Governo precisa rever políticas ineficientes
Folha de S. Paulo
Avaliação de programas e qualidade do gasto
devem ter mais visibilidade; Orçamento não pode se basear só em mais receita
Já com grande atraso, o governo brasileiro
começou a institucionalizar a avaliação técnica de políticas públicas no
segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), quando se tentava de modo atabalhoado
conter o rombo orçamentário gestado nos anos anteriores.
Hoje, procedimentos do gênero já se valem de
maior experiência e estrutura na administração federal. As conclusões e
recomendações acerca de programas mal desenhados e despesas pouco eficientes,
no entanto, mal saem das gavetas da Esplanada brasiliense.
O Ministério do Planejamento tem uma
secretaria dedicada ao tema. Há um Conselho de Monitoramento e Avaliação de
Políticas Públicas (CMAP), formado por representantes de pastas econômicas, da
Casa Civil e da Controladoria-Geral da União (CGU).
Com a equipe qualificada reunida pela ministra Simone Tebet, criou-se a expectativa de que medidas mais efetivas seriam tomadas nessa seara —ou, ao menos, que o debate sobre a qualidade do gasto público teria maior visibilidade. Até aqui, isso não ocorreu, como observou a jornalista Adriana Fernandes, em coluna nesta Folha.
Ainda que tenha se rendido ao imperativo de
ao menos reduzir o ritmo de expansão da dívida pública, o governo Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) permanece avesso a qualquer revisão de gastos —daí o esforço
inglório de centrar todo
o ajuste orçamentário na elevação de uma carga tributária já excessiva.
O tabu, diga-se, não é exclusividade da
gestão petista. Num exemplo célebre, Jair Bolsonaro (PL) recusou proposta de
sua equipe econômica de cortar em programas pouco eficientes, como o Abono
Salarial, para viabilizar a ampliação do Bolsa Família. O então mandatário
argumentou que não poderia tirar de pobres para dar a paupérrimos.
Com abordagens demagógicas e voluntaristas
assim, políticas de baixo impacto ou mesmo contraproducentes —da Zona Franca de
Manaus a subsídios do BNDES, do Simples ao ensino superior gratuito— se
perpetuam, engessam o Orçamento e elevam a dívida pública, cujos encargos
sacrificarão sobretudo os mais pobres.
É positivo, pois, que a equipe do
Planejamento estude um plano formal de revisão de gastos, a ser incorporado ao
projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, como noticiou este jornal.
Entretanto as pressões do
PT e da ala política do governo contra as modestas regras de controle da
despesa hoje em vigor, ainda mais em ano eleitoral, não autorizam maior
otimismo.
Vidas jovens
Folha de S. Paulo
Urge investigar causas da alta de suicídios
entre os brasileiros nesse estrato
Levantamento de dados do SUS de 2011 a 2022,
feito pela Fiocruz Bahia em parceria com a Universidade Harvard, confirma a
tendência de aumento de
suicídios e autolesões entre os jovens brasileiros.
A taxa de pessoas entre 10 e 25 que se
tiraram a própria vida teve alta anual de 6% no período, e o ritmo foi de 29%
ao ano nos casos daqueles que se mutilaram.
Ainda que possam refletir uma queda na
provável subnotificação desses episódios, os percentuais se mostram alarmantes.
Na população em geral, o crescimento foi
menor, de 3,7% e 21%, respectivamente. O índice de autolesões reportadas entre
jovens de 10 a 24 anos é espantoso, com salto de 10,7 por 100 mil habitantes em
2011 para 158,5 em 2022.
O Ministério da Saúde também emitiu alerta em
2022. Entre 2016 e 2021, a taxa de
suicídios no estrato de 10 a 14 anos subiu 45% e, no de 15 a 19
anos, 49,3% —ante alta de 17,8% na população brasileira.
Urge investigar as causas desse fenômeno, e
fatores socioeconômicos estão naturalmente entre as hipóteses. Sabe-se que
países de média e baixa renda concentram os casos de jovens que se matam.
Globalmente, há aumento de ocorrências de
transtornos psicológicos nessa faixa etária, registrado em países como Reino
Unido, Estados Unidos e França.
No Brasil, pesquisa do Datafolha de 2022
mostrou que 8 em cada 10 indivíduos entre 15 a 29 anos haviam
apresentado recentemente algum problema de saúde mental, como
depressão, ansiedade e dificuldade de concentração.
A ciência ainda não estabeleceu uma relação
causal direta, mas suspeita-se que as novas tecnologias desempenhem papel
relevante nesse panorama.
A prática do bullying, antes restrita ao
ambiente escolar, prolonga-se na internet. A profusão de informações e a
pressão por aprovação nas redes sociais alimentam a ansiedade e o vício nas
plataformas.
O lado positivo do aumento de casos
notificados de suicídios e autolesões entre jovens é o estímulo à
conscientização e à prevenção por parte das famílias e do Estado.
O poder público deve direcionar atenção em saúde mental para esse estrato, assim como incrementar a educação midiática nas escolas, para que os alunos aprendam a lidar com as novas tecnologias.
G20 deverá trazer frustração às pretensões de
Lula
O Globo
Caráter ideológico de sua diplomacia e crises
desnecessárias prejudicam ambição de liderança global
Na presidência rotativa do G20, o Brasil quer
aproveitar a oportunidade para insistir na reivindicação histórica de reformar
a governança das instituições internacionais. Estão na lista Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Mundial,
Organização Mundial do Comércio (OMC) e, especialmente, o Conselho de Segurança
da Organização das Nações Unidas (ONU).
A argumentação brasileira tem lógica. As
instituições multilaterais ainda refletem a distribuição de poder no mundo do
Pós-Guerra, em que os Estados Unidos emergiram como potência hegemônica no
Ocidente. É razoável que, num mundo multipolar, elas tenham outra governança,
mais compatível com a necessidade atual.
O Conselho de Segurança, em que têm direito a
veto apenas os cinco integrantes permanentes — Estados Unidos, França, Reino
Unido, Rússia e China —, é a instância que melhor simboliza as disparidades. O
desbalanceamento cria situações insólitas. Depois de a Rússia invadir a
Ucrânia, atropelando tratados internacionais, ela simplesmente exerceu seu
poder de veto para evitar ser admoestada. Durante sua presidência periódica no
Conselho de Segurança, o Brasil negociou uma moção sobre o conflito no Oriente
Médio, vetada pelos Estados Unidos. Semanas depois, os próprios americanos
apresentaram proposta semelhante, desta vez aprovada.
Não é a primeira vez que a diplomacia
brasileira levanta a bandeira da reforma da governança global. E, como das
anteriores, não há razão para otimismo. A questão poderá até ser citada nalgum
documento. Mas não mais que isso. É irrealista esperar que os detentores de
poder aceitem dividi-lo. “Dificilmente Brasil e outros países em
desenvolvimento conseguirão redesenhar a ordem internacional, ou mesmo uma
alteração no Conselho agora”, disse ao
GLOBO a especialista em relações internacionais Flavia Loss, da Escola de
Sociologia e Política de São Paulo.
Para o próprio Brasil, a reivindicação de um
assento permanente no Conselho de Segurança — ainda que sem poder de veto — é
ambivalente. Ela obrigaria a diplomacia brasileira a tomar posição a respeito
de um sem-número de questões mundiais, abandonando a distância e a neutralidade
que em geral favorecem nossos interesses. Com o protagonismo, viriam mais
responsabilidade, mais visibilidade e mais risco.
Isso não significa que o debate sobre a
governança global seja inútil. “Trazer a discussão para a mesa e engajar as
sociedades civis é passo importante para uma futura mudança”, diz Loss. Embora
a reforma do Conselho de Segurança esteja fora do alcance, há chance de
progresso na discussão sobre instituições cujo esgotamento é evidente, como OMC
ou FMI. E será bem mais fácil o Brasil obter apoio do G20 para ações de combate
à fome ou para a busca do desenvolvimento sustentável.
O principal empecilho às ambições brasileiras está no caráter ideológico que a diplomacia do Itamaraty tem assumido neste governo. A condescendência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as ditaduras na Venezuela, na Nicarágua e na Rússia, a crise desnecessária deflagrada com Israel põem em xeque sua pretensão de liderar qualquer reforma das instituições multilaterais ou de assumir qualquer protagonismo em nome do “Sul Global”. Com seus atos e declarações, Lula perdeu representatividade e peso político internacional.
Reestatização
de refinaria baiana é mais um retrocesso na Petrobras
O
Globo
Estatal quer voltar a controlar unidade vendida em 2021 a fundo soberano dos Emirados Árabes
A Petrobras está
prestes a recomprar a Refinaria Mataripe (antiga Landulpho Alves), na Bahia, vendida em 2021 a
um fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, o Mubadala, por US$ 1,65 bilhão.
Talvez seja um dos poucos casos no mundo de uma petroleira interessada em
adquirir uma refinaria. As centenas de milhões de dólares que a estatal gastará
na operação não aumentarão em nada a capacidade de refino do país. Trata-se
apenas do desejo, expresso na nova estratégia da estatal, de retomar uma
atividade de que deveria já ter se afastado.
Sob
a gestão petista, a Petrobras decidiu dar marcha à ré na venda de ativos
iniciada em 2015 para reduzir o endividamento. Por enquanto, não há sinal de
que queira recomprar a BR Distribuidora para retomar a atividade de postos de
combustíveis. Mas todo o resto é incerto. Desde a volta do PT ao Planalto,
ficou claro que o novo governo não concorda com a venda de subsidiárias nem por
motivos estratégicos, nem para sanear as contas da empresa.
A
suspensão da venda de refinarias e a recompra da Mataripe têm ampla repercussão
no mercado de combustíveis. A transferência a grupos privados é essencial para
aumentar a competição e oferecer preços atraentes ao consumidor, objetivo
perseguido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de olho nas
ambições monopolistas da Petrobras.
A
Petrobras também recuou na venda de campos maduros em terra, que já passaram
pelo auge da produção e, quase esgotados, deixaram de interessar a uma grande
petroleira. Com a venda desses campos nos últimos anos, a estatal contribuiu
para fortalecer as pequenas e médias petrolíferas privadas, conhecidas no
mercado como junior oils. A Bloomberg estima que haja 90 delas, as maiores com
títulos em Bolsa. As junior oils têm arrematado campos terrestres nos leilões
da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e estimam investir até US$ 2 bilhões em
exploração até o fim da década.
Ainda
há espaço de crescimento para elas com as áreas que já têm (o setor vive um
momento de fusões e aquisições). A médio e longo prazo, porém, o congelamento
na venda de campos maduros pela Petrobras tende a tornar mais lenta sua
expansão. A estatal também pretende investir US$ 1,7 bilhão para aumentar a
produção em campos terrestres na Bahia e no Amazonas, fugindo à vocação de
grande empresa global de petróleo.
Grandes petrolíferas como a Petrobras, conhecidas como majors, têm mantido suas operações e, ao mesmo tempo, investido no futuro, sobretudo em geração de energia limpa e renovável, como solar ou eólica. A Petrobras demorou a abrir-se a contratos de exploração com as grandes petrolíferas globais. Com a abertura, mesmo tardia, na década de 1970, absorveu tecnologia, cresceu, e o Brasil se tornou exportador de petróleo. Agora, com o investimento destinado a negócios do passado como refinarias ou campos terrestres, corre o risco de chegar tarde às fontes de energia limpa.
Crescimento surpreende e melhora cenário para
2024
Valor Econômico
Agora será preciso reequilibrar os motores do
crescimento, com mais protagonismo para os investimentos e menos dependência do
consumo
A economia terminou 2023 um pouco melhor do
que o esperado, criando um ambiente mais favorável para este ano, mostram dados
do Banco Central sobre a atividade. A surpresa é boa, mas agora será preciso
reequilibrar os motores do crescimento, com mais protagonismo para os
investimentos e menos dependência do consumo.
O Índice de Atividade Econômica do Banco
Central (IBC-Br), divulgado na segunda-feira, registrou expansão de 0,82% em
dezembro, ante novembro, com ajuste sazonal. Esse dado, em si, ficou dentro do
previsto pelos economistas consultados na pesquisa do Valor Data. Foram
revistas para cima, no entanto, as estatísticas referentes aos meses de outubro
e novembro.
Assim, pelo IBC-Br, a economia cresceu 0,22%
entre o terceiro e quarto trimestres. Será preciso aguardar a divulgação das
Contas Nacionais, na semana que vem, para saber se os sinais otimistas vão se
confirmar no Produto Interno Bruto (PIB). Muitos especialistas do mercado
financeiro acham que sim, e estão revendo para melhor as suas visões para a
atividade.
Caso os prognósticos estejam certos, será uma
mudança importante de cenário. Seis meses atrás, os analistas debatiam se a
economia brasileira iria entrar numa recessão técnica, ou seja, dois trimestres
seguidos de queda do PIB.
As previsões começaram a mudar com a
divulgação das Contas Nacionais do terceiro trimestre, que registraram uma
expansão mínima, de 0,1%, mas positiva (os dados ainda estão sujeitos a
revisão). Confirmada a expansão positiva no quarto trimestre, o fantasma da
recessão técnica sairá do horizonte. O mercado antecipa uma expansão de 0,3% no
primeiro trimestre de 2024, segundo o questionário pré-Copom de janeiro, um
levantamento feito pelo BC às vésperas das reuniões do seu Comitê de Política
Monetária (Copom).
O desempenho é fraco, mas a ausência de PIBs
negativos representa um alívio para o Banco Central e para a equipe econômica.
Para baixar a inflação, a política monetária provoca uma desaceleração da
economia, deixando o Copom vulnerável a ataques de quem nunca prezou por sua
autonomia. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisa de um grau mínimo
de aquecimento da economia para aumentar a arrecadação e equacionar o déficit
fiscal.
As boas novas do IBC-Br, que aumentou 2,45%
em 2023, fortalecem as chances de uma expansão do PIB de 3% em 2023, nos
critérios estatísticos do IBGE. Também levam a uma revisão das estimativas para
o crescimento de 2024, do atual 1,6% previsto no boletim Focus para percentuais
mais próximos de 2%. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse
recentemente que poderá passar de 2%. A estimativa da Fazenda, de 2,2%, já
parece menos exagerada.
O destaque do crescimento é o consumo das
famílias, que, em 2023, deve aumentar cerca de 3,5%, segundo a estimativa do
Banco Central. Para 2024, a expectativa é que avance pelo menos 2,3%. A alta do
consumo é positiva porque amplia o bem-estar da população. O que cabe discutir
são os alicerces desse crescimento, para saber se será sustentável.
Os economistas inicialmente esperavam uma
recessão técnica porque o aperto monetário estava se transmitindo pelas
engrenagens da economia, contendo, por exemplo, o crédito. Algumas forças,
porém, atuaram na direção contrária, fazendo a desaceleração do PIB ser menor
do que se antecipava.
Uma delas foi a queda da inflação, fruto
inicialmente da baixa de preços de bens industriais, alimentos e combustíveis,
que permitiu ganhos reais de renda da população - sobretudo os mais pobres. Mas
houve também o impulso produzido pelas transferências de benefícios do governo,
depois de um aumento de gastos de R$ 200 bilhões no ano passado.
Mais recentemente, a queda dos índices de
comprometimento de renda com pagamento de dívidas e o programa Desenrola
ampliaram a capacidade de as famílias tomarem crédito. A nova política de
ganhos reais para o salário mínimo, a correção da tabela do Imposto de Renda e
o pagamento de precatórios atrasados também aumentam o dinheiro disponível para
o consumo.
De forma surpreendente, porém, a inflação
ficou abaixo do previsto em 2023, apesar da surpresa na atividade econômica.
Parte dos economistas, incluindo Campos Neto, defende a tese de que a economia
brasileira pode crescer um pouco mais sem causar desequilíbrios, em virtude das
reformas econômicas feitas desde o governo Temer.
Os dados sobre a inflação deste começo de ano
começam a colocar em dúvida essa conjectura. O índice de inflação cheio está se
saindo melhor do que o previsto, graças a fatores pontuais, como a queda dos
preços de passagens aéreas. A inflação de serviços mais sensíveis ao grau de
aquecimento da economia, porém, voltou a surpreender para cima.
Uma parcela dos economistas está preocupada com a queda do investimento em 2023, que o Banco Central estima em 3,4%. Parte se deve à taxa Selic ainda alta, que vem sendo baixada aos poucos. Mas os investimentos não vão se recuperar se empresários não estiverem confiantes na solidez da política macroeconômica. Uma prolongada expansão do consumo puxada por políticas fiscais expansionistas poderá levar a economia a uma armadilha de juros altos e baixo crescimento.
A guerra de Lula
O Estado de S. Paulo
Na ânsia de se autopromover como líder global
dos ‘pobres’ contra os ‘ricos’, Lula reduziu o Itamaraty a linha auxiliar de
sua ideologia maniqueísta e de seu voluntarismo narcisista
O presidente Lula da Silva parece ter
declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o
petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que
simboliza os valores ocidentais – tendo como companheiros de armas um punhado
de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.
A irresponsável declaração de Lula sobre
Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao
Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não
foi, portanto, fortuita nem acidental.
Lula parece empenhado em usar seu terceiro
mandato para lançar-se como líder político do tal “Sul Global”, uma espécie de
aggiornamento do “Terceiro Mundo” dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem,
as características distintivas do Ocidente – democracia, economia de mercado e
globalização – são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o
modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das
liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como
armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.
No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica
e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A
geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes
para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças
climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.
O Brasil não está imune a essas incertezas,
mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia
multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e
diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa
posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global:
segurança alimentar, energética e ambiental.
Nessas águas turvas e tumultuosas, sem
grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses
nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade.
Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios
constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem
baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.
Mas esse capital está sendo dilapidado pela
diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia
é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a
hostilidade ao Ocidente (o “Norte”, os “ricos”) e o alinhamento automático a
tudo o que lhe é antagônico.
Sua passagem pela África foi um microcosmo
desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira.
Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua
truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao
atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.
Seja em conflitos onde o País teria força e
autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não
tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo
mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O
Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a
Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente.
Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua
ânsia de se autopromover como líder global dos “pobres” contra os “ricos”,
reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e
seu voluntarismo narcisista.
A “frente ampla democrática” propagandeada na
campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais.
Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico –
arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração
econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da
democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a
Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.
Evitar a reincidência é dever do Estado
O Estado de S. Paulo
Estudo indica que mais de 1/3 dos condenados
volta a cometer crimes após cumprir pena. Discussão sobre políticas de
reinserção social devem ser mais técnicas e menos apaixonadas
O Brasil tem cerca de 830 mil presos – a
terceira maior população carcerária do mundo, atrás de Estados Unidos e China –
e um dos mais elevados índices de reincidência. Um levantamento feito pelo
Instituto Igarapé, publicado pelo Estadão há poucos dias, indica que 32% dos
egressos do sistema prisional retornam ao cárcere. Outro estudo, realizado pelo
Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em parceria com a Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), apresenta números ainda mais alarmantes: a
reincidência criminal chega a 37,6% nos casos de nova condenação em até cinco
anos desde a soltura e atinge 42,5% quando consideradas quaisquer novas
entradas no sistema prisional antes de uma nova condenação – como nos casos de
prisão temporária ou preventiva.
São múltiplas as razões que explicam o
fracasso do Estado em cumprir sua missão intransferível de ressocializar os
cidadãos que estão sob sua custódia. Entre elas, duas merecem destaque. A
primeira é o descontrole do poder público sobre o que acontece no interior das
prisões, dominadas que estão por organizações criminosas cada vez mais
audaciosas. “Dentro da unidade prisional, o Estado não tem controle. O (máximo)
que o Estado consegue fazer é dizer que (o preso) não pode sair. Só isso”,
disse ao Estadão o delegado Fernando Veloso, ex-secretário estadual de
Administração Penitenciária do Rio. Ou seja, num quadro em que o Estado serve
como mero bedel nas penitenciárias, qualquer detento que ingresse no sistema
prisional, sobretudo os que cometeram crimes de menor gravidade, é logo obrigado
a se filiar a uma das facções que comandam o local de facto. Quando não impede,
essa realidade brutal dificulta muito a ressocialização. Não à toa os presídios
são frequentemente tratados como verdadeiras “universidades do crime”.
Outro fator que contribui para o elevado
índice de reincidência é o populismo penitenciário. É compreensível que
cidadãos exauridos após décadas de leniência do Estado no combate à violência –
quando não indignados pelo conluio entre agentes públicos e criminosos –
confundam quaisquer políticas públicas que visam à melhoria das condições
carcerárias no País e à ressocialização como uma espécie de “prêmio” aos que se
desviaram das leis. Tome-se como exemplo o debate em torno do projeto de lei
que acaba com as saídas temporárias de presos em feriados – conhecidas como
“saidinhas”. As discussões sobre o tema no Congresso estão poluídas por essa
visão apaixonada da política penitenciária. Seria muito melhor para o País que
o debate em torno de uma política pública como essa fosse pautado pelas
evidências que indicam ser baixíssimo o índice de fuga e expressivos os ganhos
advindos do convívio da maioria dos presos com seus familiares.
O Brasil é um país violento, e o medo da
violência aparece com frequência em pesquisas de opinião como uma das maiores
aflições dos cidadãos, sobretudo dos que vivem nas grandes cidades – a começar
por São Paulo e Rio, capitais que são berços das duas maiores organizações
criminosas do País. O fim desse flagelo, ou ao menos a sua mitigação, depende
fundamentalmente da adoção de uma abordagem mais corajosa e menos populista da
violência urbana por parlamentares e governantes na formulação de políticas públicas
na área de segurança. Afinal, não haverá um Brasil mais seguro enquanto
prevalecer a lógica segundo a qual a violência dos criminosos deve ser
enfrentada com mais violência por parte dos agentes do Estado.
Não será da exploração eleitoreira da justa
indignação da população diante das falhas do Estado em combater o crime que
emergirá um país com índices de criminalidade mais civilizados. Isso depende da
coragem e do espírito público de mandatários no Legislativo e no Executivo para
formular e implementar políticas públicas mais responsáveis na área de
segurança – ainda que “mais responsável”, em alguns casos, possa significar
“mais impopular”.
Num Estado Democrático de Direito, justiça
não se confunde com vingança.
O Brasil andando de lado
O Estado de S. Paulo
‘Monitor do PIB’, da FGV, mostra que taxa de investimento continuou patinando em 2023
O crescimento econômico em torno de 3%
projetado para 2023 deverá ser embaciado por uma severa queda, de 3,4%, do
investimento nacional, como mostrou o Monitor do PIB, divulgado pela Fundação
Getulio Vargas (FGV). Uma incômoda constatação de que o Brasil caminha de lado,
num momento em que poderia aproveitar a janela de oportunidades global aberta
pelo rearranjo do comércio mundial, pelas mudanças geopolíticas e pela
transição energética para alicerçar sua relevância econômica.
O baque mais forte (-8,5%) virá do
investimento em máquinas e equipamentos, justamente o que aponta a disposição
da indústria em empregar capital no aumento e modernização da produção. Ou
seja, é o que traça o desempenho futuro. Como é consenso entre economistas,
para sustentar um crescimento razoável da economia, em torno de 4% ao ano, o
País precisaria assegurar uma taxa de investimento ao redor de 25% por, pelo
menos, duas a três décadas.
Nestes últimos 23 anos, o máximo alcançado
foi em 2013, com taxa de investimento de 22,8% em relação ao Produto Interno
Bruto (PIB). E não há, ao menos por enquanto, perspectiva de mudanças no
horizonte. Pelos cálculos da FGV, o ano passado registrou a decepcionante taxa
de 18,1%. O saldo ficou abaixo da média verificada desde 2000, que também não
chegou a encostar em 20% ao ano.
Apesar de avanços no cenário econômico, como
o esforço para a simplificação da estrutura tributária, o Brasil permanece um
país muito caro para investir. Como, aliás, reconheceu o vice-presidente e
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo
Alckmin, em reunião recente com empresários
na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O diagnóstico é
amplamente conhecido. O peso do custo Brasil sobre a atividade também.
Apesar disso, 2023 registrou crescimento
acima do inicialmente previsto em razão, como é notório, da excepcional
contribuição do agronegócio, especialmente na primeira metade do ano. Este
início de 2024, principalmente por causa de problemas climáticos, não está
repetindo a mesma façanha, o que torna ainda mais premente a adoção de uma
política industrial que, de fato, sustente o crescimento – e não um soluço
fruto de intervenções estatais e projetos megalômanos, mas sim o
desenvolvimento de uma base de prioridades em infraestrutura, além do respeito
à segurança jurídica e à responsabilidade fiscal, por parte do Estado. E, por
óbvio, cumprimento das reformas que possam, enfim, reduzir o custo Brasil.
Os dados oficiais sobre a evolução da
economia no ano passado serão conhecidos somente no início de março, quando for
divulgado o resultado do PIB de 2023. Para antecipar tendências, o estudo da
FGV usa as mesmas fontes de dados e a metodologia do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo cálculo.
O resultado oficial não deve diferir da prévia. O que se espera é que a evolução futura represente, enfim, um crescimento econômico que reflita uma confiança real na economia.
Para salvar o país tropical
Correio Braziliense
Estudos recentes, que mostram a identificação
da primeira região árida no país, trazem a perspectiva de a Amazônia chegar ao
ponto de não retorno
O Brasil da abundância de água potável, das
florestas exuberantes, sem terremotos, furacões ou tufões está ficando, ou já
ficou, para trás e o cenário futuro pode ser devastador se medidas urgentes não
forem tomadas para salvar o "país tropical, abençoado por Deus"dos
impactos das mudanças climáticas e da ganância humana.
Estudos recentes, que mostram a identificação
da primeira região árida no país, trazem a perspectiva de a Amazônia chegar ao
ponto de não retorno. Eventos climáticos, como ciclones e secas que quase
puseram fim à perenidade de rios amazônicos, alertam para a necessidade urgente
de se adotar ações para reverter esse quadro. Pagaremos um preço muito alto se
não nos atentarmos para a gravidade do quadro.
Um estudo publicado na Nature e divulgado há
uma semana mostra que quase metade dos 5,5 milhões de quilômetros quadrados da
Floresta Amazônica pode conviver com fatores de degradação que a levariam a um
ponto de não retorno — ou seja, sem mais possibilidade de recuperação — até
2050. A floresta que se formou ao longo de séculos pode estar parcialmente
perdida em apenas 26 anos. Esse seria o ponto em que a morte acelerada da
floresta provocaria mudanças no bioma e o colapso de extensas áreas. É preciso
lembrar que a Amazônia Legal corresponde a 59% do território brasileiro e a 67%
das florestas tropicais no mundo.
O impacto da destruição será global, com
implicações na biodiversidade e na disponibilidade de recursos. Embora o
desmatamento tenha recuado no último ano, com queda de 50%, a floresta sofre os
efeitos de anos de cortes de árvores e garimpos ilegais. Nos últimos 30 anos a
temperatura média da floresta aumentou 1ºC, com efeito sobre a floresta e sobre
o clima das regiões Centro-Oeste e Sudeste, abastecidas de chuva pela umidade
da Região Amazônica. O resultado pode ser anos muito mais quentes e com secas
prolongadas, afetando um dos maiores polos de produção de alimentos do país.
E não é apenas a floresta que sofre as
consequências das mudanças climáticas. Um estudo do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) constata que uma área
de 5,7 milhões de quilômetros quadrados no norte da Bahia é classificada com
clima árido, o que deixa o local nas mesmas condições de um deserto. O
levantamento considerou dados históricos entre 1960 e 2020, ou seja, não se
trata de uma projeção, mas sim de uma comprovação. Enquanto a temperatura no
mundo ficou 1,1ºC mais alta entre 2011 e 2020 em relação ao período logo após a
Revolução Industrial, no Brasil o aumento foi de 1,5ºC, com algumas regiões
chegando a 3ºC.
De outro lado, uma medida que poderia aliviar a pressão sobre a floresta praticamente não saiu do papel. No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu retomar o compromisso assumido no âmbito do Acordo de Paris, em 2015, de reflorestar 12 milhões de hectares de vegetação nativa. Desde 2016, o Brasil reflorestou apenas 79 mil hectares, ou apenas 0,65% da meta brasileira. Cálculos indicam que para cobrir essa área seria necessário o plantio de 8 bilhões de árvores. É preciso que o país crie um sistema de reflorestamento para aliviar as pressões climáticas, mas é necessário que seja feito agora, sob pena de não termos mais tempo.
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