável esse segmento da população.
No Rio de Janeiro, a Secretaria de Educação
planeja repassar diretamente às escolas os recursos necessários para compra e
distribuição dos produtos às alunas que deles precisarem.
É uma iniciativa acertada, que dispensa a
criação de cadastros e exigências burocráticas e poderia ser imitada por outros
estados.
No caso das mulheres sob tutela do Estado,
como as presas e as jovens internadas em unidades para cumprimento de medidas
socioeducativas, outras leis já mandam que sejam acolhidas com dignidade e
higiene, o que significa que o acesso a absorventes deveria ser providenciado
sem necessidade de legislação específica.
Em vez da multiplicidade de leis sobre o
tema nas várias esferas administrativas, que podem levar a esforços redundantes
e desperdício de recursos, melhor seria se o governo federal coordenasse
investimentos com foco nas escolas públicas.
A experiência do Bolsa Família ensina que transferências diretas são mais eficazes para melhorar a qualidade de vida dos mais pobres, e a lição também poderia ser aplicada à pobreza menstrual. Um bônus para mulheres em idade fértil que sejam beneficiárias do programa poderia ser considerado.
Estados investem mais, mas gastam menos com
educação
Valor Econômico
Apenas nove unidades da federação
aumentaram gastos na área
Muitos Estados brasileiros comemoram ter
aumentado os investimentos em plena pandemia. Com os caixas abastecidos pela
ajuda do governo federal recebida em 2020 e pela recuperação da arrecadação
neste ano e com as despesas comprimidas, sobrou dinheiro para investir. Resta
saber se esses recursos tiveram os melhores destinos. As deficiências de
infraestrutura da rede escolar mostram que não e impõem desafios à necessária
retomada das aulas presenciais.
De janeiro a agosto, os 26 Estados e o
Distrito Federal (DF) investiram R$ 18,6 bilhões, um volume 28,8% nominais
superior ao registrado no mesmo período do ano passado. Os números foram
levantados nos relatórios fiscais entregues pelos Estados à Secretaria do
Tesouro Nacional (STN). Consideram despesas liquidadas e receitas realizadas.
Não estão incluídos gastos e receitas intraorçamentários (Valor, 11/10).
A arrecadação estadual cresceu 25% nos
primeiros oito meses do ano em comparação com o mesmo período de 2020. Por
outro lado, as despesas continuaram restritas por força da Lei Complementar
173, que restringiu o reajuste a servidores até dezembro deste ano. Enquanto a
receita corrente no conjunto de Estados e DF avançou 20,4% de janeiro a agosto
deste ano em comparação com igual período de 2020, as despesas correntes
subiram 10,9%, sendo que as despesas com pessoal e encargos aumentaram muito
menos, 3,1%.
Outro levantamento que enfoca o primeiro
semestre, da Rede de Pesquisa Solidária, formada por cerca de 100 pesquisadores
da USP, Cebrap e Fiocruz, chegou à mesma constatação. Com a retomada das
atividades neste ano, a Receita Corrente Líquida dos Estados e do DF cresceu
mais de 10% em termos reais no primeiro semestre. Somente a arrecadação de ICMS
teve crescimento real de 18,6% no primeiro semestre na comparação do mesmo
período de 2020, quando havia encolhido 6% em relação aos primeiros seis meses
de 2019. Essa receita foi turbinada especialmente pela alta dos preços dos
combustíveis e da energia elétrica e surpreendeu os próprios Estados.
O estudo da Rede de Pesquisa Solidária
avança ao detalhar as despesas liquidadas em termos reais. O total de despesas
liquidadas caiu 0,4% no primeiro semestre de 2020 ante igual período de 2019, e
cresceu 0,4% agora, no primeiro semestre, voltando ao patamar anterior à
pandemia.
Como era de se esperar, cresceram mais as
despesas diretamente relacionadas à pandemia. A Rede de Pesquisa Solidária
constatou o aumento real das despesas com assistência social de 18,1% no
primeiro semestre do ano passado na comparação com o mesmo período de 2019 e de
mais 12,2% no primeiro semestre deste ano sobre os primeiros seis meses de
2020.
Mas houve recuo em várias frentes
importantes, apesar dos cofres mais cheios. Chamaram a atenção os cortes em
ciência e tecnologia e, principalmente, educação. Os Estados e o Distrito
Federal cortaram em 10,9% as despesas com ciência e tecnologia neste ano,
depois de as terem reduzido em 16,3% no primeiro semestre do ano passado,
apesar de a pandemia ter evidenciado sua importância.
Sobressai o corte real de 1% nas despesas
com educação neste ano após a redução de 6,4% no primeiro semestre de 2020. Os
Estados gastaram menos com educação apesar dos desafios para se implementar o
ensino à distância em um primeiro momento, e, depois, pela necessidade de se
preparar as redes de escolas para a volta com segurança do ensino presencial, e
da necessidade de se superar a evasão escolar e a desigualdade.
Segundo o Censo Escolar de 2020, não há
banheiros em 6% das escolas da rede estadual do país e falta conexão de banda
larga com a internet em 24%. A situação precária não é prerrogativa de Estados
mais pobres. Se 45% das escolas de Roraima não têm banheiro, o mesmo acontece
em 14% das do Rio Grande do Sul. Falta internet banda larga em 71% das escolas
de Roraima e também em 31% das de São Paulo e de 30% do Paraná.
Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio
Grande do Sul e Sergipe foram os Estados em que as despesas com educação mais
encolheram nesse período. Somente nove Estados aumentaram gastos na área, entre
eles Ceará, Espírito Santo, Rio e Santa Catarina.
A expectativa é que os Estados sigam investindo, de olho nas eleições de 2022. Haverá pressão por outros gastos, além do reajuste de salários. Mas a Educação é uma área que precisa ter prioridade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário