quarta-feira, 13 de março de 2024

Nilson Teixeira* - Maior cautela na gestão monetária

Valor Econômico

Ritmo de corte de 25 pontos-base permitiria uma sintonia fina dos juros e uma maior sincronia com o esperado início do ciclo de cortes nos EUA, Reino Unido e zona do euro

A estrutura a termo da taxa de juros de 8 de março embute corte da taxa Selic nas reuniões do Copom de 52 pontos-base (pb) em março, 45 pb em maio, 36 pb em junho, 22 pb em julho e 12 pb em setembro, alcançando 9,43% no fim do ano. Já o relatório Focus da mesma data indica redução de juros de 50 pb por seguidas reuniões, com a taxa Selic alcançando 9% em dezembro.

Alguns participantes do mercado têm defendido um afrouxamento monetário mais acelerado ou, ao menos, por um período mais prolongado. Apesar da recente inflação ao consumidor ligeiramente mais alta, o argumento é de que essa estratégia ainda manteria a taxa Selic em patamar contracionista, sem pressionar a inflação e, portanto, sem trazer riscos relevantes para sua convergência para o centro da meta de 3%.

Um maior corte de juros é condizente com a expectativa de uma taxa de câmbio relativamente estável e de um repasse significativo da deflação no atacado para a inflação IPCA, resultando em projeção para 2024 significativamente inferior ao consenso atual de 3,8%. Sob esse ponto de vista, a taxa Selic poderia recuar para um patamar ligeiramente acima de 7,5% a 8%, correspondente à suposta taxa de juros natural real entre 4% e 4,5% acrescida das projeções de inflação IPCA de 3,5% para os próximos anos.

Mesmo sendo argumentos razoáveis, tenho leitura diferente sobre a melhor resposta monetária.

Apesar do seu declínio gradual desde meados de 2022, a inflação IPCA continua acima do centro da meta para todo o horizonte de previsão. Embora também venham recuando, a inflação de serviços e a sua medida subjacente - índices mais sensíveis à atividade - permanecem muito altas. A cautela na gestão monetária, com a permanência da taxa Selic acima do seu patamar neutro por um período mais longo é, portanto, indispensável.

Após sua expansão no 1º semestre, em particular da agropecuária, o Produto Interno Bruto (PIB) real ficou estável no último semestre. Apesar disso, a mediana das previsões para o crescimento em 2024 aumentou para 1,8%, próxima do limite superior das estimativas de expansão do produto potencial. As projeções de crescimento em torno de 2% nos próximos anos e a crença do presidente do Banco Central de que o PIB em 2024 crescerá mais, em conjunto com o cenário para a inflação, sugerem que não há nenhuma necessidade de taxa Selic inferior a 9% neste ano.

O afrouxamento de 250 pb desde agosto de 2023 e a expectativa de taxa Selic de 9% a partir da reunião de setembro do Copom terão efeito expansionista, o que é compatível com um recuo da taxa de desemprego abaixo dos 7,4% do último trimestre. Apesar desse patamar ser superior ao da primeira metade da década passada, a pandemia e o aumento das transferências do governo federal podem ter alterado o comportamento do mercado de trabalho, com risco de maior pressão inflacionária advinda do declínio adicional do desemprego. Nesse ambiente, a desaceleração dos salários reais e do consumo das famílias tendem a ser revertidos, o que traz riscos de pressão na inflação de serviços e, em menor magnitude, na de bens.

Do lado fiscal, a mediana das projeções de déficit primário permanece próxima a 0,8% do PIB em 2024, com melhoria gradual do resultado até zerá-lo em 2028. Apesar do aumento da receita fiscal no início deste ano, não há perspectiva de convergência para um superávit capaz de estabilizar a dívida pública nesta década. Do mesmo modo, não há sinais por parte do Executivo ou do Legislativo de revisão dos gastos públicos, com a melhoria do resultado primário dependente apenas do aumento da arrecadação.

Apesar de pouco discutido nas atas do Copom, o clamor de membros poderosos do governo e do Congresso a favor da alta dos gastos é um risco que não pode ser desconsiderado, o que exige atuação mais conservadora na gestão monetária.

Nesse sentido, os fundamentos são compatíveis com a redução do corte da taxa Selic para 25 pb a partir da reunião de 18 e 19 de junho, senão antes. Para isso, o comunicado da reunião de 19 e 20 de março do Copom precisa interromper a sinalização de diminuição da taxa Selic em 50 pb nos dois encontros seguintes e indicar a desaceleração no ritmo para melhor administração dos riscos existentes. A menor magnitude seria a estratégia mais segura para reforço da convergência da alta de preços e das expectativas de inflação para o centro da meta de 3%.

O ritmo de corte de 25 pb permitiria uma sintonia fina dos juros e uma maior sincronia com o esperado início do ciclo de corte de juros dos bancos centrais dos EUA, zona do euro e Reino Unido, entre outros. Uma trajetória mais benigna da inflação daria aval para o recuo da taxa Selic para os mesmos 9% da mediana das projeções para o fim do ano do Focus, com possível extensão do afrouxamento monetário por várias reuniões em 2025. Por outro lado, em um cenário menos benigno, a distensão poderia ser interrompida em um patamar mais elevado, o que manteria a taxa Selic em território ainda contracionista, sem exigir, portanto, rápida reversão da política monetária. Uma estratégia mais gradualista também seria benéfica para o próximo presidente do Banco Central, que não seria instado a discutir eventual alta da taxa Selic já no início da sua administração.

Há outra questão a ser considerada. A estimativa inferior a 9% para os juros nominais de equilíbrio não é robusta, pois vários especialistas apontavam há pouco tempo que a taxa de juros real de equilíbrio seria de 5% ou mais. Adicionar a esse valor às expectativas de inflação do Focus de 3,5% para o médio prazo também é questionável, haja vista que as previsões para prazos mais longos subestimaram a inflação nas últimas décadas.

Em seu influente livro “Teoria e Prática da Política Monetária”, Alan Blinder ensina que na ausência de maior certeza sobre a dinâmica da economia, é melhor que os bancos centrais sejam mais cautelosos na gestão dos juros básicos, de forma a evitar efeitos negativos em caso de erro. Dado o cenário atual, é uma boa sugestão para a atual direção do Banco Central.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia

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