Valor Econômico
Ritmo de corte de 25 pontos-base permitiria uma sintonia fina dos juros e uma maior sincronia com o esperado início do ciclo de cortes nos EUA, Reino Unido e zona do euro
A estrutura a termo da taxa de juros de 8 de
março embute corte da taxa Selic nas reuniões do Copom de 52 pontos-base (pb)
em março, 45 pb em maio, 36 pb em junho, 22 pb em julho e 12 pb em setembro,
alcançando 9,43% no fim do ano. Já o relatório Focus da mesma data indica
redução de juros de 50 pb por seguidas reuniões, com a taxa Selic alcançando 9%
em dezembro.
Alguns participantes do mercado têm defendido um afrouxamento monetário mais acelerado ou, ao menos, por um período mais prolongado. Apesar da recente inflação ao consumidor ligeiramente mais alta, o argumento é de que essa estratégia ainda manteria a taxa Selic em patamar contracionista, sem pressionar a inflação e, portanto, sem trazer riscos relevantes para sua convergência para o centro da meta de 3%.
Um maior corte de juros é condizente com a
expectativa de uma taxa de câmbio relativamente estável e de um repasse
significativo da deflação no atacado para a inflação IPCA, resultando em
projeção para 2024 significativamente inferior ao consenso atual de 3,8%. Sob
esse ponto de vista, a taxa Selic poderia recuar para um patamar ligeiramente
acima de 7,5% a 8%, correspondente à suposta taxa de juros natural real entre
4% e 4,5% acrescida das projeções de inflação IPCA de 3,5% para os próximos
anos.
Mesmo sendo argumentos razoáveis, tenho
leitura diferente sobre a melhor resposta monetária.
Apesar do seu declínio gradual desde meados
de 2022, a inflação IPCA continua acima do centro da meta para todo o horizonte
de previsão. Embora também venham recuando, a inflação de serviços e a sua
medida subjacente - índices mais sensíveis à atividade - permanecem muito
altas. A cautela na gestão monetária, com a permanência da taxa Selic acima do
seu patamar neutro por um período mais longo é, portanto, indispensável.
Após sua expansão no 1º semestre, em
particular da agropecuária, o Produto Interno Bruto (PIB) real ficou estável no
último semestre. Apesar disso, a mediana das previsões para o crescimento em
2024 aumentou para 1,8%, próxima do limite superior das estimativas de expansão
do produto potencial. As projeções de crescimento em torno de 2% nos próximos
anos e a crença do presidente do Banco Central de que o PIB em 2024 crescerá
mais, em conjunto com o cenário para a inflação, sugerem que não há nenhuma necessidade
de taxa Selic inferior a 9% neste ano.
O afrouxamento de 250 pb desde agosto de 2023
e a expectativa de taxa Selic de 9% a partir da reunião de setembro do Copom
terão efeito expansionista, o que é compatível com um recuo da taxa de
desemprego abaixo dos 7,4% do último trimestre. Apesar desse patamar ser
superior ao da primeira metade da década passada, a pandemia e o aumento das
transferências do governo federal podem ter alterado o comportamento do mercado
de trabalho, com risco de maior pressão inflacionária advinda do declínio
adicional do desemprego. Nesse ambiente, a desaceleração dos salários reais e
do consumo das famílias tendem a ser revertidos, o que traz riscos de pressão
na inflação de serviços e, em menor magnitude, na de bens.
Do lado fiscal, a mediana das projeções de
déficit primário permanece próxima a 0,8% do PIB em 2024, com melhoria gradual
do resultado até zerá-lo em 2028. Apesar do aumento da receita fiscal no início
deste ano, não há perspectiva de convergência para um superávit capaz de
estabilizar a dívida pública nesta década. Do mesmo modo, não há sinais por
parte do Executivo ou do Legislativo de revisão dos gastos públicos, com a
melhoria do resultado primário dependente apenas do aumento da arrecadação.
Apesar de pouco discutido nas atas do Copom,
o clamor de membros poderosos do governo e do Congresso a favor da alta dos
gastos é um risco que não pode ser desconsiderado, o que exige atuação mais
conservadora na gestão monetária.
Nesse sentido, os fundamentos são compatíveis
com a redução do corte da taxa Selic para 25 pb a partir da reunião de 18 e 19
de junho, senão antes. Para isso, o comunicado da reunião de 19 e 20 de março
do Copom precisa interromper a sinalização de diminuição da taxa Selic em 50 pb
nos dois encontros seguintes e indicar a desaceleração no ritmo para melhor
administração dos riscos existentes. A menor magnitude seria a estratégia mais
segura para reforço da convergência da alta de preços e das expectativas de
inflação para o centro da meta de 3%.
O ritmo de corte de 25 pb permitiria uma
sintonia fina dos juros e uma maior sincronia com o esperado início do ciclo de
corte de juros dos bancos centrais dos EUA, zona do euro e Reino Unido, entre
outros. Uma trajetória mais benigna da inflação daria aval para o recuo da taxa
Selic para os mesmos 9% da mediana das projeções para o fim do ano do Focus,
com possível extensão do afrouxamento monetário por várias reuniões em 2025.
Por outro lado, em um cenário menos benigno, a distensão poderia ser interrompida
em um patamar mais elevado, o que manteria a taxa Selic em território ainda
contracionista, sem exigir, portanto, rápida reversão da política monetária.
Uma estratégia mais gradualista também seria benéfica para o próximo presidente
do Banco Central, que não seria instado a discutir eventual alta da taxa Selic
já no início da sua administração.
Há outra questão a ser considerada. A
estimativa inferior a 9% para os juros nominais de equilíbrio não é robusta,
pois vários especialistas apontavam há pouco tempo que a taxa de juros real de
equilíbrio seria de 5% ou mais. Adicionar a esse valor às expectativas de
inflação do Focus de 3,5% para o médio prazo também é questionável, haja vista
que as previsões para prazos mais longos subestimaram a inflação nas últimas
décadas.
Em seu influente livro “Teoria e Prática da
Política Monetária”, Alan Blinder ensina que na ausência de maior certeza sobre
a dinâmica da economia, é melhor que os bancos centrais sejam mais cautelosos
na gestão dos juros básicos, de forma a evitar efeitos negativos em caso de
erro. Dado o cenário atual, é uma boa sugestão para a atual direção do Banco
Central.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia
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