Valor Econômico
Teto de gastos, reforma tributária e
controle de gastos são temas sensíveis que candidatos terão que olhar com mais
atenção
Vem aí o ano eleitoral, quando os
brasileiros escolherão o novo presidente da República. Seria muito bom se os
eleitores, além de nomes, escolhessem programas. Então, os pré-candidatos e
suas equipes precisam começar a discutir e apresentar propostas.
Três temas básicos na área da economia
exigirão definições claras dos candidatos: teto de gastos, reforma tributária e
controle de capitais. Em resumo, trata-se de uma escolha entre a continuidade
da política neoliberal atual na economia ou a aposta em novas políticas
progressistas adotadas após o tropeço global do neoliberalismo e as mudanças
determinadas pela emergência ambiental.
Teto de gastos
Teto de gastos: o candidato pretende
mantê-lo ou eliminá-lo? Aprovada em 2016, no governo Michel Temer, essa regra
fiscal foi aclamada como a salvação da pátria. Nunca mais os governos abusariam
da gastança, dizia-se, a menos que descumprissem a norma constitucional que, na
prática, congelou as despesas do governo em termos reais durante 20 anos.
Críticas eram escassas na época, porque o discurso fiscalista dominava o cenário. Mas alguns se lembraram da adoção da correção monetária, durante a ditadura militar, vendida então como a solução mágica brasileira para acabar com a inflação. Argumentava-se que, se tudo fosse corrigido com base na inflação passada, não haveria mais razão para o aumento de preços. “Deu ruim”, diriam hoje os jovens. A hiperinflação quebrou o país.
O teto de gastos é exclusividade
brasileira, uma “jabuticaba”. Um dos raros críticos enfáticos da medida é o
professor da UNB José Luis Oreiro. Ele considera que a defesa do teto, feita
pelos economistas do mercado financeiro e do governo, é tão estúpida quanto a
que se fazia do padrão-ouro nos anos 1930. “É terraplanismo econômico.”
Oreiro e (alguns) outros economistas são
diretos: o teto de gastos precisa ser eliminado. Por trás da sugestão, há um
raciocínio: se o bolo dos gastos está congelado e algum componente desse bolo é
uma despesa obrigatória e continua subindo mais que a inflação, vai
necessariamente esmagar o resto do bolo. E isso está ocorrendo com os gastos da
Previdência, por exemplo. Apesar da reforma recente, as despesas
previdenciárias continuam crescendo mais que a inflação. Além disso, gastos
imprevistos, como os exigidos pela pandemia e pelos precatórios, não cabem no
teto e tendem a virar exceções que desmoralizam a regra.
Não se trata de propor irresponsabilidade
fiscal. A principal crítica ao teto é que ele impede a adoção de políticas
anticíclicas. É algo antigo, proposto nos anos 1940 por Abba Lerner
(1903-1982), que foi, curiosamente, aluno de Hayek, na London School of
Economics, e de Keynes, em Cambridge. A política anticíclica sugere que o
governo deve retirar poder de compra da economia e aumentar impostos quando ela
está muito aquecida. E, em momentos recessivos, deve estimular a economia com
mais gastos e menos impostos. Com a restrição do teto, isso é impossível. Hoje,
num momento crucial em que o mundo investe para fazer a revolução
tecnológico-industrial baseada na economia de baixo carbono, o governo
brasileiro está praticamente impedido de investir. Terão os candidatos coragem
de tomar posição sobre o teto de gastos?
Reforma tributária
Reforma tributária: a pilha de projetos
conflitantes vagando no Congresso indica que não haverá reforma relevante no
atual governo, mas ela é necessária.
A primeira mudança seria nos impostos
indiretos que atingem diferentemente os vários setores. A reforma estabeleceria
equidade nas cargas tributárias. Hoje, a indústria, que precisa se modernizar
tecnologicamente, paga 4 a 5 vezes mais que a agricultura e os serviços em relação
ao valor adicionado. O sistema tributário anti-indústria teria que ser
corrigido.
Outro ponto da reforma seriam as taxações
diretas, como o Imposto de Renda. Em vez de criar Imposto sobre Fortunas,
Oreiro sugere maior taxação da propriedade com IPTU e ITR. Porque as fortunas
podem ser facilmente transferidas para paraísos fiscais, e as propriedades,
não.
Além disso, há consenso sobre tributação de
lucros e dividendos e aumento da alíquota para altas rendas. Outro ponto é a
pejotização, estimulada pela reforma trabalhista do governo Temer e que
prejudica muito a arrecadação do IR e da Previdência. Profissionais liberais
que ganham mais de R$ 1 milhão por ano, por exemplo, pagam apenas 6% de
imposto, e celetistas, 27,5%. O que pensam os candidatos sobre isso?
Controle de capitais
Controle de capitais: economistas, entre
eles Oreiro, consideram que o Brasil tem uma das economias financeiramente mais
abertas do mundo. Estaríamos fazendo, há décadas, o contrário do que fizeram os
países do Leste Asiático, que adotaram rígida política de controle de entrada e
saída de capitais e generosa abertura comercial, com estímulo às exportações de
manufaturados. Aqui, abrimos a conta de capitais e fechamos a de comércio.
A liberalização financeira permite a
entrada e saída de uma enxurrada de capitais especulativos de curto prazo, que
tem levado à valorização do câmbio, inflação, alta dos juros e destruição da
indústria, que hoje responde por apenas 10% do PIB, menos que em 1947. E o país
virou “um fazendão”, diz Oreiro. Commodities respondem por 70% das exportações,
como mostrou a repórter Marta Watanabe, no Valor.
Caminhos
Outros temas exigem tomada de posição dos
candidatos, naturalmente. Mas esses três são importantes porque definem o
caminho que vão trilhar para buscar crescimento econômico, criação de empregos
e redução de desigualdades, estes sim objetivos indiscutíveis e que estarão no
papel em qualquer programa de governo.
Em que lado estarão os candidatos no embate
global entre a presença do Estado e o neoliberalismo? Paradoxalmente, como
observou Anne Krueger em artigo no Valor (27/9/21),
a China cresce em grande medida porque abandonou políticas econômicas
anteriores e adotou um sistema mais orientado pelo mercado. Enquanto isso, os
EUA, sob Trump e agora sob Biden, atenuam o liberalismo e a crença no mercado
em favor de intervenções estatais, ao estilo chinês.
Dá para enxergar um caminho.
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