O cientista político e ex-secretário de Defesa estadunidense, Joseph S. Nye Jr., cunhou conceitos que explicam muito bem o desenho de forças que emergem do século 20 e adentram o século 21, são esses o “soft power” e “hard power”. Resumidamente para entendermos estas diferentes formas de influência e projeção de poder no contexto das relações internacionais, o soft power seria à capacidade de influenciar e persuadir os outros por meio de meios não coercivos, como cultura, valores, diplomacia e atração, enquanto o hard power se baseia no uso da força militar e econômica para alcançar objetivos políticos. O conceito de soft power foi popularizado por Joseph Nye em seu livro "Soft Power: The Means to Success in World Politics" (2004). Ele argumenta que o poder não se baseia apenas na capacidade de coagir ou forçar outros Estados a agir de acordo com seus interesses, mas também em atrair e persuadir outros a compartilhar suas metas e valores.
O soft power é uma ferramenta crucial na diplomacia moderna e pode ser mais eficaz do que o hard power em muitos contextos, como poderemos ver segundo o autor, muitos desses elementos são intrínsecos ao ethos brasileiro e parte integrante das características do que costumamos observar como traço nacional, são características do soft power:
1 – Cultura e Atração: Um dos elementos-chave do soft power é a cultura de um país. Marcas globais como Hollywood, a música americana e a moda francesa, culinária italiana, exercem uma forte influência cultural em todo o mundo. O autor Benjamin Barber, em seu livro "Jihad vs. McWorld" (1995), discute como a cultura popular pode moldar as percepções globais e influenciar o comportamento das pessoas;
2 – Diplomacia e Negociação: Diplomatas e negociadores experientes podem usar a persuasão e o diálogo para alcançar acordos que beneficiem seu país. Até o controverso ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, em seu livro "Diplomacy" (1994), exalta a arte da diplomacia e como a habilidade de persuasão desempenha um papel crucial nas relações internacionais e mais definidor que o papel da coerção;
3 – Valores e Ideias: O soft power também se baseia na promoção de valores e ideias que ressoam com outros Estados e povos. O autor Samuel P. Huntington, em "O Choque de Civilizações" (1996), argumenta que os valores e identidades culturais desempenham um papel fundamental nas relações internacionais e podem ser usados como ferramentas de influência. A ideia central da teoria é que o principal motor de conflito no mundo pós-Guerra Fria não seria mais a ideologia política, mas sim as diferenças culturais e religiosas entre as civilizações. Huntington argumentou que os conflitos futuros seriam "choques de civilizações" ou confrontos entre grupos de diferentes civilizações, devido às suas divergências culturais fundamentais. Os países onde as diferenças e o outro fossem vistos como iguais teriam a prevalência no novo desenho de poder.
O hard power, por outro lado, representa a capacidade de um país de impor sua vontade por meio de ameaças, força militar, sanções econômicas e poder econômico. Enquanto o soft power se concentra na persuasão, o hard power se concentra na coerção e na capacidade de moldar diretamente o comportamento de outros Estados, são características do hard power:
1 – Um aspecto importante do hard power é o uso da força militar para alcançar objetivos políticos. O autor Carl von Clausewitz, em sua obra "Da Guerra" (1832), é uma referência clássica na teoria militar, abordando a relação entre a política e a guerra;
2 – Força do Poder Econômico: O poder econômico é uma forma de hard power, pois permite a um país exercer influência por meio do controle de recursos financeiros e comerciais. A teoria do realismo nas relações internacionais, associada a autores como Hans Morgenthau, enfatiza a importância do poder econômico e militar como principais motores das relações internacionais;
3 – Sanções e Pressão Política: Os Estados também podem usar sanções econômicas, bloqueios comerciais e pressão política para alcançar objetivos políticos. O autor Robert Pape, em "Coercion, Cooperation, and Complicity: The Unraveling of Western Strategy" (2011), analisa como as estratégias de coerção são aplicadas como forma de subjugar outros Estados na política internacional.
É importante observar que soft power e hard power não são mutuamente excludentes, vários Estados geralmente usam uma combinação de ambos para alcançar seus objetivos. Por exemplo, os Estados Unidos frequentemente empregam seu soft power, por meio da música, cinema, culinária, apoio humanitário, como forma de atração de outros países, mas o fundamental de sua política externa é o hard power clássico, lastreado no seu enorme poderio militar e econômico.
A inserção do Brasil como um participe importante da política internacional, sendo uma nação vasta e diversificada, além de uma riqueza inigualável em termos de recursos naturais, e reconhecido como um centro de cultura e multidiversidade, étnico, religiosa, social e política. No novo século a maior riqueza nacional não é sua indústria, agricultura ou commodities, nosso ativo mais poderoso é o soft power brasileiro. O Brasil, através de sua imagem positiva no cenário internacional, pode se bem trabalhado, alavancar sua inserção internacional como um “player” mundial fundamental.
Para compreender completamente o potencial do Brasil em relação ao soft power, é essencial entender qual seria o diferencial brasileiro nesse poder não coercitivo. Nisso o Brasil tem uma vantagem única nesse aspecto devido à sua rica herança cultural, biodiversidade e comprometimento com questões ambientais. A cultura brasileira é um dos principais pilares desse poder. O país é reconhecido mundialmente por sua música, dança, culinária, esportes e festividades, são exemplos de elementos culturais que atraem a atenção e a simpatia de pessoas em todo o mundo. Através dessas formas de expressão, o Brasil é capaz de construir pontes culturais e promover o entendimento intercultural.
Uma das maiores oportunidades de soft power para o Brasil reside em sua rica biodiversidade e seu compromisso com a preservação do meio ambiente. A Amazônia, o Pantanal e os demais biomas do país são tesouros naturais que desempenham um papel fundamental na regulação do clima global e na manutenção da biodiversidade. No entanto, o Brasil também enfrenta desafios significativos relacionados ao desmatamento, queimadas e a pressões para o desenvolvimento econômico. Nesse contexto, o país aproveitou-se de seu poder não coercitivo, liderando esforços de conservação e desenvolvendo estratégias sustentáveis assim que a nova administração federal ascendeu ao poder em janeiro de 2023, fato comemorado e apoiado pela comunidade internacional.
O Brasil possui um potencial incrível de soft power, especialmente quando se trata de questões ambientais. Sua cultura diversificada, diplomacia ativa e rica biodiversidade são ativos valiosos que podem ser aproveitados para promover uma imagem positiva no cenário internacional e liderar esforços globais em direção à sustentabilidade. Para que o Brasil realize seu pleno potencial como líder no mundo, é fundamental que o país mantenha não só seu compromisso com a conservação ambiental, mas a defesa do multilateralismo, da cooperação internacional e do respeito aos direitos de autodeterminação dos Estados Nacionais sem abrir mão da defesa dos Direitos Humanos em todos os seus aspectos. Ao fazer isso, o Brasil se consolidará como uma força positiva e determinante no cenário global.
A diplomacia brasileira é outro exemplo da importância do soft power, o Brasil tem desempenhado um papel ativo em organizações internacionais, como as Nações Unidas, como as missões de manutenção da paz e humanitárias. Além disso, o país busca estabelecer parcerias econômicas e políticas com várias nações em todo o mundo. Essas ações contribuem para uma imagem positiva do Brasil como um ator responsável e não beligerante na geopolítica global. O multilateralismo é um pilar fundamental da política externa brasileira. Trata-se da crença de que os desafios globais, como a segurança, a paz, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos, devem ser abordados por meio de cooperação internacional e instituições multilaterais. O Brasil tem enfatizado a necessidade de solucionar conflitos e promover o desenvolvimento por meio do diálogo e da diplomacia, em vez do uso da força unilateral.
O respeito à autodeterminação dos povos é um princípio central do direito internacional e da Carta das Nações Unidas. Significa que os povos têm o direito de determinar seu próprio destino político, econômico, social e cultural, sem interferência externa. O Brasil tem historicamente defendido esse princípio, especialmente no contexto de crises internacionais e lutas de independência. Um exemplo notável é o apoio do Brasil à independência de Timor-Leste. Em 1999, o país enfrentou uma violenta repressão por parte da Indonésia, após um referendo pela independência. O Brasil, junto com a comunidade internacional, pressionou pela intervenção da ONU, resultando em uma missão de paz que ajudou Timor-Leste a alcançar a independência. Isso demonstra o compromisso brasileiro com a autodeterminação dos povos.
A busca do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é uma estratégia para fortalecer sua capacidade de influenciar as decisões globais relacionadas à paz e segurança. A ONU, fundada em 1945, refletia o equilíbrio de poder da época, com cinco membros permanentes (Estados Unidos, Reino Unido, França, China e União Soviética). Desde então, o mundo mudou significativamente, e muitos argumentam que o Conselho de Segurança deve ser reformado para refletir essa nova realidade. O Brasil, como nação de dimensões continentais e significativa influência regional e global, tem buscado há décadas uma posição permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A busca por um assento permanente reflete a aspiração do país de desempenhar um papel mais ativo na formulação de políticas globais, particularmente em relação a questões de segurança e paz. Essa busca está alinhada com princípios-chave da política externa brasileira, incluindo o multilateralismo e o respeito à autodeterminação dos povos. A exclusão do Brasil e de outros países importantes da América Latina, África e Ásia enfraquece a legitimidade e a eficácia do Conselho, que não observam o mundo pós-segunda guerra e as novas necessidades globais em geral e dos países em desenvolvimento em particular, que muitas vezes são afetados pelas decisões do Conselho de Segurança sem ninguém que os represente.
A busca do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é um reflexo de sua política externa multilateralista e compromisso com a autodeterminação dos povos. Se obtiver sucesso o Brasil pode inaugurar um novo momento na ONU utilizando de seu soft power, para contribuir para promoção da paz, segurança, desenvolvimento sustentável e direitos humanos em escala global. Talvez enfim, possamos chegar ao verdadeiro proposito do Brasil com Estado independente, o país que mostre ao mundo que as decisões nascidas da relação entre iguais com dialogo e fraternidade, são decisões muito mais fortes e inquebrantáveis, sabemos que o Brasil não é melhor que ninguém, mas essa é nossa maior virtude, sabemos disso, enquanto povo e nação, quantos outros povos tem essa clareza?
*Cláudio Carraly, Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.
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