Valor Econômico
Tema não é considerado decisivo em disputas presidenciais, mas está presente no polarizado debate
Foi diferente o carnaval de 1912. E foram
peculiares, também, os dias posteriores à folia originalmente prevista em
calendário. Naquele ano, na verdade, o Brasil teve dois carnavais.
Paradoxalmente, os festejos em dobro tiveram como origem a morte do Barão do
Rio Branco, icônico ministro das Relações Exteriores, considerado por muitos um
herói nacional e personalidade fundamental na construção dos pilares da
política externa nacional.
José Maria da Silva Paranhos Júnior morreu no
Rio de Janeiro no dia 10 de fevereiro, um sábado, exatamente uma semana antes
do carnaval. Chefiou por dez anos a pasta, período em que desempenhou papel
fundamental na definição das fronteiras do Brasil sem o uso da força. E isso
valia até mesmo para os casos em que o desfecho não era totalmente satisfatório
para o Brasil.
Um exemplo foi a definição da fronteira com a Guiana Inglesa por meio de uma arbitragem internacional, episódio diretamente relacionado à histórica contenda entre a Venezuela e a Guiana por causa do rico território de Essequibo. Um tema que, aliás, voltou ao topo das preocupações regionais e tem demandado um olhar especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Naquele fevereiro de 1912, contudo, o
noticiário era outro. Havia quem considerava um tremendo desrespeito liberar a
farra em meio ao luto oficial.
Primeiro, apontam os registros históricos, o
governo teria lavado as mãos por avaliar que não teria como suspender, de
ofício, uma mobilização popular praticamente incontrolável. Pressionado, acabou
transferindo a folia “regulamentar” para o início de abril.
Alguns clubes distribuíram folhetos
informando que suas batalhas de confete estavam adiadas. Nesse meio tempo, a
Prefeitura do Rio rebatizou a “Avenida Central” e passou a chamar a importante
via que ligava o novo porto da cidade à Glória de “Avenida Rio Branco”.
Mas isso não impediu que os foliões saíssem
às ruas para pular o primeiro carnaval do ano de 1912 - depois, claro,
repetiu-se a festa em abril. Em paralelo, uma multidão de admiradores também se
dirigiu ao Palácio Itamaraty para prestar homenagens ao barão. Imagens do
acervo do Ministério das Relações Exteriores, disponibilizadas na internet,
mostram a aglomeração que se deu em frente à primeira sede da pasta, a chegada
das principais autoridades do país e a movimentação do corpo diplomático.
Cento e doze anos depois, a região do palácio
e o próprio Ministério das Relações Exteriores estão em foco novamente.
A atual movimentação do corpo diplomático,
porém, deve-se à esperada reunião dos chanceleres do G20. Presidida pelo
Brasil, ela é realizada na Marina da Glória e alguns encontros bilaterais
ocorrem no palácio ocupado por cerca de dez anos pelo barão.
Para autoridades do governo, esta seria a
oportunidade perfeita para o Brasil dar tração a alguns pontos caros à política
externa, como a reforma da governança dos principais organismos multilaterais.
Afinal, a obtenção de uma cadeira cativa no Conselho de Segurança das Nações
Unidas voltou de vez à lista de prioridades. Estava nos planos dar destaque ao
combate à fome e ao enfrentamento ao aquecimento global, além de reforçar a
posição brasileira em relação aos conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia.
No entanto, é grande a ressaca. A crise com
Israel tem tomado tempo dos diplomatas brasileiros, energia e dominado os
holofotes.
No campo doméstico, o tema também ocupou
espaço na agenda do Congresso, atrapalhando os planos do governo de acelerar a
tramitação da pauta econômica neste período imediatamente posterior ao
carnaval.
Em outro revés para o Palácio do Planalto, a
oposição ganhou de presente um tema para fustigar o governo, num momento em que
o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores precisavam se explicar
sobre os planos de golpe em investigação.
Política externa não é um tema considerado
decisivo em disputas presidenciais, mas está presente no polarizado debate.
Mobiliza militantes de ambos os lados, e deve se manter em pauta nos próximos
dias.
Mesmo que consiga arrefecer a turbulência
diplomática com Israel, Lula será novamente instado a se posicionar sobre a
situação na Venezuela. Na infeliz entrevista que concedeu na Etiópia, a qual
desencadeou a também infeliz reação de Israel, Lula foi perguntado sobre a
expulsão de funcionários da ONU pelo governo venezuelano e disse que não tinha
informações suficientes para comentar. Pediu um tempinho.
Alguns dias se passaram, e o tema deve
retornar à sua mesa, agora na reunião com o secretário de Estado americano,
Antony Blinken. Na sequência, esse mesmo assunto servirá de pano de fundo para
a reunião da Cúpula do Mercado Comum e Comunidade no Caribe (Caricom), da qual
o presidente pretende participar.
Sem sair do lugar ou pronunciar uma palavra
sequer, quem ganhou um presente foi o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), destinatário de um pedido de impeachment protocolado por parlamentares
que visam apenas aproveitar a crise diplomática entre Brasil e Israel para
fazer campanha política em suas bases. Lira ganha novo crédito para manter esse
pedido no local de onde ele não tem embasamento para sair: a gaveta. Já os
oposicionistas devem marcar posição, sim, mas sem transformar o episódio em um
segundo Carnaval.
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