sábado, 20 de agosto de 2022

Pablo Ortellado – Bolsonaro

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro é candidato à reeleição apoiado por uma coligação de partidos do Centrão: PP, PL e Republicanos. Com Lula, Bolsonaro polariza a intenção de voto para presidente, deixando muito pouco espaço para os outros concorrentes. Nas pesquisas, cerca de 75% dos eleitores votam num dos dois candidatos quando é apresentada uma lista. Sem a apresentação da lista, no voto espontâneo, surpreendentes 70% citam um dos dois, um indicador da consolidação da intenção de voto. A disputa de fato está praticamente restrita a Lula e a Bolsonaro.

Como nas eleições de 2018, há grande divergência entre o que diz Bolsonaro nas entrevistas e o que diz seu programa de governo. Foi justamente para nomear seu desinteresse pelas políticas públicas que Bolsonaro cunhou o bordão “fala com meu Posto Ipiranga”, referindo-se ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que deveria cuidar dos assuntos propriamente político-administrativos.

Enquanto nas entrevistas Bolsonaro dá grande ênfase a temas das guerras culturais, como o direito de adquirir armas e o combate à ideologia de gênero, seu programa de governo tenta esboçar uma proposta que trate dos problemas reais do Brasil. Uma avaliação da sua candidatura precisa ao mesmo tempo olhar para o plano de governo e para as manifestações do candidato. Tudo isso sem deixar de ver seus três anos e meio de governo.

O programa de Bolsonaro é declaradamente liberal. Almeja reduzir o tamanho do Estado e incentivar a iniciativa privada. Se julgado à luz das realizações do primeiro mandato, o compromisso não parece sólido. As privatizações que deveriam ser enormes terminaram restritas à Eletrobras, e a busca do equilíbrio fiscal terminou em déficits seguidos.

Além disso, para evitar o impeachment, o governo cedeu à pressão do Centrão e ampliou enormemente os recursos controlados pelo Congresso por meio do orçamento secreto. Com isso, reduziu as verbas discricionárias que podem ser livremente usadas pelos ministérios, degradando a qualidade das políticas públicas. Neste ano, por meio da PEC Eleitoral, estourou o teto de gastos e criou benefícios novos em ano de eleições, o que desrespeita a lei.

Bolsonaro assumiu o compromisso de, num eventual segundo mandato, manter o valor do Auxílio Brasil, seu programa de transferência de renda, em R$ 600. Os outros componentes de seu programa social, porém, são modestos. O programa prevê políticas sociais focadas, voltadas para os mais necessitados, um conceito distante do ideal constitucional de um SUS e de um ensino público universais.

O programa de Bolsonaro também trata de temas das guerras culturais. Na seção de educação, Bolsonaro propõe “desideologizar” o ensino, retomando uma velha obsessão do movimento Escola sem Partido, cujos projetos de lei foram considerados inconstitucionais. Na seção sobre segurança e defesa, propõe ampliar os institutos legais que dão acesso da população a armas de fogo. Hoje, cidadãos privados já detêm mais armas que as polícias e as Forças Armadas somadas.

Nenhuma análise do que seria um segundo governo Bolsonaro seria responsável se não alertasse sobre a agenda oculta, ou nem tão oculta, do presidente. Bolsonaro despreza os limites constitucionais e ataca a independência das instituições. Seu projeto é autoritário.

Ele ataca sistematicamente o Supremo e fazia o mesmo com o Congresso, antes de comprar sua anuência com o orçamento secreto. Nas instituições sob controle do Executivo, o estrago é enorme. Bolsonaro fez o que pôde para tirar recursos do sistema de educação superior, das políticas federais de cultura e do sistema de fiscalização ambiental — setores considerados inimigos de seu projeto conservador. Também tentou, de todos os modos, controlar a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República.

O eleitor liberal pode achar o resultado econômico do governo Bolsonaro razoável. O crescimento da economia foi medíocre, mas o mundo todo teve um desempenho ruim durante a pandemia. O desemprego está num patamar comparativamente baixo, o que é bom. A renda do trabalho, porém, também está num patamar baixo, o que é ruim. Seja como for, ponderados os riscos do autoritarismo, o eleitor liberal talvez encontre melhor acolhimento na candidatura de Simone Tebet. Da mesma maneira, o eleitor preocupado com a corrupção encontrará melhor respaldo em Ciro Gomes, que incluiu em seu programa um elaborado conjunto de medidas para combater a corrupção.

 

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