sábado, 20 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Brasileiro valoriza democracia acima de todos os regimes

O Globo

Apoio ao sistema democrático voltou a atingir o pico histórico no Brasil, segundo pesquisa do Datafolha

O mês de agosto tem se destacado por um sinal claro e determinado da sociedade brasileira em defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito.

No último dia 11, duas cartas em favor do sistema eleitoral foram lidas na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) — a enorme repercussão atraiu a assinatura de mais de 1 milhão de cidadãos para uma e de mais de cem entidades do setor produtivo e da sociedade civil para a outra. Na noite da última terça-feira, a posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reuniu as principais autoridades da nação para ouvir e aplaudir de pé um discurso enfático em defesa das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral. Por fim, ontem o Datafolha divulgou que o apoio à democracia retornou ao pico histórico na sociedade brasileira.

Para 75% da população, a democracia é um regime preferível a qualquer outra forma de governo, patamar mais alto desde 1989, que havia sido atingido apenas no levantamento realizado em 2020. Desde o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o apoio incondicional à democracia subiu 13 pontos percentuais na sondagem do Datafolha. Ao mesmo tempo, aqueles que dizem que uma ditadura pode ser preferível “em certas circunstâncias” não passam de 7%, o menor índice nos 33 anos da série histórica.

A pesquisa de opinião comprova que o fervor democrático não está circunscrito à elite acadêmica e empresarial, às lideranças de movimentos sociais ou às lideranças do Congresso, ex-presidentes, governadores, prefeitos e integrantes da cúpula do Judiciário que aplaudiram de pé o discurso de Moraes na noite de terça-feira. Ao promover tantos ataques ao sistema eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro paradoxalmente despertou um movimento vigoroso de defesa da democracia na sociedade.

Por anos, prevaleceu a impressão de que o Brasil já tinha deixado essa fase para trás, pois as eleições livres e periódicas pareciam ser tão corriqueiras como as festas do calendário. Mas as batalhas por vencer nos campos social — caso do combate à pobreza e à desigualdade — e econômico — sobretudo o crescimento com base num modelo de desenvolvimento sustentável — não devem obscurecer a importância de sempre empunhar o estandarte democrático.

Não existe um caminho inexorável, e a História é marcada continuamente pela ameaça de retorno de fantasmas do passado. A democracia, como afirmou ao GLOBO o economista Daron Acemoglu, do Massachusetts Institute of Technology, não é inevitável. Ela sempre precisa ser reconquistada, sempre precisa ser defendida.

A união de forças a que o país assistiu neste mês de agosto deve inspirar as lideranças políticas a buscar novos consensos fora das suas respectivas bolhas. O Brasil precisa de uma agenda ampla e plural não apenas para garantir o Estado Democrático de Direito, mas para ter um sistema tributário mais justo, serviços melhores de saúde e educação, menos privilégios para as castas do funcionalismo e, acima de tudo, para promover o sempre adiado crescimento da economia e das oportunidades a todas as parcelas da sociedade. O melhor caminho para evitar as futuras ameaças populistas é sem dúvida a democracia. E os resultados da pesquisa demonstram que a sociedade brasileira tem perfeita noção disso.

Presidente da Colômbia surpreende pela ousadia ao trocar cúpula militar

O Globo

Gustavo Petro substitui Alto-Comando apenas por generais com ficha limpa em corrupção e direitos humanos

Mesmo que a Colômbia pareça exceção numa América Latina com um passado de ditaduras militares (o último golpe por lá foi em 1953), onde os quartéis continuam a exigir deferência e a se envolver na política, chama a atenção pela ousadia a atitude do novo presidente Gustavo Petro. Com menos de uma semana no cargo, ele trocou o Alto-Comando das Forças Armadas, estabelecendo uma regra simples: só podem integrá-lo aqueles que não tiverem nenhum registro de violação dos direitos humanos ou corrupção.

As trocas, somadas a mudanças por outros motivos, despacharam para a reserva 22 generais da Polícia Nacional, 16 do Exército, sete da Marinha e três da Aeronáutica. Petro pôs à frente das Forças Armadas e da polícia uma nova geração de oficiais, subordinados ao ministro da Defesa, Ivan Velásquez, um defensor dos direitos humanos conhecido pelas denúncias judiciais contra o ex-presidente Álvaro Uribe, que esteve no poder entre 2002 e 2010. Colocou no comando do Exército o general Helder Giraldo, doutor em Direito Internacional Humanitário que criou programas nessa área para os militares.

Mesmo com todos os problemas com guerrilhas, paramilitares de extrema direita e narcotráfico, a Colômbia tem uma tradição de estabilidade econômica e institucional. Com o novo comando militar, Petro espera conter a violência que persiste mesmo depois do acordo de desmobilização firmado em 2016 pelos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com o governo de Juan Manuel Santos. Desde a assinatura do acordo, foram assassinados 1.340 líderes sindicais (115 só neste ano).

Petro assumiu com o país dividido. Venceu o segundo turno das eleições com 50,5% dos votos contra 47,2% de Rodolfo Hernández, um populista de direita. Precisa de ações de impacto para não repetir na Colômbia a frustração que os também esquerdistas Gabriel Boric e Pedro Castillo têm trazido a Chile e Peru, respectivamente.

Ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril (M-19), Petro tem sua maior oportunidade na retomada das negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN), iniciadas em 2017, mas interrompidas depois de um atentado em 2018. Mesmo o Clã do Golfo, grupo de narcotraficantes e paramilitares, acenou que deseja negociar com o novo governo.

A troca de gerações na cúpula militar, para que haja uma nova doutrina menos belicista, é bem-vista na Casa Branca do democrata Joe Biden. Feita a mudança, Petro deve tratar em seguida da economia, como prometeu na campanha. Seu ministro da Economia, José Antonio Ocampo, foi bem-aceito no meio empresarial e deverá começar por uma reforma tributária.

A aposta de Petro é uma administração eficiente que atenda às famílias de renda mais baixa. Como todo governo de esquerda, corre o risco de cair em tentações fiscais. Se conseguir que a nova cúpula militar seja leal à Constituição e respeite a democracia e os direitos humanos, poderá se tornar um exemplo para o continente.

O que a esquerda quer?

O Estado de S. Paulo

A esquerda está disposta a ser democrática e responsável? Não basta ser crítica a Jair Bolsonaro, mas continuar apoiando regimes autoritários e propostas populistas

O Estadão tem feito uma série de reportagens sobre as recentes vitórias de partidos de esquerda na América Latina nos últimos anos, mostrando como os resultados para a população estão muito aquém das promessas. Conforme observou o historiador peruano Alvaro Vargas Llosa em entrevista ao jornal, os sucessivos governos de esquerda na América Latina têm falhado na promoção do desenvolvimento social e econômico da região. Agora, depois de quatro anos de autoritarismo populista e disfuncional de Jair Bolsonaro, o Brasil pode voltar a ser governado pela esquerda. A pergunta surge naturalmente: afinal, o que essa esquerda quer?

Se é certo que, com seus devaneios contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, Jair Bolsonaro uniu diferentes correntes ideológicas na defesa da democracia – o respeito ao resultado das eleições é princípio inegociável –, é também certo que a esquerda brasileira precisa revisar diversas posições para que possa ser qualificada de democrática. Basta pensar que o PT e outros partidos de esquerda, enquanto endossam manifestos em defesa da democracia no Brasil, continuam apoiando regimes ditatoriais como Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Não é coerente chamar Jair Bolsonaro de “genocida” e “fascista” e, ao mesmo tempo, não reconhecer as seguidas violações de direitos humanos feitas pelo governo cubano. Não é possível criticar o envolvimento de setores das Forças Armadas na política bolsonarista para logo depois fazer vista grossa à participação expressiva de militares na política venezuelana.

Na preparação dos atos cívicos do dia 11 de agosto passado, muitas vozes, também da esquerda, disseram, com razão, que não era possível ficar em cima do muro na defesa da democracia. Abster-se de apoiar os manifestos em defesa das eleições e do Judiciário era uma tomada de posição: significava negociar com princípios democráticos que são inegociáveis. No entanto, é exatamente isso o que o PT e outros partidos de esquerda vêm fazendo ao longo de décadas quando se trata de atos autoritários e violações de direitos humanos envolvendo governos que são seus amigos. Recusam-se a participar de qualquer manifestação de repúdio, em um perverso negacionismo. Para a esquerda, democracia e direitos humanos têm uma vigência condicionada, a depender das circunstâncias políticas?

A incoerência da esquerda não está restrita ao plano externo. Lula da Silva, por exemplo, nunca pediu desculpas ao eleitor pelo mensalão, sistema criminoso que perverteu a representação democrática. Como o líder petista minimiza ou nega essa compra de votos, fartamente provada, e não reconhece o quão danosa foi para a democracia, é lícito presumir que, num eventual terceiro mandato, talvez não hesite em repetir a dose.

A esquerda também tem o dever de dizer – afinal, estamos numa democracia – se deseja governar com responsabilidade. É preciso dizer quais são os planos concretos para seu eventual governo, algo especialmente necessário tendo em vista que, até agora, o PT nunca se mostrou contrito pelos erros cometidos na condução da política econômica de Lula e de Dilma, erros esses que, até hoje, são sentidos pela população. A proposta é seguir com as mesmas ideias atrasadas, de intervenção populista na economia, ou eles terão um mínimo de piedade com o País?

Afinal, o que a esquerda quer? Não há dúvida de que ela quer o poder. Esquecendo-se de tudo o que falou sobre os governos tucanos em São Paulo, Lula da Silva até colocou Geraldo Alckmin como vice em sua chapa. Mas, no regime democrático, conquistar o poder exige delinear minimamente os planos e projetos, firmando um compromisso efetivo com o eleitor.

Talvez seja este grande receio que a esquerda ainda desperta: um exercício do poder voltado exclusivamente para si, para suas ideias, para seu partido, para os interesses do seu guru. Ora, a democracia requer aceitar a legitimidade dos adversários e das ideias divergentes; requer denunciar ditaduras onde quer que surjam; e requer governar com responsabilidade, pois governos irresponsáveis criam castas de privilegiados e são os algozes dos pobres. Estará o PT pronto para ser verdadeiramente democrático?

A agenda secreta de Lira

O Estado de S. Paulo

Presidente da Câmara impõe sigilo sobre as visitas que recebe em seu gabinete alegando questões de segurança, o que afronta a inteligência alheia e as leis de transparência

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), costuma repetir que o Legislativo é o poder mais transparente e democrático da República. De fato, a Câmara historicamente adotava mais procedimentos no sentido de assegurar a publicidade das informações de interesse público, algo louvável e que depunha muito contra as práticas do Executivo e do Judiciário. Isso, no entanto, é parte do passado. Como mostrou o jornal O Globo, Lira tem mantido sob sigilo os dados das pessoas que recebe em seu gabinete e na residência oficial. Amparado em um parecer jurídico produzido por um advogado da própria Câmara, ele tem sido bem-sucedido ao impedir a divulgação das informações de sua agenda alegando o risco de comprometimento de sua segurança e das instalações da Casa. Até a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foi usada como pretexto para afrontar a Constituição e a Lei de Acesso à Informação. É só mais um episódio a expor a essência de uma gestão marcada pela ausência de espírito público.

Não há qualquer justificativa para esconder a agenda de autoridades públicas, sobretudo os compromissos de alguém que ocupa uma cadeira como a de Lira. É, por exemplo, atribuição do presidente da Câmara definir a pauta que será submetida à votação em plenário. A prerrogativa de decidir o que será apreciado pelos deputados e o que permanecerá arquivado nos escaninhos do Legislativo pode mudar a história de qualquer país, tanto que, ao menos em tese, e nos termos do Regimento Interno da Câmara, é um poder a ser compartilhado com os líderes partidários, inclusive os da oposição, além da liderança do governo na Casa. A prática de Lira, no entanto, tem sido muito diferente do que apregoa o regimento. Basta lembrar que nem mesmo a derrota da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso em uma comissão especial foi capaz de impedi-lo de levar o texto diretamente ao plenário. Considerando o ritmo alucinado que o deputado tem imposto às votações, seria fundamental – e, talvez, revelador – saber com quem Lira se reúne antes de definir a chamada Ordem do Dia.

O encastelamento de Lira não é meramente simbólico. Desfigurou, inclusive, a arquitetura da Casa. Um de seus primeiros atos no cargo foi promover uma reforma para restringir o acesso a si mesmo. No projeto original de Oscar Niemeyer, a localização do gabinete da presidência da Câmara obrigava o presidente a atravessar todo o Salão Verde até chegar ao plenário. Muito mais do que uma escolha trivial do arquiteto, foi uma forma de garantir que o presidente da Câmara fosse interpelado por visitantes, servidores e jornalistas que estivessem em seu caminho diário, lembrando as autoridades que chegam à cúpula do Planalto Central sobre a necessidade de prestar contas para quem vive na planície. O novo gabinete deu fim a esse rito. Com acesso direto ao plenário e um elevador privativo, Lira entra e sai sem ser visto, abordado ou fotografado, assim como os visitantes de sua agenda secreta.

É bom lembrar que a Constituição assegura o princípio da publicidade como norma na administração pública em todos os Poderes, salvo situações muito excepcionais. Ser transparente não é um favor, mas um dever democrático do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Apelar a interpretações controversas da legislação para esconder compromissos externa uma tentativa de distorcer conceitos. Uma coisa são informações públicas, cuja divulgação foi reforçada e regulamentada pela Lei de Acesso à Informação. Outra coisa são dados pessoais, resguardados pela Lei Geral de Proteção de Dados. Não há conflito entre as duas leis, e quem tenta fabricar essa discórdia certamente o faz em nome de outros interesses que não o interesse público. No dia em que foi eleito presidente da Câmara, Lira disse não haver um trono nem um soberano no plenário. Um ano depois, na abertura dos trabalhos legislativos, afirmou que não permitiria “retrocessos discricionários e quiçá imperiais”. Faria bem à democracia se o deputado colocasse seu discurso em prática.

Um valentão na Presidência

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro reitera sua total ignorância sobre a natureza do cargo que ocupa ao partir para a briga contra um desafeto

O presidente Jair Bolsonaro comportou-se como um valentão de rua ao se desentender com um cidadão que o questionou na saída do Palácio da Alvorada. Ao fazê-lo, Bolsonaro reiterou sua índole truculenta, demonstrando, à vista de todos, sua absoluta incapacidade de aturar críticas, ao partir para a briga contra quem apenas o questionava, além de sua total ignorância sobre a natureza do cargo que ocupa, ao colocar em risco a própria integridade física.

A pessoa do presidente da República representa o Estado, e preservar a vida dessa pessoa equivale, portanto, a preservar o Estado. É por isso que deve haver um robusto esquema de segurança para proteger o presidente, e é por isso, igualmente, que o presidente não pode se expor a ponto de correr risco de vida. É como se, ao assumir a Presidência, seu ocupante perdesse a liberdade de fazer o que bem entende pelo tempo que durar o mandato. 

Parece óbvio, a esta altura, que Jair Bolsonaro não tem consciência do que ele próprio passou a significar ao assumir a Presidência da República. A informalidade é um traço característico de Bolsonaro como presidente, algo que, em si mesmo, não prejudica em nada o desempenho de suas funções – ao contrário, pode até ajudar a aproximar o Estado, que ele encarna, dos cidadãos. Mas a informalidade deve necessariamente terminar quando se impõe o respeito incondicional pela instituição da Presidência, o que inclui, em lugar de destaque, cuidar para que o presidente não se exponha a riscos e para que ele não saia no braço com quem quer que seja.

Por isso, foi chocante ver Bolsonaro esquecer-se do que representa, partindo para cima de um desafeto sem saber quais danos o indigitado poderia lhe causar, e foi igualmente chocante observar a atuação amadora da segurança do presidente, devidamente registrada em vídeo. Era dever dos agentes ali destacados impedir que Bolsonaro estivesse tão próximo de desconhecidos que não tinham sido revistados e, principalmente, evitar que o presidente se atracasse com um deles.

Oxalá tenha sido somente uma falha isolada, e que o presidente esteja seguro o tempo todo, mesmo nos momentos em que, ignorando deliberadamente os limites do bom senso e da liturgia do cargo, age como um desordeiro. E oxalá o presidente se controle da próxima vez, sobretudo fazendo valer suas juras de amor pela liberdade de expressão – aquela que Bolsonaro colocou com um valor maior que a própria vida. Se Bolsonaro invoca a liberdade de expressão sempre que ofende seus adversários nos mais baixos termos e prega golpes explícitos contra a democracia e o Estado de Direito, deve aceitar que essa mesma liberdade se estende igualmente a seus críticos, e de maneira absoluta. 

Mas é preciso deixar claro que, no caso da altercação no Alvorada, o rapaz que interpelou Bolsonaro não estava cometendo crime nenhum; já o presidente, quando ameaça não reconhecer o resultado das eleições ou quando espalha desinformação para minar a confiança nas instituições democráticas, força os limites da legalidade.

Voo privado

Folha de S. Paulo

Apesar de falhas iniciais, concessão de aeroportos avança com bons resultados

Com a realização da 7ª rodada de leilões de aeroportos, na qual três blocos e 15 terminais passaram às mãos da iniciativa privada por 30 anos, o programa de concessões no setor chega às fases finais.

Nessa etapa foram arrecadados R$ 2,7 bilhões em outorgas e contratados investimentos de R$ 7,3 bilhões. Juntos, os três blocos negociados na quinta (18) respondem por 16% do fluxo de passageiros no país, o que corresponde a mais de 30 milhões de pessoas por ano.

À diferença do que ocorreu em leilões anteriores, a competição desta vez foi baixa, mas ainda assim houve ágio de 116,9% em relação aos lances mínimos, no conjunto.

O primeiro e principal bloco, que incluiu Congonhas, em São Paulo, e mais dez terminais em Mato Grosso do Sul, Pará e Minas Gerais, contou com apenas um participante, a espanhola Aena, que mesmo assim pagou ágio de 231% com a outorga de R$ 2,45 bilhões.

O modelo nesse caso foi criticado por incluir aeroportos em áreas distantes entre si e com baixa conexão e sinergia, o que pode ter reduzido interesse de outros grupos.

De todo modo, até aqui a estratégia de juntar terminais cobiçados com outros deficitários, seguida em rodadas anteriores, se mostrou bem-sucedida em melhorar as operações em cidades menores, com ganho para os usuários.

O segundo bloco, formado por terminais com foco em voos executivos —Campo de Marte, em São Paulo, e Jacarepaguá, no Rio de Janeiro— também não teve concorrência e foi arrematado por um fundo de investimentos em infraestrutura por R$ 141,4 milhões, pouco acima do lance mínimo.

Por fim, o bloco Norte 2, que abrange os aeroportos de Belém (PÁ) e Macapá (AP), foi o único com disputa entre dois consórcios. A oferta vencedora foi de R$ 125 milhões, um ágio de 119%.

Adiante, resta o oitavo certame, com modelagem ainda em estudo e que deve ocorrer até 2024, com a venda conjunta dos aeroportos Santos Dumont e Galeão, no Rio.

Outros dois terminais, em São Gonçalo do Amarante (RN) e Campinas (SP), concedidos em 2011 e 2012, passam por processo de reversão da concessão e devem ser relicitados em algum momento.

O modelo nessas operações ainda era intervencionista, com exigência de participação de 49% da estatal Infraero, mesmo sem capacidade de investimento, o que legou uma série de problemas.

Foi justamente esse aprendizado que permitiu os avanços das últimas rodadas. Após o leilão de Congonhas, a parcela de passageiros atendida por operadores privados deve chegar aos 90%.

A concorrência é bem-vinda e pode gerar movimentações societárias entre os grupos e aperfeiçoamentos adiante. Os resultados até aqui são positivos, mas será de todo modo necessário confirmar o bom desempenho a longo prazo.

Quem paga o piso?

Folha de S. Paulo

Sem definir fonte de recursos, lei em prol de enfermeiros abre crises na saúde

Por iniciativa de inspiração eleitoreira do Congresso, depois secundada pelo governo federal, entrou em vigor neste mês a lei que estabelece um piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras.

O texto cria remuneração mensal mínima de R$ 4.750 para os enfermeiros. Técnicos em enfermagem devem receber 70% desse montante; auxiliares e parteiras, 50%.

Ao sancionar o projeto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou o trecho que determinava o reajuste anual automático dos valores pela inflação. Aprovado sem fonte definida de recursos, o piso provocou uma previsível grita de estados, municípios e hospitais, sobre os quais recairá, de longe, a maior parcela dos custos.

Instituições passaram a ameaçar fechar as portas ou reduzir drasticamente as equipes; planos de saúde anunciaram o repasse dos gastos extras a seus clientes; associações médicas e hospitalares chegaram a ingressar no Supremo Tribunal Federal com uma ação de inconstitucionalidade contra a medida.

A situação mais preocupante se dá em torno das entidades filantrópicas, como as Santas Casas, que já acumulam déficit bilionário em razão da crescente defasagem da tabela do SUS, que estipula valores para remunerar procedimentos médicos.

Fundamentais para o atendimento da população, em especial dos estratos mais carentes, essas instituições são hoje responsáveis por 50% dos atendimentos públicos. Em cerca de 800 cidades, constituem o único serviço de saúde.

De acordo com estimativa da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas, o piso deve provocar um impacto de R$ 6,3 bilhões nos hospitais filantrópicos do país. Em pelo menos 11 estados, a folha de pagamento da enfermagem deve mais do que dobrar.

Decerto ninguém há de ser contra a boa remuneração dos enfermeiros e demais trabalhadores da saúde, profissionais que prestam serviços inestimáveis, ainda mais evidenciados durante a pandemia.

É preciso, no entanto, buscar uma solução de compromisso, capaz de conciliar a valorização da categoria com a viabilidade orçamentária. Do contrário, trata-se apenas de fazer política e bondades com o chapéu alheio.

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