O Globo
O presidente Jair Bolsonaro é candidato à
reeleição apoiado por uma coligação de partidos do Centrão: PP, PL e
Republicanos. Com Lula, Bolsonaro polariza a intenção de voto para presidente,
deixando muito pouco espaço para os outros concorrentes. Nas pesquisas, cerca
de 75% dos eleitores votam num dos dois candidatos quando é apresentada uma
lista. Sem a apresentação da lista, no voto espontâneo, surpreendentes 70%
citam um dos dois, um indicador da consolidação da intenção de voto. A disputa
de fato está praticamente restrita a Lula e a Bolsonaro.
Como nas eleições de 2018, há grande
divergência entre o que diz Bolsonaro nas entrevistas e o que diz seu programa
de governo. Foi justamente para nomear seu desinteresse pelas políticas
públicas que Bolsonaro cunhou o bordão “fala com meu Posto Ipiranga”,
referindo-se ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que deveria cuidar
dos assuntos propriamente político-administrativos.
Enquanto nas entrevistas Bolsonaro dá grande ênfase a temas das guerras culturais, como o direito de adquirir armas e o combate à ideologia de gênero, seu programa de governo tenta esboçar uma proposta que trate dos problemas reais do Brasil. Uma avaliação da sua candidatura precisa ao mesmo tempo olhar para o plano de governo e para as manifestações do candidato. Tudo isso sem deixar de ver seus três anos e meio de governo.
O programa de Bolsonaro é declaradamente
liberal. Almeja reduzir o tamanho do Estado e incentivar a iniciativa privada.
Se julgado à luz das realizações do primeiro mandato, o compromisso não parece
sólido. As privatizações que deveriam ser enormes terminaram restritas à
Eletrobras, e a busca do equilíbrio fiscal terminou em déficits seguidos.
Além disso, para evitar o impeachment, o
governo cedeu à pressão do Centrão e ampliou enormemente os recursos
controlados pelo Congresso por meio do orçamento secreto. Com isso, reduziu as
verbas discricionárias que podem ser livremente usadas pelos ministérios,
degradando a qualidade das políticas públicas. Neste ano, por meio da PEC
Eleitoral, estourou o teto de gastos e criou benefícios novos em ano de
eleições, o que desrespeita a lei.
Bolsonaro assumiu o compromisso de, num
eventual segundo mandato, manter o valor do Auxílio Brasil, seu programa de
transferência de renda, em R$ 600. Os outros componentes de seu programa
social, porém, são modestos. O programa prevê políticas sociais focadas,
voltadas para os mais necessitados, um conceito distante do ideal
constitucional de um SUS e de um ensino público universais.
O programa de Bolsonaro também trata de
temas das guerras culturais. Na seção de educação, Bolsonaro propõe
“desideologizar” o ensino, retomando uma velha obsessão do movimento Escola sem
Partido, cujos projetos de lei foram considerados inconstitucionais. Na seção
sobre segurança e defesa, propõe ampliar os institutos legais que dão acesso da
população a armas de fogo. Hoje, cidadãos privados já detêm mais armas que as
polícias e as Forças Armadas somadas.
Nenhuma análise do que seria um segundo
governo Bolsonaro seria responsável se não alertasse sobre a agenda oculta, ou
nem tão oculta, do presidente. Bolsonaro despreza os limites constitucionais e
ataca a independência das instituições. Seu projeto é autoritário.
Ele ataca sistematicamente o Supremo e
fazia o mesmo com o Congresso, antes de comprar sua anuência com o orçamento
secreto. Nas instituições sob controle do Executivo, o estrago é enorme.
Bolsonaro fez o que pôde para tirar recursos do sistema de educação superior,
das políticas federais de cultura e do sistema de fiscalização ambiental —
setores considerados inimigos de seu projeto conservador. Também tentou, de
todos os modos, controlar a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da
República.
O eleitor liberal pode achar o resultado
econômico do governo Bolsonaro razoável. O crescimento da economia foi
medíocre, mas o mundo todo teve um desempenho ruim durante a pandemia. O
desemprego está num patamar comparativamente baixo, o que é bom. A renda do
trabalho, porém, também está num patamar baixo, o que é ruim. Seja como for,
ponderados os riscos do autoritarismo, o eleitor liberal talvez encontre melhor
acolhimento na candidatura de Simone Tebet. Da mesma maneira, o eleitor
preocupado com a corrupção encontrará melhor respaldo em Ciro Gomes, que
incluiu em seu programa um elaborado conjunto de medidas para combater a
corrupção.
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